quinta-feira, 23 de abril de 2020

Uma pandemia pode trazer felicidade

Quando se descobriu três casos de infectados pelo coronaVírus, os 10
apartamentos do Edifício Vigor, no bairro da Saúde, foram colocados em
quarentena. Os 43 moradores, entre idosos, adultos, adolescentes e
crianças foram obrigados ao confinamento social conforme determina
a lei em todo o País.
Um casal de vizinhos, moradores do pavimento térreo, com idade acima
dos 70 anos e o zelador, que também era porteiro e faz tudo por ali,
que tinha 60, apresentaram indícios de infecção pelo covid-19, foram
levados ao Hospital de Pesquisas Bacteriológicas e ficaram internados.

A Doutora e cientista Valda Cruz, da equipe médica que cuidava da ala
dos infectados pelo novo coronavírus resolveu adotar um tratamento
inédito e que estava dando resultados positivos, vencendo a doença e
trazendo melhoras aos doentes sob sua responsabilidade.
Os três infectados do Edifício Vigor estavam sob seus cuidados, então
ela resolveu aplicar-lhes seu método de tratamento.
Chegou ao edifício com uma equipe do setor de hemograma, convocou
todos os moradores com idade acima dos 18 anos e colheu amostras para
um exame de sangue. No hospital fez o mesmo com seus três pacientes,
enviou as amostras ao laboratório e aguardou, impaciente, o resultado.

Ao receber os resultados dos exames de sangue, colocou-os diante de si,
analisando e comparando os dados apresentados naquelas folhas de papel.
Como sabia que um hemograma pode mostrar o estado de saúde de uma
pessoa e sabendo que o laboratório do hospital aplicava técnicas
sofisticadas, solicitou também um criterioso exame de DNA em todas as
amostras. No dia seguinte mandou aplicar nos doentes um pouco do
sangue colhido no prédio cujos doadores estavam com a saúde perfeita.
Três dias após receberem o sangue sadio, os pacientes apresentaram uma
melhora tão boa que Doutora Valda deu-lhes alta e os mandou levar em
casa. Ela provará sua teoria e fora parabenizada pelos colegas.

Doutora Valda Cruz, por precaução, determinou que os moradores do
Edifício Vigor permanecessem em confinamento social até que o Covid-19
estivesse sob controle e os casos já não apresentassem risco de morte.
Na semana seguinte ela convocou ao seu consultório três moradores
daquele prédio. Um foi o zelador, o outro Meire e o terceiro seu
filho, Nino. Quando eles chegaram ela pediu que Osni, o zelador e
Meire entrassem no gabinete enquanto Nino ficava na sala de espera
lendo uma daquelas revistas mais velhas do que o próprio rapaz.
Eles entraram e sentaram-se diante da mesa da doutora que já estava
sentada em sua cadeira.

- Certamente vocês estão curiosos para saberem porque os chamei aqui.
- Pois é, Doutora... não sei porque a Senhora me chamou e mandou que eu
trouxesse meu filho.
- Eu também não sei o que estou fazendo aqui, Doutora. Meu tratamento
falhou? Eu continuo com o vírus, Doutora?
- Não é nada disso, Seu Osni. Está tudo bem com o Senhor. O Senhor e os
outros dois moradores estão livres do Covid-19, mas convém não abusar.
- E eu, Doutora, porque estou aqui?
- Bem, Meire... ao pedir o exame de sangue ao laboratório, solicitei
que fossem rigorosos e também fizessem testes de DNA, pois disso
dependeria o tratamento que criei e que, graças a Deus, deu certo.
- E daí, Doutora?
- Daí, Meire, que o mapeamento do DNA de vocês três apresentou
sequências que determinam um vínculo biológico.
- E aí, Doutora?
- Aí, Seu Osni, os testes provam que o Senhor é pai do Nino.
- Como? Não entendo. - disse Osni, surpreso.
- Acho que só Meire pode explicar, Seu Osni.
Meire, que ficara calada, mas não tão surpresa quanto o Osni, entre
lágrimas, começou a falar:
- Osni, eu sempre fui apaixonada por você, mas você era o zelador do
prédio e meus pais nunca iriam admitir que eu o namorasse, mesmo tendo
35 anos...
- Eu também sempre a amei, Meire, mas, assim como você, tinha medo da
reação de seus pais se eu me declarasse...
- Deixe-me concluir, Osni, por favor.
- Está bem, Meire, conclua.
- Uma noite fui pra um embalo com alguns ex-colegas da faculdade, bebi
demais e acabei dormindo na casa de um amigo e transamos. Liguei pra
casa e disse que estava na casa de uma amiga e que dormiria lá
novamente, mas no dia seguinte, à noite, bebi um pouco para criar
coragem, voltei ao prédio e fui bater em sua porta...
- Eu lembro dessa noite... foi a noite mais maravilhosa da minha vida.
- Deixe eu continuar, Osni. Você não queria que eu entrasse, mas eu
entrei e me joguei em seus braços e acabamos transando toda a noite.
No outro dia fui pra casa, mas não estava arrependida de haver transado
com você. Quando minha menstruação não veio, fiquei assustada, mas me
contive e não contei nada a ninguém. Fui na farmácia e comprei um teste
de gravidez e deu positivo. Eu estava grávida, mas não sabia de quem.
- Foi por isto que você nunca me contou, Meire?
- Foi, Osni. Como minha barriga começou a crescer, inventei aquele
intercâmbio, passei quatro anos fora e tive meu filho na Itália.
- Quer dizer que o Nino é italiano, Meire?
- Ele tem duas nacionalidades, Osni.
- Lembro quando você voltou. O Nino, desde os dois anos que é muito
meu amigo. Até hoje, com 25 anos, continua apegado a mim.
- É o sangue, Seu Osni. Apesar de vocês não saberem, havia uma afinidade
entre vocês de pai e filho.
- É verdade, Doutora, sempre tratei o Nino como um filho que gostaria
de ter.
- Bem, Seu Osni, agora que sabe a verdade, o que pretende fazer?
- Bem, Doutora. Se o Nino quiser, passarei a tratá-lo como filho. Se
não quiser, não muda o amor e o carinho que lhe tenho.
- Osni, o Nino sempre gostou de você, pois desde os dois anos que você
o trata com carinho e atenção. Creio que ele vai gostar de saber que
você é o pai dele, embora ele nunca tenha me cobrado quem era seu pai.
- Espero que assim seja, se Deus permitir.
- Que tal chamarmos o Nino? - perguntou a doutora.

Doutora Valda interfonou para a atendente mandar o Nino entrar.
Dois minutos depois Nino entrou no gabinete da doutora e encontrou sua
mãe e Seu Osni chorando baixinho. Surpreso, perguntou:
- Que houve aqui, Doutora? Porque minha mãe e Seu Osni estão chorando?
- Será melhor que eles lhe contem. Sente-se aí, Nino.
Nino sentou-se numa cadeira que estava entre Osni e sua mãe. Olhou pra
um, olhou pro outro sem entender nada. Foi sua mãe quem falou:
- Bem, meu amor, há muitos anos que lhe devo essa explicação, mas nem
eu mesma tinha certeza...
- Que explicação, Mãe? - interrompeu o rapaz.
- Quem era seu pai...
- Não me diga que meu pai é Seu Osni! - Exclamou Nino., adivinhando.
- É sim, meu filho... acabamos de descobrir esta verdade, graças à
Doutora Valda.
- E o que você acha disso, Nino? - perguntou Seu Osni.
- O que eu acho? Ora, Seu Osni, eu sempre gostei do Senhor como pai
porque o Senhor sempre me tratou como filho... o que posso achar?
Por Deus, isto é maravilhoso,... meu pai!
Agora poderemos morar os três juntos!
Nesse momento até a doutora chorou!

- FIM -

Luís Campos (Blind Joker)
Salvador, 15 de abril de 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário