quinta-feira, 23 de abril de 2020

A morte das abelhas

No almoço domingueiro na casa da mãe, viúva há alguns anos, os três
filhos, netos e bisnetos se reuniam sempre.
A velha, mesmo antes de enviuvar, gostava de ter a família à sua volta
nos domingos e ai de quem faltasse.

Após um desses almoços, a filha mais velha disse à mãe e aos irmãos:

- Quando eu morrer quero ser cremada e que as cinzas sejam colocadas
no vaso da azaleia que tenho em casa e que um de vocês cuide da flor
como se cuidasse de mim.

- Eu é que não quero saber disso. - disse a irmã mais moça.

- Nem eu. - falou o irmão mais jovem.

- Não conte comigo, minha filha. Sou muito medrosa.

- Ora, mamãe! Ter medo de uma flor?

- Da flor, não, filha, de suas cinzas!

- Mas mamãe, são apenas cinzas, nada mais.

- Mas serão suas cinzas, minha filha, portanto, me esqueça.

- Por que não as joga no mar, como muita gente faz? - perguntou a irmã.

- Porque não sou todo mundo. Eu sou única. - respondeu a mais velha.

- Querem saber? A conversa não está me agradando. Não gosto de falar em
morte. - disse a mãe tentando encerrar aquela conversa.

- Sim, mamãe, mas todos nós morreremos. - respondeu a filha mais velha.

- Eu sei, mas deixemos essa conversa para quando isto acontecer.

___

E a dona da azaleia morreu. Conforme seu pedido, suas cinzas foram
misturadas à terra do vaso da flor.

___

O corretor levou o casal para ver o apartamento que lhes seria alugado
mobiliado.

- Como lhes disse, são dois quartos, sendo uma suite, sala, cozinha,
área de serviço, quarto de empregada, varanda e banheiro social e de
empregada.

- O apartamento é ótimo, mas está um pouco sujo. - disse o marido.

- Será limpo antes de vocês mudarem. É que está há três meses vazio.

- Ainda bem que não será preciso pintar. - disse a mulher.

- Foi pintado há menos de seis meses e a última moradora, que era a
proprietária, não tinha criança nem animal.

- Mas nós temos um filho de sete anos e um gato de dois. - disse a
mulher.

- Não tem problema. - respondeu o corretor.

- Então quarta-feira pela manhã mudaremos para cá. - disse o marido.

- O apartamento estará prontinho. Eu estarei aqui para recebê-los. -
respondeu o corretor.

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Numa bancada de mármore, sob o sol da manhã, estava o vaso da azaleia.

Como o casal gostava de planta, cuidava com muito carinho dessa flor.

Numa manhã, a esposa notou algumas abelhas mortas sobre o mármore que
ficava o vaso da azaleia e comentou com o marido:

- Será que Miau matou essas abelhas?

- É bem possível. - respondeu o marido.

Esse fato se repetiu quase que diariamente e como eles e o filho saíam
pela manhã e só retornavam à noitinha, o culpado pelas mortes das
abelhas só poderia ser o gato, já que passava o dia todo em casa.

Como não tinham certeza, resolveram instalar uma câmera para vigiar os
movimentos do gato.

Assim que encontraram mais algumas abelhas mortas, foram assistir o que
a câmera havia gravado e ficaram surpresos com o que viram.
As abelhas pousavam na azaleia, sugavam o pólen e ao levantarem voo,
caíam mortas.

Intrigados, levaram a fita e a planta para o Instituto de Biologia da
Universidade em que trabalhavam.

Os cientistas e biólogos prometeram aos colegas que se empenhariam para
descobrir o motivo das mortes das abelhas.
Colocaram o vaso no mesmo local que havia outra azaleia e que as abelhas
costumavam visitar e observaram.

Na manhã seguinte apenas à volta do vaso da fatídica azaleia havia
abelhas mortas.

Os biólogos recolheram o pólen da flor, um pedaço da haste e um pouco
da terra do vaso para fazerem a análise e descobriram que havia um
elemento químico incomum na planta que causou a morte das abelhas.

Então eles disseram ao casal amigo que iriam plantar a azaleia no
jardim botânico da universidade para tratar a planta e eliminar o
elemento químico estranho.

___

Seis meses depois a azaleia foi devolvida ao casal, tratada e até mais
viçosa. Nunca mais morreu qualquer abelha que visitou a flor.


- FIM -

Luís Campos (Blind Joker)
Salvador, 7 de fevereiro de 2020.

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