No almoço domingueiro na casa da mãe, viúva há alguns anos, os três
filhos, netos e bisnetos se reuniam sempre.
A velha, mesmo antes de enviuvar, gostava de ter a família à sua volta
nos domingos e ai de quem faltasse.
Após um desses almoços, a filha mais velha disse à mãe e aos irmãos:
- Quando eu morrer quero ser cremada e que as cinzas sejam colocadas
no vaso da azaleia que tenho em casa e que um de vocês cuide da flor
como se cuidasse de mim.
- Eu é que não quero saber disso. - disse a irmã mais moça.
- Nem eu. - falou o irmão mais jovem.
- Não conte comigo, minha filha. Sou muito medrosa.
- Ora, mamãe! Ter medo de uma flor?
- Da flor, não, filha, de suas cinzas!
- Mas mamãe, são apenas cinzas, nada mais.
- Mas serão suas cinzas, minha filha, portanto, me esqueça.
- Por que não as joga no mar, como muita gente faz? - perguntou a irmã.
- Porque não sou todo mundo. Eu sou única. - respondeu a mais velha.
- Querem saber? A conversa não está me agradando. Não gosto de falar em
morte. - disse a mãe tentando encerrar aquela conversa.
- Sim, mamãe, mas todos nós morreremos. - respondeu a filha mais velha.
- Eu sei, mas deixemos essa conversa para quando isto acontecer.
___
E a dona da azaleia morreu. Conforme seu pedido, suas cinzas foram
misturadas à terra do vaso da flor.
___
O corretor levou o casal para ver o apartamento que lhes seria alugado
mobiliado.
- Como lhes disse, são dois quartos, sendo uma suite, sala, cozinha,
área de serviço, quarto de empregada, varanda e banheiro social e de
empregada.
- O apartamento é ótimo, mas está um pouco sujo. - disse o marido.
- Será limpo antes de vocês mudarem. É que está há três meses vazio.
- Ainda bem que não será preciso pintar. - disse a mulher.
- Foi pintado há menos de seis meses e a última moradora, que era a
proprietária, não tinha criança nem animal.
- Mas nós temos um filho de sete anos e um gato de dois. - disse a
mulher.
- Não tem problema. - respondeu o corretor.
- Então quarta-feira pela manhã mudaremos para cá. - disse o marido.
- O apartamento estará prontinho. Eu estarei aqui para recebê-los. -
respondeu o corretor.
___
Numa bancada de mármore, sob o sol da manhã, estava o vaso da azaleia.
Como o casal gostava de planta, cuidava com muito carinho dessa flor.
Numa manhã, a esposa notou algumas abelhas mortas sobre o mármore que
ficava o vaso da azaleia e comentou com o marido:
- Será que Miau matou essas abelhas?
- É bem possível. - respondeu o marido.
Esse fato se repetiu quase que diariamente e como eles e o filho saíam
pela manhã e só retornavam à noitinha, o culpado pelas mortes das
abelhas só poderia ser o gato, já que passava o dia todo em casa.
Como não tinham certeza, resolveram instalar uma câmera para vigiar os
movimentos do gato.
Assim que encontraram mais algumas abelhas mortas, foram assistir o que
a câmera havia gravado e ficaram surpresos com o que viram.
As abelhas pousavam na azaleia, sugavam o pólen e ao levantarem voo,
caíam mortas.
Intrigados, levaram a fita e a planta para o Instituto de Biologia da
Universidade em que trabalhavam.
Os cientistas e biólogos prometeram aos colegas que se empenhariam para
descobrir o motivo das mortes das abelhas.
Colocaram o vaso no mesmo local que havia outra azaleia e que as abelhas
costumavam visitar e observaram.
Na manhã seguinte apenas à volta do vaso da fatídica azaleia havia
abelhas mortas.
Os biólogos recolheram o pólen da flor, um pedaço da haste e um pouco
da terra do vaso para fazerem a análise e descobriram que havia um
elemento químico incomum na planta que causou a morte das abelhas.
Então eles disseram ao casal amigo que iriam plantar a azaleia no
jardim botânico da universidade para tratar a planta e eliminar o
elemento químico estranho.
___
Seis meses depois a azaleia foi devolvida ao casal, tratada e até mais
viçosa. Nunca mais morreu qualquer abelha que visitou a flor.
- FIM -
Luís Campos (Blind Joker)
Salvador, 7 de fevereiro de 2020.
quinta-feira, 23 de abril de 2020
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