quinta-feira, 23 de abril de 2020

Um amor interrompido

Almoço natalino na casa dos Silva, num bairro de classe média.
- Querido, sobrou quase todo o tender. Vou guardá-lo para o jantar e o
almoço de amanhã. Se ainda sobrar, farei uma sopa.
- Oh, querida, você é tão econômica!
- Tenho que economizar pros meus vestidos, meu cabelo, minhas unhas,
minha maquiagem, meus perfumes e minhas bijuterias.
"Eta mulher gastadeira.", pensa o senhor Silva.
- Papai, mamãe, vou ao parque pegar uma fresca.
- Você já é fresco, meu filho, afinal vive de brisa.
- Ora mamãe... me deixe!
E o rapaz sai resmungando em direção ao ponto do ônibus.
- Eles pensam que é moleza fazer faculdade e tirar boas notas!

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Almoço natalino na casa dos Vaiscontt, num bairro nobre.
- Oh, querido, sobrou o peru quase todo. Vou guardá-lo para o jantar e o
almoço de amanhã.
- Oh, querida... dê tudo aos criados, como sempre. Você sabe que não
gosto de comida requentada nem do dia anterior.
- Posso descontar dos salários deles, como sempre faço, querido?
- Claro querida, afinal já gasto demais com seus ricos vestidos, com o
salão de beleza, sua maquiagem, seus perfumes importados, suas joias
e seu carro.
- É verdade, querido. Esta semana tenho que comprar nossas roupas para
o reveillon no Iate Clube.
- Mamãe, papai, vou dar um passeio no parque. - diz a filha no alto
dos seus 19 anos.
- Cuidado, querida. O parque cada dia está mais perigoso.
- Agora está menos, Papai. Tem muitos policiais por lá.
- Lembre-se, filhinha, que amanhã tem faculdade.
- Tá tudo sob controle, mamãe. Chegarei cedo!
A jovem dá um acenozinho pra eles e sai para pegar seu carro.

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Naquela tarde, num dos cantos do parque, está se apresentando um grupo
de dança folclórica. Num outro canto um grupo de balé distrai o pessoal.
Perto das lanchonetes, um grupo de pagode toca, no volume mais alto
possível.
Duas patrulhas da Polícia Militar fazem rondas pelo parque.

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O rapaz salta do ônibus e entra no parque, indo direto pra perto das
lanchonetes. Ele gosta de pagode.
A moça estaciona seu carro, entra no parque e vai direto ver a
apresentação do grupo de balé.

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Meia hora depois ela vai até uma das lanchonetes beber uma água.
O jovem Silva vê a moça e pisca um olho pra ela. Ela percebe e dá um
sorrisinho pra ele.
Encorajado, ele se aproxima da jovem.
- Olá, menina bonita.
Ela já gostou disso. Não que fosse menina ou feia, mas galanteio é
galanteio e conquista corações.
- Tudo bem? - responde ela.
- Tudo! O que a trouxe ao parque? - pergunta ele.
- Vim assistir o grupo de balé.
- Posso lhe fazer companhia?
- Claro! - responde ela.
Ele passa o braço sobre seus ombros e a segue.
E eles vão para o espaço onde o grupo de balé se apresenta.
Enquanto assistem ao show, trocam beijinhos e carinhos.
No início da noite decidem ir embora.

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- Você está de carro? - pergunta ela.
- Não!
- Então venha comigo que o levo em sua casa.
- Não precisa. Só preciso do número do seu celular. - diz ele.
- Eu o darei e também quero o seu. Desejo vê-lo novamente.
- Eu desejo o mesmo! - diz ele.
- Meu carro é este aqui. Entre. - diz ela, abrindo as portas.

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Enquanto ela dirigia, eles conversavam sobre o cotidiano de cada um,
o que fariam no futuro e a possibilidade de um namoro entre eles.
Já estão no bairro que ele mora.
De repente, ela cai com o rosto sobre o volante, o carro fica
descontrolado e bate fortemente contra um poste.
O rapaz morre na hora.
Quando a polícia chegou, constata que ela fora atingida na cabeça por
uma bala perdida.


- FIM -

Luís Campos (Blind Joker)
Salvador, 30 de novembro de 2019.

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