quinta-feira, 23 de abril de 2020

O tesouro do Barba Ruiva

Apesar da boa casa que residia com seus dois filhos e da pensão deixada
pelo marido, Hermínia fazia alguns trabalhos para melhorar a manutenção
da casa, afinal, Tim e seu irmão Jim ainda estudavam, mesmo que, quando
ela precisava, eles a ajudavam. Hermi, como a conheciam naquele povoado
à beira-mar, fazia faxina, unhas e cabelo, lavava roupa, vendia
cosméticos e até algumas frutas colhidas no seu pequeno pomar nos
fundos da casa.
Certo dia foi chamada por um rico negociante para um grande trabalho:
- Senhora Hermi, quero jogar fora todos os livros que tenho nessa
biblioteca. Depois quero que arrume um marcineiro para retirar todas
as prateleiras e um pintor para fazer daqui um quarto de dormir.
A senhora ficará responsável pelo serviço. Eu pagarei muito bem.
Após jogar os livros fora, contrate os homens para executarem a obra.
Amanhã viajo a negócios, mas espero que tudo esteja terminado em três
meses, quando retorno de viagem. Aqui estão as chaves da casa e algum
dinheiro para as despesas iniciais.
- Senhor Brandley, eu posso ficar com os livros? - perguntou Hermi
pegando as chaves e o maço de dinheiro das mãos do homem.
- Faça como quiser, desde que os leve todos!
- Obrigada, Senhor. Quando o Senhor retornar, tudo estará a seu gosto.
- Senhora Hermi, quero tudo pintado de branco e o piso encerado. -
disse o velho estendendo a mão em despedida.
- Assim será, Senhor Brandley! - respondeu ela, retribuindo o gesto.

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Ao chegar em casa mostrou a grana que recebera como adiantamento e
disse aos filhos:
- Rapazes, temos muito trabalho pela frente.
- E que trabalho é esse, mãe? - perguntou Jim.
- Primeiro temos que esvaziar e limpar o quartinho do quintal para
colocarmos lá muitos livros que ganhei do Senhor Brandley.
- É como a Senhora sempre nos falou, que livros não se jogam fora.-
disse Tim, sorrindo.
- Pois é... então vamos ao trabalho!
Quando a noite chegou eles já haviam limpado e lavado o quartinho que
passaria a ser a biblioteca da família.
No dia seguinte, juntamente com os filhos e um vizinho marcineiro, foi
até a mansão. Eles retiraram os livros das prateleiras e os colocaram
no centro do grande quarto. Logo Julian, com cuidado, começou a retirar
as prateleiras, pois seriam colocadas na futura biblioteca dos Valis,
conforme acertado com o vizinho.
Enquanto o marcineiro fazia seu trabalho, Hermi mandou o filho chamar o
carroceiro para levar os livros para sua casa. Ela teve que pagar ao
homem por duas viagens, pois eram muitos livros.
Como trabalhava rápido, no dia seguinte Julian já colocara as
prateleiras no quartinho e os rapazes começaram a colocar os livros
por ordem de assunto. Isso ainda durou uns três dias, mas ficou como
obrigação dos meninos, enquanto Dona Hermi orientava o pintor lá na
mansão.
Em menos de quinze dias o quarto estava como pedira o Senhor Brandley,
Dona Hermi aproveitou para fazer uma faxina completa na enorme casa,
visto que o proprietário só contava com a diarista uma vez por semana.

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Três meses depois o Senhor Brandley entrava em sua casa. Ele gostou
tanto do serviço que Dona Hermi fez que lhe pagou o combinado e ainda
lhe deu um dinheirinho extra e combinou com ela a faxina semanal da
propriedade e acabou lhe confessando o porque daquela mudança:
- Senhora Hermi, estou muito feliz porque finalmente minha filha, meu
genro e meu netinho virão morar comigo. Já não viverei aqui sozinho.
- Fico muito feliz pelo Senhor. Se precisar de mais alguma coisa, é só
mandar chamar.
- Peço-lhe apenas um favorzinho. Por favor, passe na marcenaria do
Julian e diga-lhe para vir aqui, Tenho que encomendar os móveis do
quarto o quanto antes.
- Assim farei, Senhor Brandley. Até mais!
- Até mais, Senhora Hermi e muitíssimo grato.

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Uma noite, dois meses depois, estavam os três na biblioteca folheando
os livros. Tim pegou um destes na prateleira das obras de aventuras
e leu:
- Piratas famosos, seus tesouros e suas histórias... parece bom!
- Interessante! Quem é o autor? - perguntou Jim.
- Foi escrito em 1751 por Suli Pamcos. - respondeu Tim.
Quando o rapaz folheava a obra, seu irmão Jim, curioso, aproximou-se
e sem querer deu um tombo no Tim derrubando o livro.
Ao cair no chão, um papel amarelado, dobrado em quatro e com aspecto de
muito antigo, caiu sobre o pé do rapaz.
- Que será isto, Jim? - disse Tim pegando o papel e o abrindo.
- Mano, é um mapa! - exclamou Jim.
Dona Hermi, ao ouvir a palavra mapa ficou curiosa também.
- Mapa? Mapa do quê?
Tim estava com o mapa aberto sobre as coxas e tentava decifrar o que
dizia, já que o papel estava quase apagado, indicando que era realmente
muito antigo.
- Aqui diz que é o mapa do tesouro do pirata Barba Ruiva, que foi o
terror dos sete mares por volta de 1717.
- Será verdadeiro, Tim? - perguntou Dona Hermi, interessada.
- Mãe, parece que sim... inclusive há algumas datas entre 1714 e 1726,
considerada a era de ouro da pirataria.
- Mas Tim, você acha que poderíamos encontrar esse tesouro?
- Bem, mãe... se não tentarmos, nunca saberemos.
- Esse mapa despertou meu lado aventureiros, rapazes.
- Sim, mãe... podemos sair atrás desse tesouro até mesmo como um
passatempo. Se encontrarmos o tesouro, ótimo; se não encontrarmos, valeu
a aventura.
- Então está combinado. Vamos deixar a casa arrumada e limpa e vamos
viver esta aventura.
Dois dias depois os três estavam na Praia das Gaivotas procurando um
pescador que topasse a aventura e alugasse o barco para eles.
Indagando aqui e ali, alguém disse que procurassem Drake, na última
casinha da praia e eles foram lá.
Sentado no chão da sala, Drake costurava uma rede de pesca. Ao ouvir as
batidas na porta, gritou:
- Entre!
Dona Hermi e seus filhos entraram. Ao vê-los, Drake mandou que sentassem
nuns bancos que havia perto da mesa. Eles sentaram e Drake falou:
- Em que posso servi-los, gente?
- Bem, Senhor Drake. Precisamos alugar um barco e nos indicaram o seu.
- E para que a senhora quer um barco? Deseja fazer uma pescaria?
- De certa forma, sim. - disse Jim.
- Como assim, meu rapaz?
- Decidimos viver uma aventura e precisamos de um barco e alguém que
saiba manejá-lo.
- A depender, essa aventura pode sair cara para vocês!
- Acreditamos que, ao final da viagem, possamos recompensá-lo muito bem.
- Quer dizer que vocês não têm dinheiro agora?
- Claro que temos e cremos que dê para lhe pagar a empreitada, mas o
que acontecerá ao final, a Deus pertence. - disse Dona Hermi.
- Vocês me pegaram num dia bom. Também curto uma aventurazinha. E isso
aqui tá ficando muito chato. - disse Drake largando a rede de lado.
- Quer dizer que o Senhor irá conosco? - perguntou Tim.
- O que estamos esperando para partir? - disse Drake sorrindo.
- Muito bem. Então cuidaremos dos mantimentos e o Senhor vai cuidar do
barco. Vê se coloca uma lona para nos proteger do sol e da chuva.
- Não se preocupe, Senhora. O barco estará pronto amanhã pela manhã.
Partiremos às nove horas sem destino por esse marzão de meu Deus.
Dona Hermi e os rapazes retornaram ao centro do povoado para comprarem
tudo que poderiam precisar, como ferramentas e mantimentos para mais de
um mês.
No dia seguinte pela manhã, no horário combinado, eles partiram. Tim
disse a Drake que navegasse para Leste e ele seguiu esse rumo. O barco
tinha cerca de 12 metros e um único mastro bem alto com uma vela
retangular. Ele colocara um toldo na popa da embarcação que os
protegeria do sol e da chuva. Com o leme amarrado, Drake ficava livre
para outras atividades de manutenção, se preciso fosse. No momento ele
verificava o cordame da vela.
Dona Hermi e seus filhos estavam sentados sob o toldo, protegendo-se do
sol que estava tinindo e conversavam banalidades para passarem o tempo.
Perto do leme havia um rádio de pilhas tocando música clássica.
Após navegarem umas três horas, comeram algum coisa e deitaram-se para
descansar. O barco avançava na direção indicada por Tim e Drake agora,
sentado na proa, vigiava o horizonte. Ele já prepara as lanternas que
iluminariam a embarcação pela noite, para evitar colisão com outros
barcos ou navios.
Pela noite, Dona Hermi cochichou ao ouvido de Tim, seu filho mais
velho:
- Tim, você acha que devemos contar ao Drake nossa intenção?
- Bem, mãe, uma hora ele terá que saber, senão como poderei indicar-lhe
o caminho que pretendo fazer?
Jim que ouvira a conversa, concordou em se contar ao pescador em que
tipo de aventura ele estava se metendo. Então na manhã seguinte eles
chamaram Drake e lhes contaram a história e até mostraram o mapa ao
homem. Drake ficou entusiasmado com a aventura que viveria e deu muita
risada, dizendo:
- Vocês são loucos, mas embarcarei nessa loucura também!
Drake, Tim e Jim passaram a estudar o mapa. Como havia uma rosa dos
ventos desenhada no mapa, seria muito mais fácil a localização do
destino deles. Drake foi pegar sua bússola para estudar a posição do
barco para acertar o leme.
Nas conversas diárias eles ficaram sabendo que Drake fora Capitão da
Marinha Real e pedira sua reforma após sofrer um naufrágio no qual
morrera quase toda sua tripulação. Como amava o mar, decidiu ser
pescador. Comprou aquela casinha e morava ali há sete anos. Vivia, na
verdade, do seu soldo, mas pescava para distrair-se e passar os dias.
Aparentava ter trinta e poucos anos, mas tinha 46, ainda com todos os
músculos rígidos de quando estava na Marinha. Era alto e forte.
Após navegarem seis dias e seis noites, Jim que espiava o mar, avistou
no horizonte uma pequena montanha, que foi crescendo com o passar das
horas. Assim que ele alertou os demais, todos vieram para a proa do
barco. Por volta das três horas da tarde eles já divisavam toda a
montanha e o contorno da ilha de que fazia parte. Quando o sol morria
no horizonte, eles aportaram numa pequena enseada. Como logo a noite
chegaria, resolveram pernoitar no barco e só na manhã seguinte descerem
à terra. Com os primeiros raios do sol eles acordaram, de tão ansiosos
que estavam. Drake e os rapazes consultaram o mapa e tinha certeza de
que ali estaria o tesouro que buscavam.
Após levarem o barco até encalhá-lo na areia, desceram com algumas
ferramentas decididos a explorar o local. Drake jogou a âncora na areia
para que o barco não fosse levado pela maré quando esta enchesse.
Mochila nas costas eles partiram em direção ao cume da montanha que
era alta e muito grande. Descobriram uma trilha que ladeava a encosta,
embora obstruída pela vegetação. Cipós, galhos de pequenas árvores,
arbustos e plantas rasteira praticamente fechavam a trilha, mas com
seus facões, devagar, eles foram abrindo caminho e conseguiram chegar
ao topo, descobrindo que, na verdade, era um vulcão extinto.
Começaram a descer e numa plataforma da encosta decidiram acampar, pois
a noite se aproximava. Os rapazes desceram mais um pouco e pegaram
alguns galhos para acenderem uma fogueira para aquecê-los e protegê-los
de animais, embora eles não tenham visto nenhum até aquele momento.
Por precaução, Drake trouxera uma das lanternas que usava no barco
durante a noite e que poderia ser útil. Quando escureceu, eles acenderam
a fogueira e a lanterna e dormiram muito bem, apesar de estarem
deitados no chão. Pela manhã continuaram a descida e chegaram numa
pequena vereda coberta de arbustos cheios de espinhos. Segundo o mapa,
eles deveriam atravessar esses arbustos para encontrarem uma caverna.
Então meteram seus facões nas plantas espinhosas e em algumas horas
encontraram a tal caverna. Drake acendeu a lanterna e eles, sempre de
sobreaviso, adentraram a caverna. Desceram muitos metros por um caminho
pedregoso e estreito até que, quando menos esperavam, eles estavam num
grande salão cujo mar entrava por uma enorme caverna, mas que daria
apenas para que um barco como o seu entrasse pelo mar.
Nesse salão eles descobriram quatro pequenas cavernas e decidiram
explorá-las, afinal, o "X" marcado no mapa indicava aquele local.
Assim que entraram na terceira caverna, descobriram duas enormes arcas,
cercadas por alguns esqueletos. Abriram os baús e ficaram extasiados
com a fortuna que guardavam: moedas de ouro e prata, muitas joias,
coroas, espadas, adagas e muitos vasilhames de prata, como talheres,
pratos, bandejas e taças. Visitaram a quarta caverna e também não
encontraram nada. Então combinaram que Dona Hermi e Jim ficariam ali
colocando as peças espalhadas pelo chão nos sacos de linhagem que eles
trouxeram, enquanto Drake e Tim iriam buscar o barco, contornar a ilha
e entrariam na caverna para recolherem o tesouro.
Uma hora depois o barco estava dentro da caverna e eles já haviam
embarcado o tesouro. Então saíram da caverna e empreenderam a viagem de
volta, que lhes pareceu mais rápida do que a ida. Quando eles se
encontravam a um dia de distância da ilha, o vulcão entrou em erupção
despejando lava em todas as direções, fazendo desaparecer até mesmo a
caverna que se abria para o mar.
Cinco dias e cinco noites depois eles chegavam á Praia das Gaivotas.
Deixaram para desembarcar o tesouro aos poucos e sempre à noite, para
não despertarem a curiosidade e a cobiça dos pescadores.

___

Eles venderam suas casas e compraram outra maior na capital.
Os rapazes haviam concluído o ensino médio e ingressaram na faculdade.
Seis meses depois Hermir e Drake se casaram e a família foi feliz para
sempre. Este conto é uma prova que devemos acreditar em mapas de
tesouro... desde que não sejam fotocópias!

- FIM -

Luís Campos (Blind Joker)
Salvador, 29 de janeiro de 2020.

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