quinta-feira, 23 de abril de 2020

A invasão viking

Naquele reino quem mandava era a
rainha, já que o rei, seu marido, estava doente e acamado há mais de
três anos. Nesse tempo ela mantinha o cavaleiro Lukank como amante.

Uma manhã estavam ambos na janela do quarto da rainha quando avistaram,
no horizonte, algumas velas quadradas.

- Teremos visitas, minha rainha. - disse o cavaleiro.

- Quem será, Lukank?

- Pelo formato das velas, é provável que sejam vikings.

- Então precisamos urgentemente nos armar para a guerra, Lukank.

- Como líder dos cavaleiros, minha rainha, descerei para preparar nossa
defesa.

- Faça isto, Lukank, depois venha me dar notícias.

Beijando a mão da rainha, o cavaleiro saiu para convocar os defensores
do castelo.
Duas hora depois retornou ao quarto da rainha.

- Eles estão mais perto, Lukank.

- Não se preocupe, minha rainha, tenho tudo preparado para nossa defesa.

- Quanto tempo eles devem levar para chegarem ao nosso porto, Lukank?

- Creio que umas cinco a seis horas, minha rainha.

- Que bom, Lukank... assim dá tempo para namorarmos mais um pouco.

___

Como previra Lukank, cinco horas depois, da janela do quarto da rainha,
eles viram sete barcos vikings atracados no cais.

Três horas depois os vikings ainda não haviam atacado o castelo e a
rainha, inquieta, disse ao amante que eles iriam até o porto para saber
o que estava acontecendo.

Lukank pensou em dizer à rainha que isto não era uma boa decisão, mas
ficou com receio que ela pensasse que ele estava com medo, embora fosse
esta a verdade.

Preparada a carruagem real, tendo Lukank como cocheiro, eles desceram a
colina em direção ao cais. Dez minutos após a saída estavam na rua
principal do porto.

No pequeno ancoradouro estavam atracadas sete dracars com seus monstros
esculpidos na proa e amarradas lado a lado. Nelas alguns guerreiros
vikings com seus capacetes de cornos cuidavam dos seus afazeres, mas
não havia qualquer movimento em terra.
Ao passarem em frente à maior das tabernas do local, ouviram um enorme
burburinho e a rainha resolveu entrar para ver o que ocorria.

Assim que entraram, viram cerca de 200 guerreiros vikings, com seus
cabelos compridos sob o capacete de cornos, enormes barbas e a maioria
com olhos verdes. Eram homens altos, feios e rudes e, em meio à
algazarra, bebiam hidromel em suas taças feitas de cornos. Também
cheiravam mal por falta de banho.

Só repararam na rainha e seu amante quando ela, com toda força que
tinha, bateu seu cetro no chão por três vezes.

Todos se viraram para ver de onde viera aquele barulho.
O taberneiro gritou:

- Ih, é nossa rainha Dalin!

Aproveitando o silêncio, a rainha perguntou:

- Quem é o rei dessa horda... dessa malta... de vocês?

Um viking, tão alto quanto os demais, um pouco mais magro, de cabelos
ruivos, olhos azuis e sem barba, respondeu:

- Sou eu, senhora.

- E qual é seu nome, senhor? - perguntou ela.

- Sou Garah, o Vermelho, rei de Norsueland.

- Eu sou Dalin, rainha destas terras que os senhores invadiram.

- Como assim, "invadimos", senhora rainha?

- Como não? E o que seus barcos fazem em meu porto?

- Apenas paramos para descansarmos um pouco, pois há dois meses que
navegamos sem destino certo, afim de novas conquistas.

- E o que vocês pretendem em meu reino?

- Daqui? Nada para se ver nem nada para se levar de um reino tão
pequeno.

- Fique o senhor sabendo que temos cavaleiros aguerridos e valentes.

- Menos, minha rainha. - disse Lukank ao ouvido da rainha.

- E fique a senhora sabendo que queremos apenas descansar, beber
hidromel e zarpar.

- Isso é um desaforo. Exijo que o senhor nos ataque.

- Dona rainha, volte para o seu castelo e sua vidinha pacata e sem
graça.

- Nada disso, senhor Garah. Já que os senhores não querem atacar meu
castelo, vou buscar meus cavaleiros e os atacaremos.

- A senhora é chatinha, dona rainha... apesar de bonitinha. - disse
Garah, voltando as costas para a rainha.


- Não se dá as costas a uma rainha quando esta está falando, senhor
Garah. - disse a rainha.

Garah continuou de costas e bebendo seu hidromel.

- Minha rainha, se os caras não querem lutar, pra que insistir? - disse
Lukank.

- Não é assim que se resolvem as coisas, Lukank. Temos que ter brio,
amor próprio, meu amor.

- Mas minha rainha, vamos embora e deixemos os caras beberem sua
cervejota.

Batendo o cetro no chão, a rainha exclamou:

- Eu vou, mas voltarei para expulsá-los de minhas terras.

Os quase 200 guerreiros vikings deram uma sonora gargalhada e deram
também as costas à rainha que saiu furiosa da taberna, entrando em sua
carruagem e ordenando a Lukank que voltasse ao castelo.

___

Naquela noite, na hora da ceia, a rainha convocou seus cavaleiros para
explicar a situação .
Os cavaleiros a ouviram e ponderaram que, se os invasores não queriam
invadir o reino, pra que levar aquilo na ponta da espada?

- Mas os senhores cavaleiros não percebem que fomos humilhados?

- Na verdade, minha rainha, se enfrentarmos os vikings pereceremos todos.

- Antes a morte do que a humilhação, Lukank.

- Mas a nossa vida é tão gostosa, não é, minha rainha?

- É, Lukank, mas ser derrotado sem lutar é degradante.

E nessa conversa foram até que alguns cavaleiros começaram a bocejar.
Então Lukank, ao pé do ouvido da rainha, a chamou para dormir.

___

Na manhã do dia seguinte, Lukank abriu a janela do quarto da rainha e
olhando para o horizonte, ele disse:

- Minha rainha, os barcos vikings se foram.

De um salto ela levantou da cama, chegou até a janela e ao ver as
velas quadradas quase no horizonte, exclamou:

- Covardes! Preferiram a fuga ao combate!

Lukank, respirando aliviado, respondeu:

- Eles sabiam que não poderiam conosco, minha rainha.


- FIM -
Luís Campos (Blind Joker)
Salvador, 6 de dezembro de 2019.

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