Ele a conhecera numa feira quando ela comprava algumas frutas.
Ao perceber que a moça não sabia escolher as laranjas e pegava aquelas
ainda verdosas, com o intuito de ajudar, ele lhe disse:
- Desculpe-me, mas essas laranjas que você pegou não estão boas.
Ela sorriu e respondeu:
- Eu nunca sei como escolher as docinhas. Quase sempre, a maioria das
laranjas que levo estão um pouco azedas.
- Mas é muito simples. Ao pegar as laranjas, prefira as que têm a
casca fina e que, ao menos, exalem seu cheiro. Com certeza essas
estarão doces, como esta aqui. - disse Ronaldo pegando uma fruta e
entregando à moça, após levá-la ao próprio nariz.
- É verdade. Esta está levemente cheirosa!
- Pois é, menina! Comprar também é uma arte. - disse ele, sorrindo.
- Você tem razão. - respondeu ela com um belo sorriso nos lábios.
- Se você aceitar, posso ajudá-la a fazer suas compras.
- Não posso e nem devo abusar da sua boa vontade, amigo.
- Não será abuso algum! Disponho de todo o tempo. Estou folgando.
- Se é assim, eu aceito. Quem sabe desta vez aprendo como comprar
frutas, legumes e hortaliças com qualidade, né? - disse ela sorrindo.
- Tenho certeza que, após essa reciclagem, você nunca mais terá que
chupar laranjas azedas. Hahahahahahahahaha!
- Tenho certeza que sim. Hahahahahahahaha!
- Então vamos às compras, ... - determinou ele, esperando que ela
completasse sua frase dizendo o próprio nome.
- Andréia, Patrãozinho. - brincou ela.
- Eu sou Ronaldo, Madame. - replicou ele, também brincando.
___
Juntos percorreram as barracas da feira. Em cada uma que paravam,
Ronaldo explicava a Andréia como escolher o que havia de melhor, sem a
necessidade de "apertar ou enfiar a unha". Uma hora mais tarde haviam
comprado o que ambos precisavam. As sacolas estavam cheias e Ronaldo,
apesar da resistência da moça, insistiu em carregar suas sacolas mais
pesadas.
___
Ronaldo ficou sabendo que ela era dançarina e atriz teatral. Andréa
soube que ele jogava futebol num dos times mais famosos da cidade.
Ronaldo ficou sabendo que ela era solteira e morava num bairro próximo
ao que ele residia. Andréia soube que ele estava sem seu carro e iria
de táxi para casa.
- Se você não se importar, eu posso deixá-lo em casa!
- Não é preciso, Andréa... eu pego um táxi!
- Nada disso! Eu o levarei em casa e pronto! - disse ela determinada.
- Manda quem pode, obedece quem tem juízo! - disse Ronaldo sorrindo.
- Já que eu sou a lei aqui, sigam-me os bons! Hahahahahahaha!
- OK, "Xerife"! Hahahahahahaha!
___
Entraram no carro da moça e seguiram em direção ao bairro que moravam.
Durante o trajeto conversavam banalidades, nada que os comprometesse,
até que Ronaldo propôs:
- Já é quase meio-dia... que tal bebermos algo antes de irmos pra
casa?
- Acho uma boa ideia! Topo!
- Que tal o "Berimbau Natural"?
- Gosto desse restaurante! Vamos lá!
Logo estavam no restaurante. Escolheram uma mesa discreta e pediram as
bebidas: caipirosca pra ela e uísque pra ele.
Enquanto bebiam falaram dos seus gostos e dos seus cotidianos, entre
outros assuntos amenos. Só não falaram das suas solidões.
E beberam mais um pouco até que chegou a comida.
Comeram o que seus apetites determinaram e, saciados, tomaram um
cafezinho.
Ela quis dividir a conta, ele não aceitou. Ela deixou que ele pagasse.
___
Já no carro, a caminho de suas casas, enquanto Andréia dirigia, o
álcool desinibiu Ronaldo. Num gesto delicado ele acariciou os cabelos
da moça e, um pouco mais ousado, enfiou a mão entre as virilhas dela.
Ela tomou um susto, franziu a testa e o suor pingou em seu colo.
Ele suou frio e franziu a testa ao assustar-se por sentir uma pequena
protuberância na parte interna das coxas dela.
"Será que Andréia é um travesti? Será hermafrodita?" - pensou Ronaldo
preocupado e desiludido.
"Ele está com uma cara estranha! O que estará pensando?" - refletia
Andréia em seus pensamentos.
Após o gesto atrevido, Ronaldo aquietou-se e ficou sem saber o que
dizer. Andréia também se calara.
Assim, sem dizerem palavra, chegaram ao prédio que Ronaldo morava. Ele
desceu, agradeceu a carona, pegou suas compras e entrou no edifício.
Ela seguiu seu caminho, tentando segurar as lágrimas que teimavam em
cair dos seus belos olhos castanhos.
E o sol continuou brilhando naquela tarde de sábado!
___
Na quarta-feira à noite Ronaldo foi internado num hospital perto do
estádio. Sofrera uma pancada na cabeça ao chocar-se com um jogador
adversário e, como desmaiara, por precaução fora internado para fazer
alguns exames.
Liberado na manhã do dia seguinte, ao sair, no saguão do hospital
encontrou Andréia.
- Olá, Ronaldo... tudo bem?
- Oi, Andréia! Como está?
- Soube do ocorrido. Está tudo bem contigo?
- Graças a Deus! Ainda vou jogar por um bom tempo!
- Folgo em saber! - disse Andréia.
- E você? O que faz por aqui? Veio me visitar?
- Não! A cada três dias passo cerca de quatro horas nesse hospital!
- Você trabalha aqui? - perguntou ele.
- Não... faço hemodiálise! - respondeu Andréia.
- FIM -
Luís Campos (Blind Joker)
Salvador, 1 de outubro de 2009.
quinta-feira, 23 de abril de 2020
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