quinta-feira, 23 de abril de 2020

Os baús desaparecidos

Conduzindo sua carroça carregada de
baús de diversos tamanhos, um marcineiro mercava pelas ruas do comércio
local. Era sua primeira aparição por aquelas paragens:
- Baú, baú, baú,
pra guardar o que quiser
Pra menino pra menina,
pro homem e pra mulher.
Vosmicê quer qualidade,
compre baú do Seu Zé!
E assim, cantando esse pregão, aqui e ali, ia vendendo seus baús.
Ao passar na frente duma loja, foi parado pelo comerciante que lhe
encomendou dez baús de tamanho médio. O marcineiro deveria entregar a
encomenda na casa do próspero lojista dentro de trinta dias.
Assim combinados, o marcineiro continuou a mercar seus baús:
- Baú, baú, baú,
pra guardar o que quiser.
Pra menino pra menina,
pro homem e pra mulher.
Vosmicê quer qualidade,
compre baú do Seu Zé!
Quando o marcineiro parou na estalagem para almoçar, já havia vendido
todos os seus baús.
Acabado o almoço e anotado a encomenda do taberneiro, ele empreendeu
viagem de volta. Ele morava num povoado distante dali cerca de duas
léguas.

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Na data marcada o marcineiro parou diante da casa do lojista e lhe
entregou os dez baús encomendados. Recebeu o pagamento combinado, subiu
em sua carroça e foi percorrer as ruas do povoado para vender os outros
baús que trouxera, cantando seu pregão:.
- Baú, baú, baú,
pra guardar o que quiser.
Pra menino pra menina,
pro homem e pra mulher.
Vosmicê quer qualidade,
compre baú do Seu Zé!

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Alguns anos depois aquele próspero comerciante morreu de velhice.
A senhora diarista que cuidava da casa do velho comunicou o falecimento
do patrãozinho a seu único herdeiro.
Logo o sobrinho do lojista chegou ao povoado e providenciou o enterro
do tio. Ficou ali hospedado por dois dias e vendeu a loja do tio com
toda a mercadoria a um lojista vizinho deste.
Doou todas as roupas do velho a um abrigo e vendeu todo o mobiliário.
No quarto do tio encontrou um baú com algumas moedas de ouro, prata e
cobre, então indenizou a empregada e colocou a casa à venda, pois não
desejava morar naquele povoado.

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O mesmo comerciante que comprara a loja do velho amigo, comprou também
sua casa. Após reformá-la, mandou pintar e assim que estava limpa,
passou a morar ali com sua família.
Como sabia que o lojista havia comprado dez baús ao marceneiro, ficou
intrigado porque o sobrinho do velho amigo só encontrara apenas um.
Um dia sonhou com o falecido e no sonho o velho lhe disse onde estavam
os nove baús e que estavam cheios de moedas.
Ao acordar, mandou a esposa e seus dois filhos passarem alguns dias na
casa da sua sogra. Foi ao comércio e comprou uma picareta e uma pá.
Já em casa, retirou do seu quarto a cama de casal e iniciou a cavar bem
no meio do quarto.
Após cavar cerca de meio metro, a picareta bateu em algo. Pegou a pá e
foi cavando até descobrir um baú. Retirou o baú do buraco e o abriu.
Estava realmente cheio de moedas e tinha também algumas lindas joias.
Como ainda faltavam oito baús, retornou ao buraco e reiniciou o
serviço. Cavou por mais uma meia hora e encontrou o oitavo baú.
Após retirar o sexto baú, o buraco já estava bem fundo.
Como ainda faltava retirar o último baú, continuar a cavar.
De repente, as paredes do buraco desmoronaram e ele morreu soterrado.

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Quando sua esposa chegou em casa com os filhos, encontrou aquele
enorme buraco no centro do quarto e aqueles baús. Ao abrirem os baús e
encontrarem toda aquele tesouro, gritaram de alegria.
Então ela e os filhos trataram de jogar toda a terra dentro do buraco,
limparam o quarto, recolocaram a cama no local devido e se perguntaram
onde estaria o marido.
Como era hora do comércio está aberto, os rapazes foram até a loja do
pai, mas a encontraram fechada.
Em casa encontraram a chave da lojinha e um dos filhos foi abri-la,
enquanto o outro cuidava de limpar a terra dos baús e a mãe cuidava do
almoço.
Pela tarde procuraram o pai por todo o povoado, indagando aqui e ali,
mas sem obterem qualquer indício do paradeiro deste.
- Certamente viajou de emergência e não teve como nos avisar. - disse
a mãe.
Os dias se passavam e eles sem notícias, mas iam vivendo com a
esperança de que ele retornasse.

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Dois meses transcorridos ainda sem conhecerem o paradeiro do homem, mas
eles diziam a quem perguntava que o comerciante havia viajado ao
exterior.
Como a vida naquele povoado, para quem tinha dinheiro, era enfadonha,
mãe e filhos decidiram vender a loja, a casa e as tralhas e mudarem-se
para a capital.
E assim fizeram.

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Viviam nababescamente na capital por quase sete anos.
Um dia um oficial de justiça bateu à porta e lhes entregou um mandado
de prisão e, juntamente com a escolta policial, os levou presos.

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Durante o julgamento ficaram sabendo que o homem que comprara sua casa
decidira fazer uma reforma e mandou cavar a terra com o intuito de
fazer um porão para servir de adega e foi encontrada a ossada do
comerciante.
No julgamento, por mais que alegassem inocência, foram condenados e
morreram na forca.
A casa da capital e os demais bens da família foram confiscados pela
justiça. Os oito baús nunca foram encontrados.


- FIM -

Luís Campos (Blind Joker)
Salvador, 25 de novembro de 2019.

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