sábado, 3 de outubro de 2009

O Incêndio na Oficina (Conto)

Luís Campos (Blind Joker)


- Senta aí, Seu Zé!

- Brigado, dotô!

- E aí, Seu Zé... o que o Senhor viu?

- Eu num vi nada, num ouvi nada e num sei di nada, Seu Dotô!

- Mas o Senhor viu o incêndio?

- Craro, Seu Dotô... eu e mais o povo du Areal vimu tudinho!

- E o Senhor sabe como o fogo começou?

- Sei não, Seu Dotô!

- Mas o Senhor não é o vigia da oficina, Seu Zé?

- Sou não, Seu Dotô!

- Como não, Seu Zé? Os policiais disseram que o Senhor era o vigia da oficina!

- Pois é, Seu Dotô... agora num sô mais... num tem mais oficina pro
mode di vigiá!

- Sei, Seu Zé! Quando o fogo começou, onde o Senhor estava?

- Bem longe du fogo, Dotô!

- Não é isso, Seu Zé... eu quero saber onde o Senhor estava, um pouco antes do fogo começar!

- Ah! Sentado nu tamburête qui sento quando tô trabaiano!

- Fora ou dentro da oficina, Seu Zé?

- Dentro, uai! Seu Dotô já viu vigia vigiá di fora du trabaio?

- E o que o Senhor estava fazendo naquela hora?

- Vigiando, craro!

- Só isso, Seu Zé?

- Bem... eu tava iscuitando o jogo du Bahia... e drumi um poquinho!

- Desde quando vigia pode dormir em serviço, Seu Zé?

- Pudê, num podi, mas nois drome!

- Está bem, Seu Zé. O Senhor sabe se o fogo foi causado por uma
faísca elétrica?

- Acho qui não, Seu Dotô! As luz tava tudinho disligada!

- Teria sido causado por uma ponta de cigarro?

- Acho qui não, Seu Dotô! Ninhum dus homi tava fumano!

- Quais homens, Seu Zé?

- Os qui entrô na oficina, uai!

- E como eles entraram na oficina, Seu Zé?

- Quatro andano e um dirigino a kombi!

- O portão não estava fechado, Seu Zé?

- Tava sim... mas eu abri!

- E o Senhor conhecia esses homens, Seu Zé?

- Nem os dois gordinho, nem os dois magricela... só Seu Paleta!

- E quem é esse Paleta, Seu Zé?

- Meu pratão... dono du meu trabaio!

- Seu patrão estava com os homens, Seu Zé?

- Craro... sinão eu nunca qui chegava perto du portão, né?

- E por que o Senhor abriu o portão, Seu Zé?

- Pruque Seu Paleta num pudia abrí!

- Mas ele não tem a chave do portão, Seu Zé?

- Inté qui tem... mas cum as mão pá trás num ia mermo pudê abri, né?

- Então seu patrão estava com as mãos amarradas atrás das costas?

- Eu disse isso ingorinha mermo!

- Mas, então por que você abriu o portão, Seu Zé?

- Pru modi di num morrê, né?

- O Senhor foi ameaçado pelos homens, Seu Zé?

- Craro qui fui... tava tudo di trabuco na mão e o sarará mandô qui eu abrisse, sinão eu morria!

- Então o Senhor abriu o portão?

- Craro, Seu Dotô... num tá veno eu aqui vivinho?

- Eu sei, Seu Zé. E depois que os homens entraram, o que eles fizeram?

- Eu num vi nada dispois qui eles butaram a kombi pá dentro e ficaro tirano umas latas di prástico di dentro da kombi e derramano nus canto da oficina!

- E por que não?

- Pruque o moreno com a cicatriz na testa mandô qui eu mi picasse!

- Então o Senhor saiu correndo?

- Nem o Sinhô ficava, Seu Dotô, num lugá cum chero di gazulina danado daquele!

- E o Senhor saiu na mesma hora?

- Logo dispois qui aquele zarôio chegô junto di eu e disse qui eu num vi nada, num ouvi nada e qui fosse pá casa!

- Então o Senhor foi para sua casa?

- Fui, mas vortei logo, Seu Dotô!

- E por que não ficou em casa, Seu Zé?

- E nois ia perdê um ispretáculo daquele, Seu Dotô?

- Nós quem, Seu Zé?

- Eu e a Zefa!

- Mas Seu Zé... o Senhor pode ter perdido seu emprego!

- Craro qui perdi... num tenho mais pratão!

- Seu Paleta dispensou o Senhor, Seu Zé?

- Não, Seu Dotô... ele morreu no fogaréu! Só num gostei du fedô di churrasquinho queimado! Inda bem qui num gosto di carne!

- Mas Seu Zé... o Senhor vê seu patrão morrer queimado e, mesmo assim, ainda fica por lá olhando o incêndio?

- Mas tava um fogão bunitoso cuns trens pipocano qui nem guerra di ispada, cumo qui vi in Cruiz das Armas! Muinto do lindoso! Inté Zefa gostô da belezura do fogo!

-Ok, Seu Zé! Libera o homem, Escrivão!

- A prosa inté qui tava boa, Seu Dotô! Té mais vê!


FIM

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