terça-feira, 13 de outubro de 2009

Minhas Férias em Nazaré - Parte II (Crônica)

Luís Campos (Blind Joker)

Hoje falarei da viagem a Nazaré que, além de lúdica, era deslumbrante para os meus cinco anos.

Sempre fazia esta viagem com meu pai. De marinete (jardineira, em alguns lugares), apelido aqui na Bahia e talvez no Brasil, entre as décadas de 50 e a de 60, daqueles ônibus com a frente de caminhão e íamos até a Baiana (como era chamada a estação marítima da Companhia Baiana de Navegação). Ali, embarcávamos num navio a vapor (lembro dos pequenos "João das Botas e do Mascote, depois substituídos pelos navios Itaparica e Maragojipe, maiores e mais modernos), hoje sucateados. Nem sei se ainda resta alguma coisa deles.

Diariamente um destes fazia o trajeto entre Salvador e o porto de São Roque, indo pela manhã bem cedo e retornando com o povo que o trem trazia desde Jequié. São Roque era o porto final para quem, indo de Salvador, tinha como destino as cidades cortadas pelos trilhos da "Estrada de Ferro de Nazaré", cujo ponto final era Jequié. Esta ferrovia teve seu primeiro trecho inaugurado em 1871 e estendida de Nazaré a São
Roque em 1875, sendo o principal meio de transporte da produção daqueles municípios, bem como de sua gente.

Durante a travessia o navio parava no meio do mar, em um lugar do qual não recordo o nome, para que algumas pessoas saltassem e outras embarcassem. Deste povoado à beira-mar, vinha uma canoa, encostava no navio e estas operações eram realizadas. Quando esta estava a uma distância segura, o navio continuava sua viagem.
Muitos passageiros postavam-se na balaustrada do convés para verem essa curiosa operação. Creio que este povoado era na Ilha de Itaparica, bem como um local que era chamado de "Loca da Sereia", do qual se dizia haver sereias que encantavam os marinheiros e os levava para o fundo do mar. Eu ficava apavorado cada vez que o navio passava por ali.

Acho que a viagem durava umas duas horas. Quando o navio atracava em São Roque, antes mesmo de serem colocadas as pranchas de desembarque, alguns homens, afoitos, pulavam do navio para o cais, desafiando o perigo (vez por outra algum caía no mar morrendo afogado ou esmagado pela embarcação), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria aos nossos destinos e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas".

Neste porto havia diversos montes de manganês que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem, em navios ou barcos. De caminhão é que não era, pois ainda não havia qualquer rodovia naqueles lados.

São Roque era o paraíso dos glutões. Era a maior festa, não só para os olhos como para o estômago, a "Feira de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea. Do trem podia admirar-se o colorido das roupas, das comidas e o festival gastronômico de São Roque, capaz de dar inveja aos atuais. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontravam-se ali: amendoim cozido e assado;siris e caranguejos; feijoada; macarronada; churrasco (de gato); peixe frito, assado ou de muqueca; mocotó; assado de boi; farofa; arroz branco; acarajé, abará e acaçá; verduras; legumes;saladas; sucos diversos; frutas da época; "gasosas e sodas"; cachaça e as infusões chamadas "fôia-pôde".
Bolachas; biscoitos de goma; sucrilhos; queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo de laranja e chocolate; pamonha de milho e puba; arroz-doce; batata-doce; aipim cozido; mungunzá; lelê e canjica (curau); doces em calda e secos; cocadas; rapadura; caldo de cana; pães doces e "de sal"; queijo e requeijão; leite e o famoso e tradicional "cafezinho"... isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira" havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer ser vivente.

O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, o latido dos cães, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio, do outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à fértil imaginação.

Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho. Meu pai sorria ao me ver, como ele dizia, "encher a pança", embora ele comesse tanto quanto eu. Após ele tomar um cafezinho, subíamos no trem. Lá dentro nos abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão que ficava logo atrás do "tênder" (carro que vem logo atrás da locomotiva e carrega água, lenha ou carvão) Neste vagão viajavam os políticos, funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem" e autoridades dos municípios nos quais este passava.

A viagem até Nazaré durava cerca de uma hora, eu acho. Lembro também de algumas mulheres que usavam "torsos" (espécie de turbante, feitos com toalha), acho que para protegerem o cabelo da fuligem que era expelida pela chaminé da locomotiva, mas que só penetrava nos vagões da "segunda classe" em diante, isto é, os últimos vagões do comboio.

A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes, pastos, cavalos, bois, vacas, bodes, cabras, Cães, gatos, aves e pequenos animais silvestres enfeitavam o festivo panorama. Casas, cobertas de palhas ou de telhas, pequenas, grandes, rústicas ou bem acabadas, de "sopapo"ou de tijolos, cercas. Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera. E nos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao trajeto do comboio. Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos a Nazaré, cobertos de poeira e, às vezes, também de fuligem. Se não me engano, além da "Maria-Fumaça" e do tênder, o trem era composto de sete vagões. Acho que tinha um ou dois vagões de carga.

Em Nazaré o trem ficava cerca de meia hora. Alguns passageiros desciam, outros embarcavam e logo a locomotiva saía bufando, rangendo as rodas, expelindo uma negra e grossa nuvem de fumaça e fuligem, arrastando vagarosamente seus vagões e sendo "ajudada" por uma outra locomotiva que era chamada de "Xereta",para que conseguisse subir a ladeira que havia entre Nazaré e Muniz Ferreira. Não sei se a "Xereta" acompanhava o comboio até Jequié, mas creio que sim, pois acho que tinham outras ladeiras nesta ferrovia.

Embora tenha falado na crônica anterior, não custa repetir algumas coisinhas: Nazaré é uma cidade histórica situada no Recôncavo baiano às margens do Rio Jaguaripe. Foi fundada em 1572 e aniversaria a 10 de novembro. É uma das mais antigas cidades do Brasil.

Sua tradicional festa é a secular "Feira de Caxixis", que ocorre na Semana Santa e é instalada na Praça dos Arcos.

Nesta época Nazaré se enche de turistas de todo o País, bem como de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias de Maragojipinho, Aratuípe e regiões próximas, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. Muita gente leva as "miniaturas" como souvenir, para amigos, filhos e netos.

Tem aqueles que vão apenas "olhar" e os que vão comprar as "utilidades para o lar", como, por exemplo, as moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos, com qualidade e beleza.

Muitos dos visitantes permanecem na Cidade após o término da Feira dos Caxixis, pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta".

A Micareta é um carnaval "fora-de-época" que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho. As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a folia.
Também há blocos, batucadas, caretas, folião "pipoca", além de muita bebida e comida... num clima de alegria e "descompromissos".

Qualquer dia conto mais!ou esmagado pela embarcação), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria aos nossos destinos e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas".

Neste porto havia diversos montes de manganês que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem, em navios ou barcos. De caminhão é que não era, pois ainda não havia qualquer rodovia naqueles lados.

São Roque era o paraíso dos glutões. Era a maior festa, não só para os olhos como para o estômago, a "Feira
de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea.

Do trem podia admirar-se o colorido das roupas, das comidas e o festival gastronômico de São Roque, capaz de dar inveja aos atuais. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontravam-se ali: amendoim cozido e assado; siris e caranguejos; feijoada; macarronada; churrasco (de gato); peixe frito, assado ou de muqueca; mocotó; assado de boi; farofa; arroz branco; acarajé, abará e acaçá; verduras; legumes;
saladas; sucos diversos; frutas da época; "gasosas e sodas"; cachaça e as infusões chamadas "fôia-pôde".
Bolachas; biscoitos de goma; sucrilhos; queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo
de laranja e chocolate; pamonha de milho e puba; arroz-doce; batata-doce; aipim cozido; mungunzá; lelê e
canjica (curau); doces em calda e secos; cocadas; rapadura; caldo de cana; pães doces e "de sal"; queijo e
requeijão; leite e o famoso e tradicional "cafezinho"... isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira"
havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer ser vivente.

O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, o latido dos cães, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio, do outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à fértil imaginação.

Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho. Meu pai sorria ao me ver, como ele dizia, "encher a pança", embora ele comesse tanto quanto eu. Após ele tomar um cafezinho, subíamos no trem. Lá dentro nos abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão que ficava logo atrás do "tênder" (carro que vem logo atrás da locomotiva e carrega água, lenha ou carvão) Neste vagão viajavam os políticos, funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem" e autoridades dos municípios nos quais este passava.

A viagem até Nazaré durava cerca de uma hora, eu acho. Lembro também de algumas mulheres que usavam "torsos" (espécie de turbante, feitos com toalha), acho que para protegerem o cabelo da fuligem que era expelida pela chaminé da locomotiva, mas que só penetrava nos vagões da "segunda classe" em diante, isto é, os últimos vagões do comboio.

A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes,
pastos, cavalos, bois, vacas, bodes, cabras, Cães, gatos, aves e pequenos animais silvestres enfeitavam o
festivo panorama. Casas, cobertas de palhas ou de telhas, pequenas, grandes, rústicas ou bem acabadas, de
"sopapo"ou de tijolos, cercas. Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam
sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera. E nos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao trajeto do comboio. Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos a Nazaré, cobertos de poeira e, às vezes, também de fuligem. Se não me engano, além da "Maria-Fumaça" e do tênder, o trem era composto de sete vagões. Acho que tinha um ou dois vagões de carga.

Em Nazaré o trem ficava cerca de meia hora. Alguns passageiros desciam, outros embarcavam e logo a
locomotiva saía bufando, rangendo as rodas, expelindo uma negra e grossa nuvem de fumaça e fuligem,
arrastando vagarosamente seus vagões e sendo "ajudada" por uma outra locomotiva que era chamada de "Xereta", para que conseguisse subir a ladeira que havia entre Nazaré e Muniz Ferreira. Não sei se a "Xereta"
acompanhava o comboio até Jequié, mas creio que sim, pois acho que tinham outras ladeiras nesta ferrovia.

Embora tenha falado na crônica anterior, não custa repetir algumas coisinhas: Nazaré é uma cidade histórica situada no Recôncavo baiano às margens do Rio Jaguaripe. Foi fundada em 1572 e aniversaria a 10 de novembro. É uma das mais antigas cidades do Brasil.

Sua tradicional festa é a secular "Feira de Caxixis", que ocorre na Semana Santa e é instalada na Praça dos
Arcos.

Nesta época Nazaré se enche de turistas de todo o País, bem como de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias de Maragojipinho, Aratuípe e regiões próximas, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. Muita gente leva as "miniaturas" como souvenir, para amigos, filhos e netos.

Tem aqueles que vão apenas "olhar" e os que vão comprar as "utilidades para o lar", como, por exemplo, as
moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos, com qualidade e beleza.

Muitos dos visitantes permanecem na Cidade após o término da Feira dos Caxixis, pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta".

A Micareta é um carnaval "fora-de-época" que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho. As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a folia.
Também há blocos, batucadas, caretas, folião "pipoca", além de muita bebida e comida... num clima de alegria e "descompromissos".

Qualquer dia conto mais!

FIM

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