Luís Campos (Blind Joker)
Estava quase à hora da ceia e Armando não sabia onde se metera o
Yuri. Perguntou à sua mulher, mas ela também não sabia do menino.
Rosa indagou à pequena Miucha sobre o paradeiro do irmão e ela disse que não sabia dele. O vira sair em direção ao Campo Grande, por volta das quatro horas.
Armando e rosa sentaram-se num dos bancos. Nada diziam, apenas olhavam para o nada ou, quando muito, para o céu estrelado.
Miucha, alheia à preocupação dos seus pais, nos seus oito anos,
brincava com sua boneca.
O homem recordava o sítio. Por que o vendera? Por que viera para
Salvador atrás de um sonho que talvez nem fosse o seu?
Mas ele tinha certeza que fizera essa bobagem pensando em dar um
futuro melhor para as crianças. Aqui elas poderiam estudar, ser alguém na vida e quem sabe, dar-lhes uma velhice tranqüila!
Por ele, ficaria no sítio. Cuidar da horta, da rocinha de feijão,
milho e mandioca, ordenha Gabiroba, ver Rosa cuidar das galinhas e da Cabriolé e do Fantoche, seu casal de porcos.
Sentia agora o cheiro da comida gostosa que Rosa fazia tão bem.
Seu colchão de palha, suas noites de lua cheia no terreiro da casa,
proseando com sua Rosa. Aquele delicioso café com tapioca toda manhã.
Nada disso voltaria!
A mulher também pensava. Nunca condenou o marido e estaria disposta a seguir com ele este caminho do inferno. Procurava não pensar no que ficou pra traz. Ele lhe contara seu sonho e Rosa quis sonhar com ele!
No dia em que chegaram aqui, foram morar num barraco cedido pelo patrão. Rosa procurou uma escola próxima e matriculou as crianças.
Com nove e sete anos, ainda não tinham freqüentado uma escola, embora soubessem ler, pois tanto Rosa quanto Armando lhes ensinara.
Quase todas as crianças da redondeza do sítio, na idade dos seus,
eram analfabetas.
Em grande parte da zona rural desse País, até hoje, não há escolas.
Também não há professoras. Como poderia haver professoras ou escolas se não existem estradas?
A maioria dos sítios e pequenas fazendas são interligadas por
caminhos estreitos e esburacados que mal dão para passar uma carroça.
Assim acontecia no interior onde vivia Armando. O acesso ao seu sítio e dos vizinhos era tão estreito que quase não dava para ele passar com sua carroça, puxada por Café, seu jeguinho, quando precisava ir à "cidade" levar seus produtos para vender na feirinha e, na volta, trazer açucar, café, farinha de trigo e biscoitos para os meninos.
Na região passava um pequeno rio, o que dava alguma tranqüilidade aos moradores. Também havia muitas árvores frutíferas, o que contribuía para que a alimentação das crianças fosse mais saudável.
Quando a coisa "pegava", Armando saía em busca do alimento na mata.
Como ainda havia alguns animais de pequeno porte por ali, Armando, de vez em quando, se aventurava pela mata para caçar, acompanhado de Geléia que, aos latidos, acuava os animais, deixando-os à mercê do tiro certeiro da espingarda-de-socar que o próprio Armando fizera.
Com o "almoço" da família garantido, ele retornava para casa e, pelo caminho, pegava algumas raízes e folhas para que Rosa fizesse os "santos remédios" que, nem só matavam as "bichas", como serviam para os ungüentos, usados nos machucados, bem como para os chás e xaropes.
Nem completara dois anos como frentista e fora despedido. Teve que deixar o barraco, tirar as crianças da escola e procurar onde
abrigar os seus. Arrependia-se de ter vendido seus bens para vir à
Capital em busca de oportunidade para seus filhos. Estava tão aéreo
em suas divagações que não percebeu dois carros da Polícia Civil que se aproximavam.
Quando as viaturas pararam, Armando nem imaginava a que vinham!
Vez por outra, elas estavam por ali. Algumas vezes paravam, davam uma olhadinha e iam embora. Noutras, apenas passavam devagar, olhando para um lado e para o outro.
Destas desceram quatro mulheres e três homens. Elas traziam algumas sacolas e se aproximaram deles e uma delas perguntou:
- O Senhor é o Armando Jaguaripe?
Armando olhou as mulheres. Elas sorriam. Os homens ficaram à parte, mas observavam a cena e os arredores.
Miucha levantou-se do chão e veio ficar junto aos pais.
Rosa também olhou aquelas mulheres muito bem vestidas e bonitas.
Outros moradores se aproximaram. Armando, antes de responder, pensou em como são curiosas as pessoas.
- Sou eu sim, Senhora...
A mulher, que parecia ser a "mandona", falou para um dos homens:
- Coimbra! Trás o Yuri!
O homem foi até uma das viaturas e voltou trazendo o menino pela mão.A mulher que havia dado a ordem, disse:
Seu Armando, pegaram o Yuri roubando umas coisas num supermercado.Ele nos contou a história de vocês e então resolvemos trazê-lo até o Senhor!
Armando olhou para o filho carinhosamente, mas, com ar de reprovação na voz, perguntou-lhe:
- Filho, por que você fez isso?
É essa a educação que lhe damos?
Você viu alguma vez seu pai ou sua mãe pegar qualquer coisa de alguém?
Yuri, entre soluços e abraçando-se ao pai, respondeu:
- Me perdoe, Paizinho!
Eu só queria que a gente tivesse um Natal...
- Que Natal seria esse, filho?
- Pai, um Natal de gente e não de bicho... como agente tinha na roça!
Disse o menino ainda chorando.
Armando, com os olhos encharcados, replicou:
- Filho, antes um Natal de bicho a ver meu filho roubando!
- Me perdoe, Paizinho... perdoe, Mãezinha!
A esta altura, todos que estavam presentes à cena, tinham lágrimas nos olhos, até mesmo os "durões" policiais.
A Delegada interrompeu esse diálogo, dizendo:
- Bem, Seu Armando... nós viemos cear com vocês e trouxemos
algumas coisinhas!
Uma das moças tirou da sacola que trazia, duas toalhas de mesa com desenhos natalinos e as estendeu no chão.
As outras colocaram sobre estas alguns panetones, bolos, refrigerantes de dois litros, um queijo-cuia, três frangos assados, uma vasilha com farofa e outra com arroz, além de caixinhas de passas.
Um dos homens foi até a viatura. Pegou duas garrafas de "cidra",
pratinhos, copos e talheres plásticos e veio juntar-se aos demais.
A Delegada, sentando-se no chão, falou para os curiosos:
- Todos vocês que moram aqui na praça, podem sentar-se conosco!
E complementou, indicando um lugar:
- Venha, Seu Armando... sente-se aqui com sua família!
Então todos sentaram-se no chão, em torno das toalhas, inclusive os
policiais. As quatro mulheres prepararam os pratinhos e distribuíram entre os presentes, colocando nestes, um pouco de cada coisa.
Brindaram com a cidra e depois da ceia beberam refrigerante.
E aqueles desafortunados que moravam na praça, nesta noite, tiveram um Natal menos indigno...
Meia hora depois, felizes, os policiais retornavam à Delegacia!
Nesta noite, brilhou entre os homens a estrela da solidariedade e da
compreensão!
Ainda há esperança!
FIM
sábado, 3 de outubro de 2009
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