domingo, 4 de outubro de 2009

A História da Minha Cegueira

Luís Campos (Blind Joker)

Fiquei totalmente cego em janeiro de 1990, após ter sofrido quatro intervenções cirúrgicas para reverter um "descolamento da retina".
Antes que você me pergunte, só existe transplante de córnea.

Eu era míope desde criança e os óculos sempre fizeram parte da minha fisionomia (e por isso era metido a intelectual, lendo sobre tudo!).
Em 1986 perdi a visão do olho direito após uma infecção (uveíte) quando tomei muito remédio, coisa da qual nunca gostei (tomar remédios).

Na verdade, estava sofrendo um descolamento da retina. Havia visitado sete oftalmologistas (ô palavrinha, sô!). Falando nisto, lembrei de otorrinolaringologista e o nome daquele ácido, ADN - que não sei escrever (isso pode dar uma crônica). Voltando aos oftalm... ah, vocês já sabem, profissionais que, no meu tempo de menino eram chamados apenas de "oculistas".
Só após visitar o oitavo oftal... ah, Dr.Luís (tinha que ser meu xará, né?), foi que soube estar sofrendo um descolamento da retina.
Ele me disse para ir a Campinas, São Paulo, no Instituto Penido Burnier que, para ele, era o melhor da época nestes tratamentos. Por ainda enxergar com o olho esquerdo, fui sozinho até lá, na esperança de fazer a cirurgia e recuperar a visão do olho direito. Já na consulta fui desenganado. O oftalm... vocês ainda não decoraram esta coisa?
Não vou repeti-la mais! O dito cujo aí, disse que não havia nada a fazer: eu já havia perdido aquela vista de vista!
Voltei a Salvador e continuei levando minha vidinha: agora que nem Camões... caolho, mas sem a verve do poeta!

Pela lógica, deveria fazer as coisas pela metade, né? Mas não foi bem assim. Pouca coisa mudou! Dirigia, viajava, bebia, escrevia, jogava (palitinho)... continuei a fazer tudo que fazia antes (até repetir palavras no texto). Fiquei três anos afastado do TRT. Que vidão, né? Tá com inveja? Se quiser eu furo seus olhos!
Brincadeirinha... é só um pouquinho de humor negro!

Em julho de 89, comecei a sentir os mesmos sintomas na vista esquerda! Pondo meu bigode de molho (Na época usava um bigodão que me dava um ar de homem sério!), voltei a visitar alguns daqueles - já disse que não iria repetir a tal palavrinha - daqui. Fui aconselhado a ir a Belo Horizonte (Instituto Hilton Rocha). Lá o oft - isto mesmo - indicado, após o exame, disse que havia um princípio de descolamento da retina (Grande novidade!); que ele iria operar minha vista e que eu ficaria aos cuidados do seu assistente, pois ele iria a um congresso no Rio de Janeiro. Disse também que não garantia a recuperação da retina, isto é, mesmo operando, eu poderia ficar cego!

Achei que era muito descaso dele, além disso, sua frieza me assustou. Pensei: Se eu operar com esse cara, estarei obtendo um atestado de burro, afinal, iria pagar cerca de seis mil dólares (na época) para, possivelmente, ficar cego! Com muita dificuldade, peguei um avião (vocês já tentaram pegar um? O bicho corre que nem cabrito! É melhor esperar ele ficar quietinho e abrir aquela portinha em riba da escada.
Aí você faz como o pessoal fazia à época: sai correndo e entra antes que ele arribe e vá embora!) e voltei ao Penido Burnier, em Campinas.

Na consulta ao... (não repito!), não relatei o sucedido em Belô. Após um exame, o... (ele mesmo!), disse que logo eu estaria bom; que a cirurgia seria tranqüila e que dentro de um mês eu estaria vendo tudo, completamente recuperado.
Havia uma esperança - pensei!
Na cirurgia colocaram um aro de silicone para segurar a retina.
Ao pagar a fatura, me cobraram cerca de três mil dólares (à época!), mas não me ressarciram o valor de um par de sapatos que eu nunca havia usado e que um enfermeiro gay roubara! Deixei isso pra lá, afinal, vão-se os sapatos e ficam as meias, né?

Voltei para casa, mas, com menos de trinta dias o olho amanhecia fechado, com umas pequenas placas cristalizadas, talvez devido ao uso dos colírios... e deixei de enxergar com o olho que operara! Até aqui eu viajara sozinho, sem acompanhante, visto ainda enxergar, mesmo com o olho sofrendo o descolamento da retina.
Com a ajuda de um irmão que reside em São Paulo, voltei ao Penido Burnier para "desfazer" a cirurgia e retirar o tal "aro de silicone", já que, além de não resolver, passara a causar muita dor!
Voltei para casa definitivamente cego... e de bolso quase vazio!

Viram como sou inteligente? Fiquei cego pela metade do preço!

Um mês depois fui convencido a ir a Goiânia, pois lá havia um cara que estudara em Boston (EUA) e que estava fazendo miséria (no bom sentido) na área de retina... e eu acreditei!
Esperançoso e graças ao dinheiro, ao trabalho e ao amor da minha esposa à época, Sulamita, mãe do Vinícius, que ficou gerenciando nossa Empresa, fui pra lá... e haja dólares!

Na primeira cirurgia recuperei, parcialmente, a visão e estava feliz da vida! No trajeto de Goiânia para Brasília, onde ficaria hospedado, conseguia ler os outdoor da beira da estrada, coisa que não faria sem os óculos, pois, como já disse, desde criança era míope e, na época, antes da cegueira, usava lentes com 8,50 graus.
Fiquei cerca de cinqüenta dias na casa de um casal amigo, Raimundo e Neusa, hoje meus irmãos por amor e gratidão, pois teria que retornar a Goiânia para duas aplicações de laser e mais uma cirurgia para inserção de um "óleo de silicone" que, segundo o "cobra", seria para "empurrar" a retina para trás e que ele estava experimentando em algumas pessoas com algum sucesso... e, mais uma vez, eu acreditei!

No hospital conheci Nelita, cuja prima sofrera um acidente de carro e tinha vidro nos olhos (hoje ela está sem problemas) e ficamos amigos. Devo muito a esta menina e nunca houve nada entre nós (não que eu não quisesse, mas ela não queria, pois eu era casado). Apesar dos ciúmes da minha mulher, o que era compreensível, éramos apenas amigos.
Nas vezes que retornei a Goiânia, esta amiga me deu suporte, pois eu ficava hospedado num hotel próximo ao hospital e quando ela saía do trabalho, ao meio dia, me levava para almoçar e depois íamos "bater pernas" no centro da cidade, que era pertinho de onde eu estava. Ela ficava comigo até as oito horas da noite, quando retornava para sua casa e eu passava as noites e as manhãs sozinhas.
Após minha separação ficamos juntos algumas vezes: eu ia a Goiânia ou ela vinha a Salvador! Há oito anos que ela mora nos Estados Unidos e ainda somos amigos. Fui e sou seu "conselheiro" e sempre conversamos através do Skype.

Em Brasília fiquei amigo dos amigos da Neusa e do Raimundo e eles me levavam para tudo que era festa e passeio. Suas meninas, Fabiana e Carina me consideram um tio e isto é muito gratificante. Eles estavam sempre por aqui e adoram tanto nossa Terrinha que, assim que foi possível, compraram um apartamento por cá. Estamos sempre em contato e mesmo depois que separei, a amizade conosco continuou. São pessoas excelentes, de bom coração e amigos sinceros! Sou separado de Sulamita desde 2000, mas o respeito e a amizade entre nós continua, afinal, temos um filho maravilhoso!
Como falei anteriormente, fiz as duas aplicações de laser (Como dói!), a cirurgia... e com o bolso mais vazio!
Voltei para Salvador com aquele óleo de silicone dentro do olho e que seria retirado no final de janeiro de 1990. Mesmo enxergando um pouco, e agora, por causa do óleo, nublado (como estivesse usando óculos escuros). Sentia fortes dores neste olho, sendo obrigado a ingerir quatro analgésicos, um a cada seis horas, pois não suportava a dor.
Falei com o... é isso mesmo, e ele insistiu em só retirar o tal óleo na data prevista... não doía nele, né?
Para ele, "Silicone nos olhos do paciente é colírio"! No reveillon de 1989/1990, já não enxergava mais nada e, antes da data marcada pelo offtal... vocês sabem, voltei a Goiânia para retirar o óleo!

Mais uma vez estava cego!

Após a retirada do óleo de silicone, ele disse que não poderia fazer mais nada... só Deus! (Quase que lhe sugiro devolver-me os dólares que paguei!). É engraçada essa vida... a gente faz as coisas e depois entrega nas mãos de Deus! Isto é que é ter fé!
Nesta noite, se não me engano, 13 de janeiro de 1990, sozinho no quarto do hotel, entre lágrimas, escrevi aquele poema, "Senhor"!
Mas, na tarde seguinte estava dançando com Nelita no interior da "Lojas Americanas"!

Voltei para casa, conformado com a minha realidade, mesmo que, neste período de viagens e cirurgias, não tenha deixado de brincar e sorrir!
Creio que minha mulher, meus filhos, irmãos, amigos e as pessoas que me cercavam e gostavam de mim sofreram mais do que eu! Como sempre fui um cara dinâmico e nunca gostei de pedir a ninguém que fizesse as coisas por mim, senti um pouco ter que depender, mesmo que em parte,
dos outros... mas nunca pensei que minha vida se acabara!
Sempre fui um cara forte e dera tanta força às pessoas, então como não ser forte comigo? Agradeci a Deus por "apenas" ter ficado cego!

Assim, continuei fazendo quase tudo que fazia antes. Voltei a trabalhar em nossa Empresa, contratei uma secretária exclusivamente para ler e escrever algumas coisas, embora em casa meus familiares fizessem isso.
Depois de ficar cego descobri que escrevia que nem Deus: certo por linhas tortas!
Também contratei um motorista para levar-me ao escritório e o Vinícius à escola, ao curso de inglês e à natação... coisas que eu fazia antes!
Em 1992 Sulamita passa a ser juíza do trabalho e eu retomei a direção da nossa Empresa. Como está no texto do Vinícius, "Meu pai, meu herói", pouca coisa mudou. Continuei viajando, dançando, brincando, cantando e... namorando!

Aborrece-me, hoje, quando alguém reclama da própria vida, tendo todos os sentidos perfeitos, andando sobre seus próprios pés e sem qualquer deficiência física, mesmo que sofra de alguma doença, quero dizer, alguma insuficiência de qualquer dos seus órgãos e que possa ser controlada com remédios ou de uma outra maneira qualquer. Embora reconheça que as pessoas não são iguais e que devemos respeitar esta desigualdade, digo-lhes que, quando estiverem com qualquer problema, seja de que monta for, pensem que poderia ser pior... olhem à sua volta!
Aquele ali está paraplégico, o outro é tetraplégico, um outro é surdo-mudo, acolá um cego, um outro não tem as pernas ou os braços, aquele lá anda se arrastando, aquela faz hemodiálise... quer mais?
Agradeça todos os dias por sua "doença" ser apenas "uma" doença!
Sorria, o mais que puder... as "forças negativas" têm medo do sorriso!
E para que você possa sorrir um pouquinho, deixe eu lhe dizer a que conclusão cheguei depois destas cirurgias: Como sou alérgico ao silicone, não posso nem ser travesti, né?
E tem mais: ser cego tem algumas vantagens! Quais? Eu digo:
Não vê mais homem; toda mulher é linda, não precisa escolher; não paga buzu (ônibus); não entra em fila; nunca fica em pé. Alguém sempre diz: "Senta aqui, ceguinho"! E a última e mais importante: antes cego do que brocha, né?

Não me considero "lição de vida", apenas encaro minha realidade!

2 comentários:

  1. Oi, Luís, sou eu aqui de novo!
    Adorei sua história, mas uma coisa não ficou muito clara, para mim: O por quê dos descolamentos da retina!
    Já explico, minha sobrinha a Maria Eduarda, nasceu com "coloboma", que é um defeito na retina, ela não se completa, e um dos possíveis efeitos a longo prazo, é o descolamento total.
    Ela enxerga perfeitamente, mas sempre ficamos ansiosos em relação à qualquer pancada, que ela possa levar no olho direito.
    Me desculpe por falar sobre isso, mas sou muito atenta a esse detalhe do coloboma de minha sobrinha, que é o amor de minha vida.
    Obrigada, pelo seu relato!
    Beijos, Sueli

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  2. Amigo
    Sua narração me fez acordar e 'ver' que sempre podemos mais.
    Você tentou tudo e não pode sofrer por não ter tentado...né?
    Obrigada pela alegria de sempre.
    Seja muito feliz!
    beijocas
    Ahisa

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