Luís Campos (Blind Joker),
A gente conhece alguém
pensa que é especial
entrega-lhe a chave da porta
e dá-lhe nossa liberdade!
Ela invade nosso quarto
come nossa comida
usa nosso sabonete
mistura suas roupas às nossas
e deixa seu cheiro em nosso corpo!
Um dia ela se vai...
Deixa nossa chave
deixa seu cheiro
sua voz, seu canto...
Mas não leva a saudade!
Nunca mais há de voltar
pois a volta é dolorida
os erros não serão esquecidos
embora a mágoa seja contida!
Mas não percamos o calor
a ternura da amizade
a pureza no olhar
a meiguice no tocar
uma palavra de carinho
desejando-lhe felicidade!
E a lágrima não contida
desce até nossos lábios
e alimenta nossa dor!
FIM
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Super Blind, em... Como tudo começou! (Série)
Luís Campos (Blind Joker)
Super Blind, O Herói de Bengala.
Mais inteligente que uma loura... mais ranzinza que uma sogra... mais veloz que o Rubinho... mais forte que o Maguila e mais cego que o Mister Magoo!
Em um ano qualquer de um século idem, andando pelas ruas e ladeiras da Cidade de São Salvador da Bahia, acompanhado do seu fiel cão Morcego, um rapaz cego chamado Lui Macpos, percebeu que seu cão e escudeiro farejava algo em uma das esquinas do Pelourinho com a Baixa dos Sapateiros. Pelos latidos do seu cachorro, deveria ser algo muito estranho.
O rapaz decidiu então abaixar-se para averiguar o que teria chamado a atenção de Morcego. Ao apalpar o chão,tocou numa terrina de barro com algumas coisas dentro. Levou a mão ao interior desta e foi descobrindo as coisas que haviam ali: charutos, farofa de dendê, uma garrafa de cachaça, velas, moedas e uma galinha (Que mais tarde soube que era preta, como manda a tradição dos ebós!). Não se espantou por encontrar um bozó naquela esquina, pois isso é coisa comum nesta terra de tantos Deuses e Santos! Percebeu, ao ouvir um fraco "có-có-có-có" que a galinha agonizava. O ceguinho apalpou a ave galinácea e notou que, no pescoço desta havia um corte, do qual corria um fio de sangue que em breve lhe tiraria a vida.
Condoído com a situação da pobre ave, meteu uma das mãos sujas de sangue e azeite de dendê em um dos seus bolsos traseiros e, pegando seu lenço quadriculado, fez um torniquete logo abaixo do corte e assim o sangue imediatamente parou de correr. Pegou a galinha e a colocou debaixo do braço, levando-a para casa. No ônibus
ouvia os cochichos e sabia que era sobre ele que comentavam, mas pouco se importou com isso... quem tem boca é pra falar!
Ao passar pela rua em que morava, alguns gaiatos tiraram sarro com sua cara, entre risos dos demais:
Gaiato 1 - Hoje vai ter canja, hein ceguinho! Hahhahahhahahha
Gaiato 2 - Olha lá! O cego vai levar uma "galinha" pra comer em casa! Hahhahahhahahhah hahhahahhaha
Gaiato 3 - Na certa, um dos dois está doente! Hahhahahhahahhahah
Gaiato 4 - É que ele é goleiro do seu time e pegou este frango hoje! Hahhahahahhahahha hhahahahha
Todos - Hahahaha hihihihihi kkk rê rê rê rê woo woo woo quá quá quá!
Como Lui era um "boa praça" e levava a vida na esportiva, apenas sorriu com a brincadeira dos amigos e vizinhos. Assim que conseguiu encontrar a fechadura, meteu-lhe a chave e entrou em casa. Tirou a roupa e apenas de cueca (Para não constranger a galinha!) entrou no banheiro e deu um banho frio na ave, lavando cuidadosamente o ferimento no pescoço dela. Enxugou com carinho a bichinha e a colocou sobre a pia. Pôs água numa panela para ferver e foi até seu quarto.
Quando a água ferveu, fez um café e bebeu!
Pegou duas camisas velhas e preparou um ninho em um pequeno caixote, colocando neste a galinha. Voltou ao quarto e pegou a caixa de sapatos que serve de "farmacinha" para procurar um frasco que havia ali e ele sabia tratar-se de um poderoso ungüento que a Vovó Janaína lhe deixara como herança, dizendo-lhe ser uma poção milagrosa que a bisavó dela trouxera da África, ao ser capturada pelos guerreiros bantos e vendida a uns portugueses que vinham para as terras do Brasil.
Por sete dias Lui tratou do ferimento e alimentou a ave no bico, dando-lhe, inclusive, papa de milho,"mingau de cachorro", rapadura ralada, mel e até água de coco. No décimo terceiro dia o corte do pescoço era apenas um sinal, pois cicatrizara completamente e ela já ousava sair do ninho.
A ave recuperara a cor e andava pela casa atrás do seu benfeitor e a brincar com o Morcego, entre um cacarejo e outro.
Uma noite de sexta-feira, num dia treze de agosto, lua cheia, céu estrelado, Lui acordou com uma voz feminina que chamava por ele:
Voz - Acorde, Lui! Preciso falar contigo! Acorde!
Apesar de nascer cego, naquele momento Lui tem certeza que enxergou muito bem as feições e o corpo daquela que o acordara.
Era uma lindíssima mulher. Cabelos longos e lisos, olhos azuis, pele negra e um sorriso encantador! Ela lhe disse, pedindo que prestasse bastante atenção ao que ouviria, pois esta noite seria especial para ele e muito importante para a humanidade:
Voz - Meu nome é Akilah Zhenga e sou uma deusa africana. Fui Rainha do meu povo e por causar inveja à Rainha de uma tribo inimiga, fui raptada por seus guerreiros e, enfeitiçada, fui transformada na galinha preta que você salvou a vida. Seguindo meu destino, fui trazida para a Bahia num navio negreiro e acabaria imolada naquele ebó se o destino não o colocasse em meu caminho! Agora, graças ao seu enorme coração, terei a oportunidade de continuar vivendo. Embora seja uma Deusa, só posso voltar a ter forma humana quando invocada por você!
Lui - E se a invocar, poderemos conversar como agora?
Akilah - Claro! Mas apenas você me verá, ninguém mais!
Lui - Mas eu sou cego!
Akilah - Nos momentos em que me invocar, enxergará não só a mim como tudo que esteja à sua volta, enquanto eu permanecer ao seu lado!
Lui - Se tiver gente por perto, como vou falar com você?
Akilah - Nós conversaremos e ninguém nos escutará... também não perceberão que você fala com alguém!
Lui - Isso é maravilhoso, Akilah!
Akilah - Prepare-se para o mais importante!
Lui - Mais importante do que conversar contigo?
Akilah - Sim, Lui! Mais importante pois você foi o escolhido para defender a Terra e os homens das suas mazelas e desgraças!
Lui - E-eu? E como farei isso, Akilah?
Akilah - Ao pronunciar a palavra mágica, "OEOXI" ( Pronuncia-se Oeochi), você se transformará em um superherói...
Lui - Um Superherói cego? Hahhahahhahahahhaha!
Akilah - Você nunca leu histórias em quadrinhos, meu rei?
Lui - Não, amiga... eu nasci cego! Hahahhahahahhahahahhaha!
Akilah - Bem, há o Demolidor, Doutor Meia-Noite, Doutora Meia-Noite e até o Takion, que já foi cego e recuperou a visão. Se procurarmos é possível que encontremos mais alguns superheróis cegos!
Lui - Bem interessante!
Akilah - E tem mais... eu o transportarei para viver suas aventuras, em nome da lei, da ordem e da justiça!
Lui - É? E como fará isso?
Akilah - Transformando-me numa galinha voadora gigante e você viajará montado sobre meu dorso!
Lui - Tá ficando interessante! Hahhahhahahahhahahhha!
Akilah - Quando você pronunciar a palavra mágica, eu me transformarei numa galinha gigante e você ganhará os poderes de alguns deuses africanos!
Lui - Deuses africanos? Não sei nada sobre esses Deuses!
Akilah - "OEOXI" são as iniciais desses Deuses: Oxalá, o Senhor da Criação e que defende a paz e a ordem;
Exu, Senhor do Bem e do Mal. Está em todos os locais e fala todas as línguas. É a própria comunicação. É o Orixá da inteligência, do bom humor, dos amantes da vida e da boa mesa, das cores e odores...
Lui - Esse aí tem muito a ver comigo! Hahhahahhahahahhah!
Akilah - É mesmo, mas deixe-me continuar! O outro "O" é de Ogum, o Orixá da guerra, divindade que forja o ferro e o transforma em instrumento de luta. Protege os filhos das demandas e dos perigos do dia-a-dia;
Xangô, o Orixá da justiça, corrige injustiças e protege contra as catástrofes. É autoritário, severo, líder, mandão, político e sempre se dá bem nos negócios. Nunca acha que está errado. O "I" é de Iansã, Senhora da Alegria e dos Ancestrais. Transporta os mortos do Ayê (Terra) e Orum (Céu), fazendo-os nascer numa outra
vida. É o Orixá que protege contra os desastres e acidentes. Dá coragem e impulsividade a seu filho. Tem mais algumas coisas sobre esses Deuses, mas não interessam no momento!
Lui - Como é que pode ser isto, Akilah?
Akilah - Nunca duvide das forças do Universo, Lui!
Lui - Mas eu não sei se quero isso, Akilah!
Akilah - Você não pode fugir do seu destino, Lui! Você foi escolhido para ser o mais novo defensor dos fracos e oprimidos! Esta é sua missão a partir de hoje, Lui!
Lui - Eu terei um uniforme como o daqueles superheróis dos Quadrinhos?
Akilah - Claro! Ao pronunciar a palavra mágica, suas roupas se transformarão num uniforme de superherói!
Lui - E como voltarei a ser eu mesmo?
Akilah - Acabada a missão, você novamente pronuncia a palavra mágica e reaparecerá no lugar onde estava antes, vestido com suas roupas!
Lui - Caramba!
Akilah - Só falta uma coisa para que eu possa, desta vez, ir embora!
Lui - Que coisa é essa?
Akilah - Escolher o nome desse superherói! Alguma sugestão?
Lui - Que tal, "Capitão Braille"?
Akilah - Já tem "Capitão" demais nas Histórias em Quadrinhos!
Lui - Humm! Super... super Braille?
Akilah - Não gostei, embora fosse uma linda homenagem ao Louis Braille, né?
Lui - É... tá ficando difícil!
Akilah - Posso dar um pitaco?
Lui - Claro, minha Deusa!
Akilah - Que tal... Super Blind?
Lui - "Super Blind"? Que diabos é "Blind"?
Akilah - Ora, ora, Lui! Blind quer dizer, "cego", em inglês!
Lui - Ah, é? Acho que fica porreta!
Akilah - Porreta? Que é isso?
Lui - Porreta quer dizer bacana, legal, ótimo, perfeito... aqui na Bahia, Akilah!
Akilah - Ah! Bem, Lui... tenho que ir!
Lui - Não se vá! Ainda é cedo! Fique mais um pouco!
Akilah - Hoje não posso, mas sempre que chamar por mim, eu aparecerei! Basta chamar meu nome completo, "Akilah Zhenga"!
Lui - Está bem! Até mais, Akilah!
Akilah - Até mais, Lui... e não esqueça... você agora é o Super Blind e deve atender a todo grito de socorro!
Lui - Se esse é meu dever e missão, estou pronto!
Akilah - Fui!
Da mesma forma que apareceu, Akilah sumiu na noite! Lui ficou ainda um tempo acordado, mas foi vencido pelo sono.
E assim nasceu o Super Blind, o herói de bengala!
FIM
Super Blind, em... De cego e de louco, todos nós temos um pouco! (Série)
Luís Campos (Blind Joker)
Super Blind, O Herói de Bengala.
Mais inteligente que uma loura... mais ranzinza que uma sogra... mais veloz que o Rubinho... mais forte que o Maguila e mais cego que o Mister Magoo!
Narrador - Ao sol do meio-dia, numa praça qualquer de uma dessas lindas cidades deste maravilhoso País, uma multidão de curiosos cerca um poste de iluminação pública cujas luzes estão acesas, olhando para um cara que, sentado na parte superior do poste, ameaça:
Maluco - Vou me jogar! Eu sou um passarinho! Quero voar!
Narrador - A turba enfurecida grita:
Turba Enfurecida - Se joga!... Se joga!... Se joga!...
Narrador - No entanto, a voz fraca de uma alma bondosa, fã daqueles programas do "Chaves", sobrepõe-se às demais:
Alma Bondosa - Quem poderá nos ajudar?
Narrador - Neste momento, uma grande sombra projeta-se sobre a praça. Os curiosos, que não ouviram a televisão falar em eclipse para aquele dia, amedrontados, olham para cima e alguns exclamam:
Curioso Bobo 1 - Será um avião?
Curioso Bobo 2 - Será um cometa?
Curioso Bobo 3 - Será um urubu gigante?
Curioso Bobo 4 - Será o Benedito?
Curioso Atento - Não! É uma grande galinha preta voadora!
Curioso mais Atento Ainda - E tem um cara de óculos escuros montado no dorso da bicha!
Narrador - Ao perceberem que a ave com seu ilustre passageiro sobre o dorso irá pousar, afastam-se deixando um espaço numa das áreas gramadas da praça que acabaram de pisotear, apesar da pequena placa que dizia, "Não pise na grama, imbecil!". Assim que a ave pousou, os curiosos exclamaram em coro:
Coro dos Curiosos - Ooooh! Quem diabos são vocês?
Narrador - A grande galinha preta soltou um "có-có-ri-có" compatível com seu tamanho e seu ilustre passageiro, até agora desconhecido por estas paragens, disse-lhes sorrindo:
Super Blind - Eu sou o Super Blind e, a partir de hoje, estarei sempre alerta contra as desigualdades sociais, estradas esburacadas, jogos bancados pelo governo, mensalões, companhias telefônicas, seguradoras e de saúde privada, senhas e filas do INSS, o péssimo atendimento do SUS, convocações extraordinárias imorais
do Congresso, marmeladas e falcatruas políticas e a bandidagem em geral!
Coro dos Curiosos - Fiuiiiiii uuuuuuuuuuuuu fiuiiiiiiiiii uuuuuuuuu plac plac plac plac plac plac
Super Blind - Obrigado, obrigado! Em caso de perigo é só me chamar!
Narrador - Neste momento, uma voz feminina (Só podia ser!) eleva-se, exclamando:
Curiosa - E como faremos isso, Seu Super Blind?
Super Blind - Apenas gritem meu nome e onde eu estiver, ouvirei o chamado!
A Mesma Curiosa - Por falar nisso, Seu Super Blind... E o cara que está ali no poste?
Coro de Curiosos - Oooooh!
Super Blind - É mesmo! Havia esquecido do sujeito! Vou até lá!
Narrador - O Super Blind pegou sua "BU" (Bengala de Utilidades), armou e, batendo com ela no chão, dirigiu-se ao local que pensava estar o carinha em perigo.
Coro de Curiosos - Ooooh! Ele é cego!
Um Curioso Politicamente Correto - Cego não... Deficiente visual!
Um Curioso Caridoso - Oh! Super Blind, você está indo para o lado errado! Deixe-me ajudá-lo!
Super Blind - Obrigado meu caro curioso... Ainda não aprendi a lidar com meus superpoderes! Deixe-me segurar em seu braço!
Curioso, Curioso - Assim você se sente mais seguro, Super Blind?
Super Blind - Todo Deficiente Visual se sente mais seguro pegando no braço ou no ombro de quem o guia. Nada de tentar segurar o cego!
Curioso - É... Tem lógica!
Narrador - O Curioso então conduziu o Super Blind até o poste sobre o qual estava o louco. Assim que o Super Blind soube que estava junto ao citado poste, olhou para cima (Pra ver o quê?!) e, tirando uma gilete da sua "Bengala de Utilidades", mostrou-a ao doido e gritou-lhe com sua voz potente, porém ameaçadora:
Super Blind - Se você não descer imediatamente, eu corto esse poste!
Narrador - O maluco ao ver a gilete na mão do Super Blind, gritou de volta:
Maluco - Nãooooo! E - eu só estava querendo voar, seu moço! Por favor, não corte o poste... Já estou descendo!
Narrador - Assim que o cara pisou no chão, a multidão de curiosos explodiu em apupos, palmas e gritos de alegria:
Coro de Curiosos - Fiuiiiiii uuuuuuuu fiuiiiiiii uuuuuu fiuiiiiii uuuuuu plac plac plac plac plac viva viva viva Salve o Super Blind! Salve! Salve! Salve!
Um Curioso Desatento - M-mas ele está em perigo?
Um Curioso que estava ao Lado desse Aí - Deixa de ser besta, homem!
Narrador - Assim que o maluco desceu, uma viatura policial parou e desta desceram três "meganhas" que foram distribuindo borrachadas entre a multidão de curiosos e, com algumas bicudas e sopapos, pegaram o maluco pelo pescoço e o jogaram na mala da viatura. Com a sirene gritando "uôn uôn uôn uôn", saíram em disparada.
Alguns curiosos espertos, evadiram-se do local assim que viram a viatura parar na praça... Quem ficou, apanhou! Mas, entre mortos e feridos, salvaram-se todos! Nosso Super herói, que, apesar de super não é bobo, escondeu-se atrás do poste até que acabasse a confusão e agora, despedia-se da multidão:
Super Blind - Missão cumprida! Vou em busca de novas aventuras! Alguém, em algum lugar, poderá precisar dos meus préstimos!
Curiosa Loura - Préstimos? O que será isso?
Coro da Multidão - Valeu meu rei! Fiuiiiiii uuuuuuuu fiuiiiiiii plac plac plac plac plac
Narrador - Então, guiado pelo mesmo cara de antes, Super Blind foi levado até onde estava Akilah, sua companheira de aventuras e, montando em seu dorso, saudou a todos:
Super Blind - Eu vou, mas deixo um aviso à rapaziada que gosta de mutreta: Super Blind está de olho em vocês... Cuidado comigo!
Narrador - Dizendo isso, Super Blind falou para Akilah:
Super Blind - Aiôôôô, Akilah... Para cima!
Narrador - Então Akilah levantou vôo e logo ambos desapareceram no céu!
FIM
Super Blind em... Eta Vidinha Difícil! (Série)
Luís Campos (Blind Joker)
Super Blind, O Herói de Bengala.
Mais inteligente que uma loura... mais ranzinza que uma sogra... mais veloz que o Rubinho... mais forte que o Maguila e mais cego que o Mister Magoo!
Narrador - Lui Macpos, após seu desjejum, como habitual, fazia seu "pumpuzinho" lendo uma revistinha do "Blind Kid, o herói do Agreste", seu cowboy predileto, com o short arriado até o pé. Assim que o "barro" caiu, o fedor impregnou o ar, causando prejuízo à camada de ozônio. Nem o Lui agüentou:
Lui - Zorra! Tô podre!
Narrador - De repente, seu ouvido ultra-sônico captou uma voz feminina pedindo socorro. Como todo super-herói que se preza, disse a palavra mágica:
Lui - Oeoxi!
Narrador - Imediatamente transformou-se no audaz Super Blind e, saindo ao quintal de casa, montou em Akilah que já o esperava, também transformada numa imensa galinha voadora. Morcego, o cachorro de Lui, nestas horas, esconde-se sob a cama e fica uivando!
Super Blind - Aiôôôô, Akilah... Para cima!
Narrador - Akilah, com nosso super-herói sobre seu dorso, alçou vôo e ganhou as alturas. Voaram com a velocidade do Schumaker, pois se voassem com a do Rubinho, quando chegassem ao seu destino, certamente não salvariam ninguém... Como nas histórias em quadrinhos, no quadro seguinte, digo, no segundo seguinte, estavam no local de onde vira o chamado. Akilah pousou num grande pomar e o Super Blind desceu das suas costas perguntando:
Super Blind - Quem precisa dos meus préstimos?
Narrador - Uma voz meiga e dengosa respondeu-lhe:
Voz Meiga e Dengosa - Fui eu quem o chamou, Super Blind!
Super Blind - Em que posso ajudá-la, doce pequena?
Doce Pequena - M-meu gatinho, Super Blind!
Super Blind - Seu gatinho? O que houve com seu gatinho, donzela?
Donzela - Ele subiu naquela árvore e não sabe como descer!
Super Blind - E por que você não subiu na árvore para tirá-lo de lá, belezura?
Belezura - É que papai diz que pode ser perigoso!
Super Blind - Hum! Tudo bem! Deixe comigo, boneca!
Boneca - Você vai salvá-lo, não vai, Super Blind?
Super Blind - Claro! Mas preciso de sua ajuda, minha linda!
Linda do Super Blind - É só dizer o que tenho que fazer, Super Blind!
Super Blind - Leve-me até a árvore onde está o gatinho, fofa!
Narrador - Fofa, segurando o Super Blind pelo braço, venha!
Super Blind - Por favor, deixe que eu seguro em seu ombro, garota!
Garota - Está bem, Super Blind!
Narrador - O Super Blind foi conduzido até o tronco da árvore que o gatinho havia subido. Durante o trajeto percebeu que a moça tinha o ombro "forrado", isto é, não era daqueles que são "osso-puro", o que lhe dava a certeza que a menina era gordinha. Assim que chegou, subiu pelo tronco e, guiando-se pelos miados do
bichano, alcançou o galho no qual estava o animalzinho. Segurou-o delicadamente, mas não tanto, pois super-herói não pode se dar a esses luxos, o enrolou em sua capa e desceu da árvore. Ao chegar embaixo, a moça o abraçou, deu-lhe um beijinho no rosto e suspirou:
Moça - Obrigado, meu herói!
Super Blind - De nada, mocinha... Super-herói é pra essas coisas mesmo!
Narrador - Nosso herói desembrulhou o gato da sua capa vermelha e o entregou à mocinha.
Mocinha - Oh, meu gatinho! Como posso retribuir-lhe o favorzinho, Super Blind?
Super Blind - Deixando-me usar o sanitário, dona!
Dona - Tá assim precisado?
Super Blind - É que ontem comi um caruru na barraca da Filó e ela abusou da castanha, querida!
Querida - Eu entendo! Venha, pegue em meu ombro que vou guiá-lo até o banheiro!
Narrador - Super Blind novamente segurou naquele ombro de seda. Ao chegarem ao WC, a moça abriu a porta,
acendeu a luz e disse ao nosso herói:
Moça - À esquerda está a pia e após esta o vaso! Fique à vontade! Vou fazer um chá de banana verde pra você!
Narrador - Super Blind trancou a porta e disse a palavra mágica, voltando a ser o Lui Macpos e encontrar-se
na mesma situação em que estava antes de atender ao pedido de socorro da garota... Até a revistinha do Blind Kid reapareceu em sua mão. Procurou onde ficava o papel higiênico e descobriu que este estava à direita do vaso... de quem senta! Meia hora depois, aliviado, Lui pronunciou a palavra mágica e voltou a ser o Super Blind e foi cuidar da higiene pós-pumpum! Achou a torneira, lavou as mãos, procurou a toalha, enxugou as mãos no traje, ajeitou os óculos escuros, abriu a porta e... o fedor tomou conta da casa! Seu superolfato não o enganara... Estava podre mesmo! Deu um tempo e chamou a menina:
Super Blind - Menina! Menina!
Narrador - A moça chegou ao seu lado, prendeu a respiração, apagou a luz do banheiro e disse-lhe:
Menina - Venha, Super Blind! O chá já está pronto e vai segurar seu intestino!
Super Blind - Que bom! Dor de barriga em super-herói não está em nenhum gibi! Ahahahahahahahahah!
Menina - É verdade!... Nem nos desenhos animados! Hahahahhahahah!
Narrador - E assim, sorrindo, a mocinha o conduziu até uma mesa e colocou a mão do Super Blind no espaldar de uma cadeira. Ele sentou, puxando a cadeira mais para frente e tateou com cuidado a mesa até encontrar a xícara. O chá cheirava a cravo e banana e tinha um sabor agradável! Super Blind, espertamente curioso, disse:
Super Blind - Muito obrigado, Senhorita...
Senhorita - Lara Mara!
Super Blind - Que interessante!
Lara Mara - O que achou interessante em meu nome?
Super Blind - A coincidência!
Lara - Que coincidência? Não entendi!
Super Blind - É que tenho um amigo chamado Lui Macpos, entendeu agora?
Lara - Claro! A coincidência das iniciais do meu nome e do dele, né?
Super Blind - Já vi que você não é loura! Ahahahahah!
Lara - Pior é que sou... E legítima! Hahahhahahhaha!
Super Blind - Eu estou só brincando... nada contra as louras... nem morenas... nem negras!
Lara - Eu sei! Eu também, só de sacanagem, brinco com as louras! Hahhahahhahahha!
Super Blind - Ahahahahhahahhahah! Lara, o papo está ótimo, mas tenho que ir... O dever me chama!
Lara - É cedo! Tome mais uma xícara de chá! Vai lhe fazer bem!
Super Blind - Já que você insiste e a companhia é agradável, tomarei mais uma xícara!
Lara - Que bom, quero dizer, obrigada!
Super Blind - Assim que acabar irei embora!
Lara - E quando o verei de novo?
Super Blind - Quando precisar de mim é só chamar!
Lara - Farei isto! Tomara que o Pipo suba novamente numa árvore! Hahahhahahhahah!
Super Blind - Ahahahahahah! Você esqueceu uma coisinha!
Lara - Que coisinha?
Super Blind - "Gato escaldado tem medo de água fria!" Ahahahahaha!
Lara - É mesmo! Hahhahahhahhaha!
Super Blind - Bem, vamos lá!
Narrador - Lara Mara colocou-se diante do Super Blind que segurou em seu ombro e foi levado ao quintal aonde AKilah o esperava. Akilah abaixou-se e nosso herói subiu em suas costas.
Super Blind - Que bairro é este, Lara Mara?
Lara - Nós estamos em Itapuan... Perto da Lagoa do Abaeté!
Super Blind - Certo! Até mais ver, Lara... Foi um prazer conhecê-la!
Lara - O prazer foi meu, Super Blind... Espero revê-lo breve! Até outro dia e grata pela força!
Super Blind - Aiôôôô, Akilah... Para cima!
Narrador - Lara Mara ficou olhando o Super Blind e sua galinha gigante voadora sobrevoar os coqueiros de
Itapuan, até que desaparecessem na linha do horizonte!
FIM
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Minhas Férias em Nazaré - Parte I (Crônica)
Luís Campos (Blind Joker)
As reminiscências da Odetinha e do seu irmão me fizeram lembrar as férias que passava em Nazaré das Farinhas, cidade do recôncavo baiano, na qual nasci, mas morei apenas uns dois anos, pois vim ainda pequeno com meus familiares residir em Salvador.
As viagens, das quais lembro claramente, já eram uma "viagem". Elascomeçaram, salvo engano, quando eu tinha uns cinco anos. Como meu pai era funcionário público, alguns dos meus irmãos mais velhos nasceram em cidades do interior da Bahia. Nesta época, embora toda a família residisse em Salvador, meu pai viajava semanalmente a Nazaré, onde além de trabalhar, era vereador. Lembro que ele ia para lá na segunda ou terça, retornando na sexta ou no sábado e isso até 1965, quando aposentou-se e ficou definitivamente em casa.
Em Nazaré eu ficava na casa de Vanda, minha madrinha, ou na casa de Leonor, uma afilhada dos meus pais. As duas disputavam quem iria me hospedar: eu devia ser umagraça, né? (Risos)
Das gratas recordações que tenho destes dias em Nazaré das Farinhas, estão as fériaspassadas na casa de Leonor. Nós dormíamos no sótão. Era muito legal ficar lá de cima olhando para a cidade cortada pelo Rio Jaguaripe, tanto de dia, quanto pela noite. Lá de cima eu via a Ponte da Conceição e a da Muritiba que ligavam os dois lados da cidade. Eu ficava fascinado com a passagem dos poucos carros, das carroças, dos aguadeiros, dos cavaleiros e amazonas, dos burros e jegues com seus "panacuns ou caçuás" cheios de cargas diversas, de gente andando pra lá e pra cá e, o mais gostoso, a chegada e a partida do trem, com seu apito estridente e inesquecível.
Lembro de haver presenciado uma das enchentes do Rio Jaguaripe e de ter gostado de ver a agitação que tomou conta dos habitantes locais. Naquela idade não tinhanoção dos prejuízos causados por uma cheia, tudo é festa. As águas revoltas traziam galhos, pequenas árvores, animais mortos, móveis e outras tralhas que não lembro. Quando o rio baixava os moradores faziam a limpeza da lama que o rio deixara nas casas, ruas e calçadas às margens deste. Para mim, sendo criança, era um espetáculo.
Além dessa "diversão", quase todas as tardes subia um morro de barro que ficava numa rua atrás da casa de Leonor para descê-lo sentado sobre uma pequena tábua. Eu chegava em casa com o short da cor de barro. Outra maravilha eram os pirulitos de caramelo que a mãe de Leonor fazia, chamados de "chorêtes".Quando a calda do caramelo estava "no ponto", era despejada em duas formas de chumbo que eram prensadas para dar os formatos que se queria: boneco, porco, chupeta, elefante, flor, corneta, coelho, cachimbo, rinoceronte... e outros que não lembro. Os sabores também variavam: laranja, morango, goiaba e jenipapo.Depois de "duros", eram passados no açúcar cristal. Lembro das deliciosas cocadas de goiaba e coco; das balas de jenipapo e goiaba; das rapaduras com coco e das bolachinhas de goma. Haja apetite... e olho grande.Quase toda a "produção" ia para as "vendas" (denominação dada aos pequenos armazéns nesta época).
Tinha também as brincadeiras noturnas: tubarão (dono do passeio); roda (ciranda); pega-pega; chicotinho queimado; batalhão... entre tantas cuja idade faz esquecer.
Vez por outra me armava de uma vara fininha e dizia que ia pescar no Jaguaripe que passava defronte da casa de Leonor e, nesta parte, era bem raso. Nunca pesquei nada,apenas alimentava os peixes com as minhocas. Mas lembro que eu mesmo fazia o anzol com um alfinete que Dona Lourdes me dava. Nestas ocasiões eu aproveitava para, "sem querer", molhar-me bastante, sendo "obrigado" a tomar um banho nas águas mornas do rio. Mas a culpa era dos peixinhos que, "ao pularem na água", me molhavam. Leonor apenas sorria e me levava pro banho.
Também gostava de ir à feira com ela: comia um monte de guloseimas que ela comprava pra mim. Perto da casa dela havia uma quadra com algumas "vendas" e eu ia pracomprar besteiras com as moedas que ela me dava. Um dos seus irmãos fazia pequenos caminhões de madeira que eram muito bacanas de brincar, pois tinham um varão que saía da carroceria, logo atrás da cabine e tinha um pequeno volante que comandava o eixo dianteiro permitindo as manobras e curvas. Eu sempre estava "viajando"pelas estradas deste nosso rincão, carregado de pedras que "eram" mercadorias diversas, isto é, açúcar, farinha, fumo, café, dendê e "algodão".
Minha madrinha Vanda residia do outro lado do rio, no bairro do Batatan.Ela era solteira e morava com a mãe, Dona Zozó, uma tia, Dedé, e duas irmãs, Alaíde e Zozó. Quando estava em sua casa, as brincadeiras eram um pouco diferentes daquelas que brincava quando ficava com Leonor.
O quintal era grande e comprido e tinha muitas árvores, principalmente o fruta-pão. Como o tronco deste dividia-se em vários outros, deixando um espaço entre estes, eu brincava ali de maquinista e no meu "trem" imaginava longas viagens pelo interior daBahia. Algumas vezes virava padeiro, fazendo do fruta-pão ainda por formar-se (é comprido, fino e amarelo, antes de virar aquela "bola") de pão. Abria este "pão" e colocava "manteiga" (polpa de fruta-pão podre) e colocava à venda para meus fregueses imaginários, pois sempre brincava sozinho. Suas grandes folhasverde-escuro serviam como dinheiro. Areia era farinha ou açúcar, tijolo em pó virava coloral, pequenos galhos faziam às vezes de carne, outras de aipim. Eu era "dono do negócio" e freguês, ao mesmo tempo. Tudo era mágico para minha fértil e infantil criatividade.
Também pescava camarão num pequeno rio que desaguava no Jaguaripe e passava nos fundos da casa de Zozó, uma das irmãs de minha madrinha que havia casado. Metendo a mão por baixo das pedras conseguia pegar uma meia dúzia de pequenos camarões e levava pra minha madrinha fazer uma "moqueca"... e ela fazia! (Risos)
Este mesmo rio , ali perto, mas onde não havia casas, era largo e tinha um local chamado de "Louro", onde os homens tomavam banho nus.Um pouco mais adiante era o "poço das moças"... e eu e alguns amiguinhos sempre íamos, escondidos pela folhagem, dar uma espiadinha. Infelizmente a maioria das mulheres banhavam-se de calcinhas.
De vez em quando passava uma boiada na frente da casa de minha madrinha. Era um tal de correr gente pra dentro das vendas. Eu ficava na alta janela da casa pra ver osbois passarem, nem sempre obedecendo o aboio dos vaqueiros e ameaçando entrar nas vendas, sendo enxotados pelos fregueses.
Os trilhos da ferrovia passavam bem no meio da rua que ela morava e todos os dias o trem vinha de Jequié pela madrugada e retornava ao meio-dia.Era curioso ver o trem passar na frente da casa, todos os dias, puxado por uma locomotiva e uma outra atrás ajudando a empurrar os vagões. Dizem que era porque uma só não agüentaria puxá-los ao subir uma ladeira que havia no Onha, um dos distritos de Nazaré.
Em Nazaré ficava uma das oficinas de manutenção dos trens e eu gostava de olhar aquele monte de rodas, locomotivas e vagões "aposentados", pedaços de trilho,dormentes e os troles (um retângulo de madeira montado sobre rodas de trem e que era movido pelos homens que iam neles e serviam para realizar pequenos consertos na ferrovia). Perto da dali ficavam a fábrica de dendê e a de tecido. Mais uma festa para meus olhos.
Ao lado da casa de minha madrinha havia uma grande igreja, a qual, para mim, tinha aspecto fantasmagórico. Eu ficava com medo dos "imensos" morcegos que toda noite saíam e entravam em suas torres.
Quando eu urinava na cama e ela me perguntava se fizera isto,dizia-lhe que fora a chuva... como chovia em Nazaré! (Risos)
A tia dela, Dona Dedé, fazia bolachinhas de goma para vender. Eram assadas num enorme fogão a lenha, em grandes bandejas quadradas. Antes mesmo que asbolachinhas fossem ao forno, eu "roubava" algumas e fugia para comer no quintal. Dona Dedé nunca reclamou comigo e ainda me dava algumas já assadas. Doces lembranças!
Alaíde me levava pra escola que ela ensinava e que distava uma légua de sua casa. Lá, enquanto ela dava aula, eu brincava nos arredores da escola, subindo em árvores e comendo ingá. Mas, vez por outra "assistia" às aulas... nunca obrigado.
Muitas vezes, com alguns amigos, acompanhava os aguadeiros até afonte de "água de beber" e os ajudávamos a encher os barris para ganharmos uma "voltinha" no jegue. Além desta folia, a gente subia nos pés de cajus para pegarmos alguns. Na volta eu passava numa espécie de garagem e o senhor que guardava enormes vasilhames de bronze com garapa de cana para fazer cachaça e rapadura, me dava um pouco para levar pra casa e que eu comia com farinha. Uma delícia!
Outro divertimento era andar equilibrando-se sobre um dos trilhos ou então pulando de dormente em dormente. Ver carros de boi, carroças, burros de carga, gente grande e pequena, os aguadeiros e o trem passar, era uma alegria para meus olhos de criança. Ainda lembro os nomes de alguns bairros de minha cidade natal: Cortume, Muritiba, Morugus,Apaga-Fogo, camamu, Cidade Palha, Batatan, Conceição, Pasto da Serra, Volta do Tanque, Caminho dos Remédios, Catiara, Alto do São José, Ladeira Grande e Centro. Algumas vezes ia com minha madrinha ao "Remédio" para tomar banho no rio Jaguaripe. O local era cheio de pedras, o que contribuía para que a diversão fosse mais gostosa e lúdica.
Lembro de haver participado de umas duas procissões de São Roque e Nossa Senhora da Purificação de Nazaré, nas quais, para acompanhar os cânticos e louvores do povo, contava-se com os músicos da Filarmônica Erato Nazarena.
Também comprava muitas miniaturas na famosa Feira de Caxixis que acontece durante a Semana Santa, sendo a maior atração turística da Cidade nesta época e é "armada" na frente do tradicional Mercado dos Arcos (onde se vendia todo tipo de farinha ede tapioca) e na margem do Rio, próximo da Ponte da Muritiba.
Logo em seguida vem a Micareta (espécie de carnaval fora de época) que começa no Sábado de Aleluia e dura três dias.
Não poderia terminar esta crônica sem convidá-los a visitar esta cidade histórica para conhecer seus casarões coloniais, suas igrejas centenárias e suas travessas e becos de casas desalinhadas como se fazia no século XIX. Não esqueça de visitar o monumento "Jesus de Nazaré" e o santuário que fica abaixo deste com suas esculturas feitas em barro, lembrando a via sacra e ornando o caminho que conduz ao Cristo. Também é em Nazaré que está o Cinema Rio Branco, um dos mais antigos cinemas da América Latina, ainda em funcionamento, que foi comprado e reformado pelo jogador nazareno, Vampeta.
Nazaré também é pródiga nas artes e na literatura, mas isto é tema para uma futura crônica.
Continua...
As reminiscências da Odetinha e do seu irmão me fizeram lembrar as férias que passava em Nazaré das Farinhas, cidade do recôncavo baiano, na qual nasci, mas morei apenas uns dois anos, pois vim ainda pequeno com meus familiares residir em Salvador.
As viagens, das quais lembro claramente, já eram uma "viagem". Elascomeçaram, salvo engano, quando eu tinha uns cinco anos. Como meu pai era funcionário público, alguns dos meus irmãos mais velhos nasceram em cidades do interior da Bahia. Nesta época, embora toda a família residisse em Salvador, meu pai viajava semanalmente a Nazaré, onde além de trabalhar, era vereador. Lembro que ele ia para lá na segunda ou terça, retornando na sexta ou no sábado e isso até 1965, quando aposentou-se e ficou definitivamente em casa.
Em Nazaré eu ficava na casa de Vanda, minha madrinha, ou na casa de Leonor, uma afilhada dos meus pais. As duas disputavam quem iria me hospedar: eu devia ser umagraça, né? (Risos)
Das gratas recordações que tenho destes dias em Nazaré das Farinhas, estão as fériaspassadas na casa de Leonor. Nós dormíamos no sótão. Era muito legal ficar lá de cima olhando para a cidade cortada pelo Rio Jaguaripe, tanto de dia, quanto pela noite. Lá de cima eu via a Ponte da Conceição e a da Muritiba que ligavam os dois lados da cidade. Eu ficava fascinado com a passagem dos poucos carros, das carroças, dos aguadeiros, dos cavaleiros e amazonas, dos burros e jegues com seus "panacuns ou caçuás" cheios de cargas diversas, de gente andando pra lá e pra cá e, o mais gostoso, a chegada e a partida do trem, com seu apito estridente e inesquecível.
Lembro de haver presenciado uma das enchentes do Rio Jaguaripe e de ter gostado de ver a agitação que tomou conta dos habitantes locais. Naquela idade não tinhanoção dos prejuízos causados por uma cheia, tudo é festa. As águas revoltas traziam galhos, pequenas árvores, animais mortos, móveis e outras tralhas que não lembro. Quando o rio baixava os moradores faziam a limpeza da lama que o rio deixara nas casas, ruas e calçadas às margens deste. Para mim, sendo criança, era um espetáculo.
Além dessa "diversão", quase todas as tardes subia um morro de barro que ficava numa rua atrás da casa de Leonor para descê-lo sentado sobre uma pequena tábua. Eu chegava em casa com o short da cor de barro. Outra maravilha eram os pirulitos de caramelo que a mãe de Leonor fazia, chamados de "chorêtes".Quando a calda do caramelo estava "no ponto", era despejada em duas formas de chumbo que eram prensadas para dar os formatos que se queria: boneco, porco, chupeta, elefante, flor, corneta, coelho, cachimbo, rinoceronte... e outros que não lembro. Os sabores também variavam: laranja, morango, goiaba e jenipapo.Depois de "duros", eram passados no açúcar cristal. Lembro das deliciosas cocadas de goiaba e coco; das balas de jenipapo e goiaba; das rapaduras com coco e das bolachinhas de goma. Haja apetite... e olho grande.Quase toda a "produção" ia para as "vendas" (denominação dada aos pequenos armazéns nesta época).
Tinha também as brincadeiras noturnas: tubarão (dono do passeio); roda (ciranda); pega-pega; chicotinho queimado; batalhão... entre tantas cuja idade faz esquecer.
Vez por outra me armava de uma vara fininha e dizia que ia pescar no Jaguaripe que passava defronte da casa de Leonor e, nesta parte, era bem raso. Nunca pesquei nada,apenas alimentava os peixes com as minhocas. Mas lembro que eu mesmo fazia o anzol com um alfinete que Dona Lourdes me dava. Nestas ocasiões eu aproveitava para, "sem querer", molhar-me bastante, sendo "obrigado" a tomar um banho nas águas mornas do rio. Mas a culpa era dos peixinhos que, "ao pularem na água", me molhavam. Leonor apenas sorria e me levava pro banho.
Também gostava de ir à feira com ela: comia um monte de guloseimas que ela comprava pra mim. Perto da casa dela havia uma quadra com algumas "vendas" e eu ia pracomprar besteiras com as moedas que ela me dava. Um dos seus irmãos fazia pequenos caminhões de madeira que eram muito bacanas de brincar, pois tinham um varão que saía da carroceria, logo atrás da cabine e tinha um pequeno volante que comandava o eixo dianteiro permitindo as manobras e curvas. Eu sempre estava "viajando"pelas estradas deste nosso rincão, carregado de pedras que "eram" mercadorias diversas, isto é, açúcar, farinha, fumo, café, dendê e "algodão".
Minha madrinha Vanda residia do outro lado do rio, no bairro do Batatan.Ela era solteira e morava com a mãe, Dona Zozó, uma tia, Dedé, e duas irmãs, Alaíde e Zozó. Quando estava em sua casa, as brincadeiras eram um pouco diferentes daquelas que brincava quando ficava com Leonor.
O quintal era grande e comprido e tinha muitas árvores, principalmente o fruta-pão. Como o tronco deste dividia-se em vários outros, deixando um espaço entre estes, eu brincava ali de maquinista e no meu "trem" imaginava longas viagens pelo interior daBahia. Algumas vezes virava padeiro, fazendo do fruta-pão ainda por formar-se (é comprido, fino e amarelo, antes de virar aquela "bola") de pão. Abria este "pão" e colocava "manteiga" (polpa de fruta-pão podre) e colocava à venda para meus fregueses imaginários, pois sempre brincava sozinho. Suas grandes folhasverde-escuro serviam como dinheiro. Areia era farinha ou açúcar, tijolo em pó virava coloral, pequenos galhos faziam às vezes de carne, outras de aipim. Eu era "dono do negócio" e freguês, ao mesmo tempo. Tudo era mágico para minha fértil e infantil criatividade.
Também pescava camarão num pequeno rio que desaguava no Jaguaripe e passava nos fundos da casa de Zozó, uma das irmãs de minha madrinha que havia casado. Metendo a mão por baixo das pedras conseguia pegar uma meia dúzia de pequenos camarões e levava pra minha madrinha fazer uma "moqueca"... e ela fazia! (Risos)
Este mesmo rio , ali perto, mas onde não havia casas, era largo e tinha um local chamado de "Louro", onde os homens tomavam banho nus.Um pouco mais adiante era o "poço das moças"... e eu e alguns amiguinhos sempre íamos, escondidos pela folhagem, dar uma espiadinha. Infelizmente a maioria das mulheres banhavam-se de calcinhas.
De vez em quando passava uma boiada na frente da casa de minha madrinha. Era um tal de correr gente pra dentro das vendas. Eu ficava na alta janela da casa pra ver osbois passarem, nem sempre obedecendo o aboio dos vaqueiros e ameaçando entrar nas vendas, sendo enxotados pelos fregueses.
Os trilhos da ferrovia passavam bem no meio da rua que ela morava e todos os dias o trem vinha de Jequié pela madrugada e retornava ao meio-dia.Era curioso ver o trem passar na frente da casa, todos os dias, puxado por uma locomotiva e uma outra atrás ajudando a empurrar os vagões. Dizem que era porque uma só não agüentaria puxá-los ao subir uma ladeira que havia no Onha, um dos distritos de Nazaré.
Em Nazaré ficava uma das oficinas de manutenção dos trens e eu gostava de olhar aquele monte de rodas, locomotivas e vagões "aposentados", pedaços de trilho,dormentes e os troles (um retângulo de madeira montado sobre rodas de trem e que era movido pelos homens que iam neles e serviam para realizar pequenos consertos na ferrovia). Perto da dali ficavam a fábrica de dendê e a de tecido. Mais uma festa para meus olhos.
Ao lado da casa de minha madrinha havia uma grande igreja, a qual, para mim, tinha aspecto fantasmagórico. Eu ficava com medo dos "imensos" morcegos que toda noite saíam e entravam em suas torres.
Quando eu urinava na cama e ela me perguntava se fizera isto,dizia-lhe que fora a chuva... como chovia em Nazaré! (Risos)
A tia dela, Dona Dedé, fazia bolachinhas de goma para vender. Eram assadas num enorme fogão a lenha, em grandes bandejas quadradas. Antes mesmo que asbolachinhas fossem ao forno, eu "roubava" algumas e fugia para comer no quintal. Dona Dedé nunca reclamou comigo e ainda me dava algumas já assadas. Doces lembranças!
Alaíde me levava pra escola que ela ensinava e que distava uma légua de sua casa. Lá, enquanto ela dava aula, eu brincava nos arredores da escola, subindo em árvores e comendo ingá. Mas, vez por outra "assistia" às aulas... nunca obrigado.
Muitas vezes, com alguns amigos, acompanhava os aguadeiros até afonte de "água de beber" e os ajudávamos a encher os barris para ganharmos uma "voltinha" no jegue. Além desta folia, a gente subia nos pés de cajus para pegarmos alguns. Na volta eu passava numa espécie de garagem e o senhor que guardava enormes vasilhames de bronze com garapa de cana para fazer cachaça e rapadura, me dava um pouco para levar pra casa e que eu comia com farinha. Uma delícia!
Outro divertimento era andar equilibrando-se sobre um dos trilhos ou então pulando de dormente em dormente. Ver carros de boi, carroças, burros de carga, gente grande e pequena, os aguadeiros e o trem passar, era uma alegria para meus olhos de criança. Ainda lembro os nomes de alguns bairros de minha cidade natal: Cortume, Muritiba, Morugus,Apaga-Fogo, camamu, Cidade Palha, Batatan, Conceição, Pasto da Serra, Volta do Tanque, Caminho dos Remédios, Catiara, Alto do São José, Ladeira Grande e Centro. Algumas vezes ia com minha madrinha ao "Remédio" para tomar banho no rio Jaguaripe. O local era cheio de pedras, o que contribuía para que a diversão fosse mais gostosa e lúdica.
Lembro de haver participado de umas duas procissões de São Roque e Nossa Senhora da Purificação de Nazaré, nas quais, para acompanhar os cânticos e louvores do povo, contava-se com os músicos da Filarmônica Erato Nazarena.
Também comprava muitas miniaturas na famosa Feira de Caxixis que acontece durante a Semana Santa, sendo a maior atração turística da Cidade nesta época e é "armada" na frente do tradicional Mercado dos Arcos (onde se vendia todo tipo de farinha ede tapioca) e na margem do Rio, próximo da Ponte da Muritiba.
Logo em seguida vem a Micareta (espécie de carnaval fora de época) que começa no Sábado de Aleluia e dura três dias.
Não poderia terminar esta crônica sem convidá-los a visitar esta cidade histórica para conhecer seus casarões coloniais, suas igrejas centenárias e suas travessas e becos de casas desalinhadas como se fazia no século XIX. Não esqueça de visitar o monumento "Jesus de Nazaré" e o santuário que fica abaixo deste com suas esculturas feitas em barro, lembrando a via sacra e ornando o caminho que conduz ao Cristo. Também é em Nazaré que está o Cinema Rio Branco, um dos mais antigos cinemas da América Latina, ainda em funcionamento, que foi comprado e reformado pelo jogador nazareno, Vampeta.
Nazaré também é pródiga nas artes e na literatura, mas isto é tema para uma futura crônica.
Continua...
Minhas Férias em Nazaré - Parte II (Crônica)
Luís Campos (Blind Joker)
Hoje falarei da viagem a Nazaré que, além de lúdica, era deslumbrante para os meus cinco anos.
Sempre fazia esta viagem com meu pai. De marinete (jardineira, em alguns lugares), apelido aqui na Bahia e talvez no Brasil, entre as décadas de 50 e a de 60, daqueles ônibus com a frente de caminhão e íamos até a Baiana (como era chamada a estação marítima da Companhia Baiana de Navegação). Ali, embarcávamos num navio a vapor (lembro dos pequenos "João das Botas e do Mascote, depois substituídos pelos navios Itaparica e Maragojipe, maiores e mais modernos), hoje sucateados. Nem sei se ainda resta alguma coisa deles.
Diariamente um destes fazia o trajeto entre Salvador e o porto de São Roque, indo pela manhã bem cedo e retornando com o povo que o trem trazia desde Jequié. São Roque era o porto final para quem, indo de Salvador, tinha como destino as cidades cortadas pelos trilhos da "Estrada de Ferro de Nazaré", cujo ponto final era Jequié. Esta ferrovia teve seu primeiro trecho inaugurado em 1871 e estendida de Nazaré a São
Roque em 1875, sendo o principal meio de transporte da produção daqueles municípios, bem como de sua gente.
Durante a travessia o navio parava no meio do mar, em um lugar do qual não recordo o nome, para que algumas pessoas saltassem e outras embarcassem. Deste povoado à beira-mar, vinha uma canoa, encostava no navio e estas operações eram realizadas. Quando esta estava a uma distância segura, o navio continuava sua viagem.
Muitos passageiros postavam-se na balaustrada do convés para verem essa curiosa operação. Creio que este povoado era na Ilha de Itaparica, bem como um local que era chamado de "Loca da Sereia", do qual se dizia haver sereias que encantavam os marinheiros e os levava para o fundo do mar. Eu ficava apavorado cada vez que o navio passava por ali.
Acho que a viagem durava umas duas horas. Quando o navio atracava em São Roque, antes mesmo de serem colocadas as pranchas de desembarque, alguns homens, afoitos, pulavam do navio para o cais, desafiando o perigo (vez por outra algum caía no mar morrendo afogado ou esmagado pela embarcação), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria aos nossos destinos e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas".
Neste porto havia diversos montes de manganês que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem, em navios ou barcos. De caminhão é que não era, pois ainda não havia qualquer rodovia naqueles lados.
São Roque era o paraíso dos glutões. Era a maior festa, não só para os olhos como para o estômago, a "Feira de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea. Do trem podia admirar-se o colorido das roupas, das comidas e o festival gastronômico de São Roque, capaz de dar inveja aos atuais. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontravam-se ali: amendoim cozido e assado;siris e caranguejos; feijoada; macarronada; churrasco (de gato); peixe frito, assado ou de muqueca; mocotó; assado de boi; farofa; arroz branco; acarajé, abará e acaçá; verduras; legumes;saladas; sucos diversos; frutas da época; "gasosas e sodas"; cachaça e as infusões chamadas "fôia-pôde".
Bolachas; biscoitos de goma; sucrilhos; queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo de laranja e chocolate; pamonha de milho e puba; arroz-doce; batata-doce; aipim cozido; mungunzá; lelê e canjica (curau); doces em calda e secos; cocadas; rapadura; caldo de cana; pães doces e "de sal"; queijo e requeijão; leite e o famoso e tradicional "cafezinho"... isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira" havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer ser vivente.
O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, o latido dos cães, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio, do outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à fértil imaginação.
Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho. Meu pai sorria ao me ver, como ele dizia, "encher a pança", embora ele comesse tanto quanto eu. Após ele tomar um cafezinho, subíamos no trem. Lá dentro nos abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão que ficava logo atrás do "tênder" (carro que vem logo atrás da locomotiva e carrega água, lenha ou carvão) Neste vagão viajavam os políticos, funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem" e autoridades dos municípios nos quais este passava.
A viagem até Nazaré durava cerca de uma hora, eu acho. Lembro também de algumas mulheres que usavam "torsos" (espécie de turbante, feitos com toalha), acho que para protegerem o cabelo da fuligem que era expelida pela chaminé da locomotiva, mas que só penetrava nos vagões da "segunda classe" em diante, isto é, os últimos vagões do comboio.
A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes, pastos, cavalos, bois, vacas, bodes, cabras, Cães, gatos, aves e pequenos animais silvestres enfeitavam o festivo panorama. Casas, cobertas de palhas ou de telhas, pequenas, grandes, rústicas ou bem acabadas, de "sopapo"ou de tijolos, cercas. Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera. E nos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao trajeto do comboio. Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos a Nazaré, cobertos de poeira e, às vezes, também de fuligem. Se não me engano, além da "Maria-Fumaça" e do tênder, o trem era composto de sete vagões. Acho que tinha um ou dois vagões de carga.
Em Nazaré o trem ficava cerca de meia hora. Alguns passageiros desciam, outros embarcavam e logo a locomotiva saía bufando, rangendo as rodas, expelindo uma negra e grossa nuvem de fumaça e fuligem, arrastando vagarosamente seus vagões e sendo "ajudada" por uma outra locomotiva que era chamada de "Xereta",para que conseguisse subir a ladeira que havia entre Nazaré e Muniz Ferreira. Não sei se a "Xereta" acompanhava o comboio até Jequié, mas creio que sim, pois acho que tinham outras ladeiras nesta ferrovia.
Embora tenha falado na crônica anterior, não custa repetir algumas coisinhas: Nazaré é uma cidade histórica situada no Recôncavo baiano às margens do Rio Jaguaripe. Foi fundada em 1572 e aniversaria a 10 de novembro. É uma das mais antigas cidades do Brasil.
Sua tradicional festa é a secular "Feira de Caxixis", que ocorre na Semana Santa e é instalada na Praça dos Arcos.
Nesta época Nazaré se enche de turistas de todo o País, bem como de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias de Maragojipinho, Aratuípe e regiões próximas, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. Muita gente leva as "miniaturas" como souvenir, para amigos, filhos e netos.
Tem aqueles que vão apenas "olhar" e os que vão comprar as "utilidades para o lar", como, por exemplo, as moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos, com qualidade e beleza.
Muitos dos visitantes permanecem na Cidade após o término da Feira dos Caxixis, pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta".
A Micareta é um carnaval "fora-de-época" que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho. As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a folia.
Também há blocos, batucadas, caretas, folião "pipoca", além de muita bebida e comida... num clima de alegria e "descompromissos".
Qualquer dia conto mais!ou esmagado pela embarcação), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria aos nossos destinos e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas".
Neste porto havia diversos montes de manganês que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem, em navios ou barcos. De caminhão é que não era, pois ainda não havia qualquer rodovia naqueles lados.
São Roque era o paraíso dos glutões. Era a maior festa, não só para os olhos como para o estômago, a "Feira
de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea.
Do trem podia admirar-se o colorido das roupas, das comidas e o festival gastronômico de São Roque, capaz de dar inveja aos atuais. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontravam-se ali: amendoim cozido e assado; siris e caranguejos; feijoada; macarronada; churrasco (de gato); peixe frito, assado ou de muqueca; mocotó; assado de boi; farofa; arroz branco; acarajé, abará e acaçá; verduras; legumes;
saladas; sucos diversos; frutas da época; "gasosas e sodas"; cachaça e as infusões chamadas "fôia-pôde".
Bolachas; biscoitos de goma; sucrilhos; queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo
de laranja e chocolate; pamonha de milho e puba; arroz-doce; batata-doce; aipim cozido; mungunzá; lelê e
canjica (curau); doces em calda e secos; cocadas; rapadura; caldo de cana; pães doces e "de sal"; queijo e
requeijão; leite e o famoso e tradicional "cafezinho"... isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira"
havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer ser vivente.
O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, o latido dos cães, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio, do outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à fértil imaginação.
Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho. Meu pai sorria ao me ver, como ele dizia, "encher a pança", embora ele comesse tanto quanto eu. Após ele tomar um cafezinho, subíamos no trem. Lá dentro nos abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão que ficava logo atrás do "tênder" (carro que vem logo atrás da locomotiva e carrega água, lenha ou carvão) Neste vagão viajavam os políticos, funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem" e autoridades dos municípios nos quais este passava.
A viagem até Nazaré durava cerca de uma hora, eu acho. Lembro também de algumas mulheres que usavam "torsos" (espécie de turbante, feitos com toalha), acho que para protegerem o cabelo da fuligem que era expelida pela chaminé da locomotiva, mas que só penetrava nos vagões da "segunda classe" em diante, isto é, os últimos vagões do comboio.
A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes,
pastos, cavalos, bois, vacas, bodes, cabras, Cães, gatos, aves e pequenos animais silvestres enfeitavam o
festivo panorama. Casas, cobertas de palhas ou de telhas, pequenas, grandes, rústicas ou bem acabadas, de
"sopapo"ou de tijolos, cercas. Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam
sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera. E nos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao trajeto do comboio. Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos a Nazaré, cobertos de poeira e, às vezes, também de fuligem. Se não me engano, além da "Maria-Fumaça" e do tênder, o trem era composto de sete vagões. Acho que tinha um ou dois vagões de carga.
Em Nazaré o trem ficava cerca de meia hora. Alguns passageiros desciam, outros embarcavam e logo a
locomotiva saía bufando, rangendo as rodas, expelindo uma negra e grossa nuvem de fumaça e fuligem,
arrastando vagarosamente seus vagões e sendo "ajudada" por uma outra locomotiva que era chamada de "Xereta", para que conseguisse subir a ladeira que havia entre Nazaré e Muniz Ferreira. Não sei se a "Xereta"
acompanhava o comboio até Jequié, mas creio que sim, pois acho que tinham outras ladeiras nesta ferrovia.
Embora tenha falado na crônica anterior, não custa repetir algumas coisinhas: Nazaré é uma cidade histórica situada no Recôncavo baiano às margens do Rio Jaguaripe. Foi fundada em 1572 e aniversaria a 10 de novembro. É uma das mais antigas cidades do Brasil.
Sua tradicional festa é a secular "Feira de Caxixis", que ocorre na Semana Santa e é instalada na Praça dos
Arcos.
Nesta época Nazaré se enche de turistas de todo o País, bem como de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias de Maragojipinho, Aratuípe e regiões próximas, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. Muita gente leva as "miniaturas" como souvenir, para amigos, filhos e netos.
Tem aqueles que vão apenas "olhar" e os que vão comprar as "utilidades para o lar", como, por exemplo, as
moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos, com qualidade e beleza.
Muitos dos visitantes permanecem na Cidade após o término da Feira dos Caxixis, pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta".
A Micareta é um carnaval "fora-de-época" que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho. As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a folia.
Também há blocos, batucadas, caretas, folião "pipoca", além de muita bebida e comida... num clima de alegria e "descompromissos".
Qualquer dia conto mais!
FIM
Hoje falarei da viagem a Nazaré que, além de lúdica, era deslumbrante para os meus cinco anos.
Sempre fazia esta viagem com meu pai. De marinete (jardineira, em alguns lugares), apelido aqui na Bahia e talvez no Brasil, entre as décadas de 50 e a de 60, daqueles ônibus com a frente de caminhão e íamos até a Baiana (como era chamada a estação marítima da Companhia Baiana de Navegação). Ali, embarcávamos num navio a vapor (lembro dos pequenos "João das Botas e do Mascote, depois substituídos pelos navios Itaparica e Maragojipe, maiores e mais modernos), hoje sucateados. Nem sei se ainda resta alguma coisa deles.
Diariamente um destes fazia o trajeto entre Salvador e o porto de São Roque, indo pela manhã bem cedo e retornando com o povo que o trem trazia desde Jequié. São Roque era o porto final para quem, indo de Salvador, tinha como destino as cidades cortadas pelos trilhos da "Estrada de Ferro de Nazaré", cujo ponto final era Jequié. Esta ferrovia teve seu primeiro trecho inaugurado em 1871 e estendida de Nazaré a São
Roque em 1875, sendo o principal meio de transporte da produção daqueles municípios, bem como de sua gente.
Durante a travessia o navio parava no meio do mar, em um lugar do qual não recordo o nome, para que algumas pessoas saltassem e outras embarcassem. Deste povoado à beira-mar, vinha uma canoa, encostava no navio e estas operações eram realizadas. Quando esta estava a uma distância segura, o navio continuava sua viagem.
Muitos passageiros postavam-se na balaustrada do convés para verem essa curiosa operação. Creio que este povoado era na Ilha de Itaparica, bem como um local que era chamado de "Loca da Sereia", do qual se dizia haver sereias que encantavam os marinheiros e os levava para o fundo do mar. Eu ficava apavorado cada vez que o navio passava por ali.
Acho que a viagem durava umas duas horas. Quando o navio atracava em São Roque, antes mesmo de serem colocadas as pranchas de desembarque, alguns homens, afoitos, pulavam do navio para o cais, desafiando o perigo (vez por outra algum caía no mar morrendo afogado ou esmagado pela embarcação), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria aos nossos destinos e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas".
Neste porto havia diversos montes de manganês que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem, em navios ou barcos. De caminhão é que não era, pois ainda não havia qualquer rodovia naqueles lados.
São Roque era o paraíso dos glutões. Era a maior festa, não só para os olhos como para o estômago, a "Feira de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea. Do trem podia admirar-se o colorido das roupas, das comidas e o festival gastronômico de São Roque, capaz de dar inveja aos atuais. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontravam-se ali: amendoim cozido e assado;siris e caranguejos; feijoada; macarronada; churrasco (de gato); peixe frito, assado ou de muqueca; mocotó; assado de boi; farofa; arroz branco; acarajé, abará e acaçá; verduras; legumes;saladas; sucos diversos; frutas da época; "gasosas e sodas"; cachaça e as infusões chamadas "fôia-pôde".
Bolachas; biscoitos de goma; sucrilhos; queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo de laranja e chocolate; pamonha de milho e puba; arroz-doce; batata-doce; aipim cozido; mungunzá; lelê e canjica (curau); doces em calda e secos; cocadas; rapadura; caldo de cana; pães doces e "de sal"; queijo e requeijão; leite e o famoso e tradicional "cafezinho"... isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira" havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer ser vivente.
O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, o latido dos cães, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio, do outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à fértil imaginação.
Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho. Meu pai sorria ao me ver, como ele dizia, "encher a pança", embora ele comesse tanto quanto eu. Após ele tomar um cafezinho, subíamos no trem. Lá dentro nos abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão que ficava logo atrás do "tênder" (carro que vem logo atrás da locomotiva e carrega água, lenha ou carvão) Neste vagão viajavam os políticos, funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem" e autoridades dos municípios nos quais este passava.
A viagem até Nazaré durava cerca de uma hora, eu acho. Lembro também de algumas mulheres que usavam "torsos" (espécie de turbante, feitos com toalha), acho que para protegerem o cabelo da fuligem que era expelida pela chaminé da locomotiva, mas que só penetrava nos vagões da "segunda classe" em diante, isto é, os últimos vagões do comboio.
A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes, pastos, cavalos, bois, vacas, bodes, cabras, Cães, gatos, aves e pequenos animais silvestres enfeitavam o festivo panorama. Casas, cobertas de palhas ou de telhas, pequenas, grandes, rústicas ou bem acabadas, de "sopapo"ou de tijolos, cercas. Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera. E nos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao trajeto do comboio. Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos a Nazaré, cobertos de poeira e, às vezes, também de fuligem. Se não me engano, além da "Maria-Fumaça" e do tênder, o trem era composto de sete vagões. Acho que tinha um ou dois vagões de carga.
Em Nazaré o trem ficava cerca de meia hora. Alguns passageiros desciam, outros embarcavam e logo a locomotiva saía bufando, rangendo as rodas, expelindo uma negra e grossa nuvem de fumaça e fuligem, arrastando vagarosamente seus vagões e sendo "ajudada" por uma outra locomotiva que era chamada de "Xereta",para que conseguisse subir a ladeira que havia entre Nazaré e Muniz Ferreira. Não sei se a "Xereta" acompanhava o comboio até Jequié, mas creio que sim, pois acho que tinham outras ladeiras nesta ferrovia.
Embora tenha falado na crônica anterior, não custa repetir algumas coisinhas: Nazaré é uma cidade histórica situada no Recôncavo baiano às margens do Rio Jaguaripe. Foi fundada em 1572 e aniversaria a 10 de novembro. É uma das mais antigas cidades do Brasil.
Sua tradicional festa é a secular "Feira de Caxixis", que ocorre na Semana Santa e é instalada na Praça dos Arcos.
Nesta época Nazaré se enche de turistas de todo o País, bem como de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias de Maragojipinho, Aratuípe e regiões próximas, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. Muita gente leva as "miniaturas" como souvenir, para amigos, filhos e netos.
Tem aqueles que vão apenas "olhar" e os que vão comprar as "utilidades para o lar", como, por exemplo, as moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos, com qualidade e beleza.
Muitos dos visitantes permanecem na Cidade após o término da Feira dos Caxixis, pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta".
A Micareta é um carnaval "fora-de-época" que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho. As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a folia.
Também há blocos, batucadas, caretas, folião "pipoca", além de muita bebida e comida... num clima de alegria e "descompromissos".
Qualquer dia conto mais!ou esmagado pela embarcação), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria aos nossos destinos e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas".
Neste porto havia diversos montes de manganês que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem, em navios ou barcos. De caminhão é que não era, pois ainda não havia qualquer rodovia naqueles lados.
São Roque era o paraíso dos glutões. Era a maior festa, não só para os olhos como para o estômago, a "Feira
de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea.
Do trem podia admirar-se o colorido das roupas, das comidas e o festival gastronômico de São Roque, capaz de dar inveja aos atuais. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontravam-se ali: amendoim cozido e assado; siris e caranguejos; feijoada; macarronada; churrasco (de gato); peixe frito, assado ou de muqueca; mocotó; assado de boi; farofa; arroz branco; acarajé, abará e acaçá; verduras; legumes;
saladas; sucos diversos; frutas da época; "gasosas e sodas"; cachaça e as infusões chamadas "fôia-pôde".
Bolachas; biscoitos de goma; sucrilhos; queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo
de laranja e chocolate; pamonha de milho e puba; arroz-doce; batata-doce; aipim cozido; mungunzá; lelê e
canjica (curau); doces em calda e secos; cocadas; rapadura; caldo de cana; pães doces e "de sal"; queijo e
requeijão; leite e o famoso e tradicional "cafezinho"... isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira"
havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer ser vivente.
O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, o latido dos cães, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio, do outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à fértil imaginação.
Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho. Meu pai sorria ao me ver, como ele dizia, "encher a pança", embora ele comesse tanto quanto eu. Após ele tomar um cafezinho, subíamos no trem. Lá dentro nos abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão que ficava logo atrás do "tênder" (carro que vem logo atrás da locomotiva e carrega água, lenha ou carvão) Neste vagão viajavam os políticos, funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem" e autoridades dos municípios nos quais este passava.
A viagem até Nazaré durava cerca de uma hora, eu acho. Lembro também de algumas mulheres que usavam "torsos" (espécie de turbante, feitos com toalha), acho que para protegerem o cabelo da fuligem que era expelida pela chaminé da locomotiva, mas que só penetrava nos vagões da "segunda classe" em diante, isto é, os últimos vagões do comboio.
A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes,
pastos, cavalos, bois, vacas, bodes, cabras, Cães, gatos, aves e pequenos animais silvestres enfeitavam o
festivo panorama. Casas, cobertas de palhas ou de telhas, pequenas, grandes, rústicas ou bem acabadas, de
"sopapo"ou de tijolos, cercas. Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam
sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera. E nos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao trajeto do comboio. Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos a Nazaré, cobertos de poeira e, às vezes, também de fuligem. Se não me engano, além da "Maria-Fumaça" e do tênder, o trem era composto de sete vagões. Acho que tinha um ou dois vagões de carga.
Em Nazaré o trem ficava cerca de meia hora. Alguns passageiros desciam, outros embarcavam e logo a
locomotiva saía bufando, rangendo as rodas, expelindo uma negra e grossa nuvem de fumaça e fuligem,
arrastando vagarosamente seus vagões e sendo "ajudada" por uma outra locomotiva que era chamada de "Xereta", para que conseguisse subir a ladeira que havia entre Nazaré e Muniz Ferreira. Não sei se a "Xereta"
acompanhava o comboio até Jequié, mas creio que sim, pois acho que tinham outras ladeiras nesta ferrovia.
Embora tenha falado na crônica anterior, não custa repetir algumas coisinhas: Nazaré é uma cidade histórica situada no Recôncavo baiano às margens do Rio Jaguaripe. Foi fundada em 1572 e aniversaria a 10 de novembro. É uma das mais antigas cidades do Brasil.
Sua tradicional festa é a secular "Feira de Caxixis", que ocorre na Semana Santa e é instalada na Praça dos
Arcos.
Nesta época Nazaré se enche de turistas de todo o País, bem como de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias de Maragojipinho, Aratuípe e regiões próximas, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. Muita gente leva as "miniaturas" como souvenir, para amigos, filhos e netos.
Tem aqueles que vão apenas "olhar" e os que vão comprar as "utilidades para o lar", como, por exemplo, as
moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos, com qualidade e beleza.
Muitos dos visitantes permanecem na Cidade após o término da Feira dos Caxixis, pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta".
A Micareta é um carnaval "fora-de-época" que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho. As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a folia.
Também há blocos, batucadas, caretas, folião "pipoca", além de muita bebida e comida... num clima de alegria e "descompromissos".
Qualquer dia conto mais!
FIM
Meu Pai, Meu Herói - Crônica
Autor: Vinícius Campos
Nota: Este texto meu filho fez sobre mim, aos dezessete anos,
para um concurso na TV Bandeirantes em 2000 e que ficou em
segundo lugar.
Quantas vezes o vi cuidando do seu carro, lavando-o ou
mexendo no motor;
Quantas vezes o vi reparando canos, pias e ralos;
Quantas vezes o vi consertando eletrodomésticos;
Quantas vezes o vi entre fios, tomadas e disjuntores;
Quantas vezes o vi pregando e colando mesas, armários e
cadeiras;
Quantas vezes o vi cimentando pisos ou lixando e pintando
paredes;
Quantas vezes contou-me histórias nas quais, sempre, eu fazia
parte da trama ou era o protagonista;
Quantas vezes me fez sorrir com suas piadas e brincadeiras;
Quantas vezes foi cavalo,cachorro, entre outros bichos, para
me divertir;
Quantas vezes levou-me a cinemas, praias, parques, circos
e shoppings;
Quantas vezes ajudou-me nos deveres escolares, nunca os
fazendo por mim;
Quantas vezes zelou por minha saúde, levando-me a dentistas,
médicos e oculistas;
Quantas vezes acalentou-me, com canções de ninar, até eu
dormir;
Quantas vezes falou-me de Deus, do respeito aos meus
semelhantes, de como deveria tratar bem aos animais;
Quantas vezes cuidou dos meus machucados, do corpo ou da
alma, com remédios e palavras de carinho;
Quantas vezes explicou-me como era a vida, do bem e do mal,
da natureza, do meio-ambiente;
Quantas vezes ouviu minhas histórias, meus sonhos, minhas
bobagens, com toda atenção, sorrindo e aconselhando-me;
Quantas vezes me disse o quanto eu era amado...
Perdi a conta!
Quando eu fiz sete anos ele ficou cego. Eu não sabia o
quanto era importante a visão. Minha mãe conversou bastante
comigo sobre as dificuldades que ele teria, dali por diante.
Fiquei muito triste por ele. Pensei: coitadinho!
Quem agora iria me levar e pegar na escola todos os dias ?
Quem iria brincar comigo de programas de tevê, jogar xadrez,
dominó e baralho ?
Quem iria ser cavalo, montar Hering-Rasti, autorama e
trenzinho elétrico para mim ?
Quem iria fazer barcos, aviões e bonecos de papel nos dias
chuvosos?
Quem iria empinar arraia e bater uma bolinha comigo ?
Quem iria desenhar, pintar e fazer a decoração nos meus
aniversários ?
Como eu estava enganado! Pouca coisa mudou.
Quase tudo que ele fazia antes, continua fazendo. Como ele
mesmo diz: "Eu sou o técnico. Só preciso de um ajudante, com
pelo menos, um olho!"
Hoje tenho dezessete anos. Nestes dez anos de sua cegueira,
ele não deixou de ser palhaço, humorista, poeta, pedreiro,
artista, encanador, mecânico, pintor, eletricista, cantor,
marceneiro, professor, parceiro e amigo... um paizão!
Um exemplo de força e coragem!
Por tudo isso e por sua lição de vida, eu digo com muito
orgulho:
- Meu pai, meu herói!
Vinícius Campos
( Em 05.08.2000)blockquote>
Nota: Este texto meu filho fez sobre mim, aos dezessete anos,
para um concurso na TV Bandeirantes em 2000 e que ficou em
segundo lugar.
Quantas vezes o vi cuidando do seu carro, lavando-o ou
mexendo no motor;
Quantas vezes o vi reparando canos, pias e ralos;
Quantas vezes o vi consertando eletrodomésticos;
Quantas vezes o vi entre fios, tomadas e disjuntores;
Quantas vezes o vi pregando e colando mesas, armários e
cadeiras;
Quantas vezes o vi cimentando pisos ou lixando e pintando
paredes;
Quantas vezes contou-me histórias nas quais, sempre, eu fazia
parte da trama ou era o protagonista;
Quantas vezes me fez sorrir com suas piadas e brincadeiras;
Quantas vezes foi cavalo,cachorro, entre outros bichos, para
me divertir;
Quantas vezes levou-me a cinemas, praias, parques, circos
e shoppings;
Quantas vezes ajudou-me nos deveres escolares, nunca os
fazendo por mim;
Quantas vezes zelou por minha saúde, levando-me a dentistas,
médicos e oculistas;
Quantas vezes acalentou-me, com canções de ninar, até eu
dormir;
Quantas vezes falou-me de Deus, do respeito aos meus
semelhantes, de como deveria tratar bem aos animais;
Quantas vezes cuidou dos meus machucados, do corpo ou da
alma, com remédios e palavras de carinho;
Quantas vezes explicou-me como era a vida, do bem e do mal,
da natureza, do meio-ambiente;
Quantas vezes ouviu minhas histórias, meus sonhos, minhas
bobagens, com toda atenção, sorrindo e aconselhando-me;
Quantas vezes me disse o quanto eu era amado...
Perdi a conta!
Quando eu fiz sete anos ele ficou cego. Eu não sabia o
quanto era importante a visão. Minha mãe conversou bastante
comigo sobre as dificuldades que ele teria, dali por diante.
Fiquei muito triste por ele. Pensei: coitadinho!
Quem agora iria me levar e pegar na escola todos os dias ?
Quem iria brincar comigo de programas de tevê, jogar xadrez,
dominó e baralho ?
Quem iria ser cavalo, montar Hering-Rasti, autorama e
trenzinho elétrico para mim ?
Quem iria fazer barcos, aviões e bonecos de papel nos dias
chuvosos?
Quem iria empinar arraia e bater uma bolinha comigo ?
Quem iria desenhar, pintar e fazer a decoração nos meus
aniversários ?
Como eu estava enganado! Pouca coisa mudou.
Quase tudo que ele fazia antes, continua fazendo. Como ele
mesmo diz: "Eu sou o técnico. Só preciso de um ajudante, com
pelo menos, um olho!"
Hoje tenho dezessete anos. Nestes dez anos de sua cegueira,
ele não deixou de ser palhaço, humorista, poeta, pedreiro,
artista, encanador, mecânico, pintor, eletricista, cantor,
marceneiro, professor, parceiro e amigo... um paizão!
Um exemplo de força e coragem!
Por tudo isso e por sua lição de vida, eu digo com muito
orgulho:
- Meu pai, meu herói!
Vinícius Campos
( Em 05.08.2000)blockquote>
domingo, 4 de outubro de 2009
A História da Minha Cegueira
Luís Campos (Blind Joker)
Fiquei totalmente cego em janeiro de 1990, após ter sofrido quatro intervenções cirúrgicas para reverter um "descolamento da retina".
Antes que você me pergunte, só existe transplante de córnea.
Eu era míope desde criança e os óculos sempre fizeram parte da minha fisionomia (e por isso era metido a intelectual, lendo sobre tudo!).
Em 1986 perdi a visão do olho direito após uma infecção (uveíte) quando tomei muito remédio, coisa da qual nunca gostei (tomar remédios).
Na verdade, estava sofrendo um descolamento da retina. Havia visitado sete oftalmologistas (ô palavrinha, sô!). Falando nisto, lembrei de otorrinolaringologista e o nome daquele ácido, ADN - que não sei escrever (isso pode dar uma crônica). Voltando aos oftalm... ah, vocês já sabem, profissionais que, no meu tempo de menino eram chamados apenas de "oculistas".
Só após visitar o oitavo oftal... ah, Dr.Luís (tinha que ser meu xará, né?), foi que soube estar sofrendo um descolamento da retina.
Ele me disse para ir a Campinas, São Paulo, no Instituto Penido Burnier que, para ele, era o melhor da época nestes tratamentos. Por ainda enxergar com o olho esquerdo, fui sozinho até lá, na esperança de fazer a cirurgia e recuperar a visão do olho direito. Já na consulta fui desenganado. O oftalm... vocês ainda não decoraram esta coisa?
Não vou repeti-la mais! O dito cujo aí, disse que não havia nada a fazer: eu já havia perdido aquela vista de vista!
Voltei a Salvador e continuei levando minha vidinha: agora que nem Camões... caolho, mas sem a verve do poeta!
Pela lógica, deveria fazer as coisas pela metade, né? Mas não foi bem assim. Pouca coisa mudou! Dirigia, viajava, bebia, escrevia, jogava (palitinho)... continuei a fazer tudo que fazia antes (até repetir palavras no texto). Fiquei três anos afastado do TRT. Que vidão, né? Tá com inveja? Se quiser eu furo seus olhos!
Brincadeirinha... é só um pouquinho de humor negro!
Em julho de 89, comecei a sentir os mesmos sintomas na vista esquerda! Pondo meu bigode de molho (Na época usava um bigodão que me dava um ar de homem sério!), voltei a visitar alguns daqueles - já disse que não iria repetir a tal palavrinha - daqui. Fui aconselhado a ir a Belo Horizonte (Instituto Hilton Rocha). Lá o oft - isto mesmo - indicado, após o exame, disse que havia um princípio de descolamento da retina (Grande novidade!); que ele iria operar minha vista e que eu ficaria aos cuidados do seu assistente, pois ele iria a um congresso no Rio de Janeiro. Disse também que não garantia a recuperação da retina, isto é, mesmo operando, eu poderia ficar cego!
Achei que era muito descaso dele, além disso, sua frieza me assustou. Pensei: Se eu operar com esse cara, estarei obtendo um atestado de burro, afinal, iria pagar cerca de seis mil dólares (na época) para, possivelmente, ficar cego! Com muita dificuldade, peguei um avião (vocês já tentaram pegar um? O bicho corre que nem cabrito! É melhor esperar ele ficar quietinho e abrir aquela portinha em riba da escada.
Aí você faz como o pessoal fazia à época: sai correndo e entra antes que ele arribe e vá embora!) e voltei ao Penido Burnier, em Campinas.
Na consulta ao... (não repito!), não relatei o sucedido em Belô. Após um exame, o... (ele mesmo!), disse que logo eu estaria bom; que a cirurgia seria tranqüila e que dentro de um mês eu estaria vendo tudo, completamente recuperado.
Havia uma esperança - pensei!
Na cirurgia colocaram um aro de silicone para segurar a retina.
Ao pagar a fatura, me cobraram cerca de três mil dólares (à época!), mas não me ressarciram o valor de um par de sapatos que eu nunca havia usado e que um enfermeiro gay roubara! Deixei isso pra lá, afinal, vão-se os sapatos e ficam as meias, né?
Voltei para casa, mas, com menos de trinta dias o olho amanhecia fechado, com umas pequenas placas cristalizadas, talvez devido ao uso dos colírios... e deixei de enxergar com o olho que operara! Até aqui eu viajara sozinho, sem acompanhante, visto ainda enxergar, mesmo com o olho sofrendo o descolamento da retina.
Com a ajuda de um irmão que reside em São Paulo, voltei ao Penido Burnier para "desfazer" a cirurgia e retirar o tal "aro de silicone", já que, além de não resolver, passara a causar muita dor!
Voltei para casa definitivamente cego... e de bolso quase vazio!
Viram como sou inteligente? Fiquei cego pela metade do preço!
Um mês depois fui convencido a ir a Goiânia, pois lá havia um cara que estudara em Boston (EUA) e que estava fazendo miséria (no bom sentido) na área de retina... e eu acreditei!
Esperançoso e graças ao dinheiro, ao trabalho e ao amor da minha esposa à época, Sulamita, mãe do Vinícius, que ficou gerenciando nossa Empresa, fui pra lá... e haja dólares!
Na primeira cirurgia recuperei, parcialmente, a visão e estava feliz da vida! No trajeto de Goiânia para Brasília, onde ficaria hospedado, conseguia ler os outdoor da beira da estrada, coisa que não faria sem os óculos, pois, como já disse, desde criança era míope e, na época, antes da cegueira, usava lentes com 8,50 graus.
Fiquei cerca de cinqüenta dias na casa de um casal amigo, Raimundo e Neusa, hoje meus irmãos por amor e gratidão, pois teria que retornar a Goiânia para duas aplicações de laser e mais uma cirurgia para inserção de um "óleo de silicone" que, segundo o "cobra", seria para "empurrar" a retina para trás e que ele estava experimentando em algumas pessoas com algum sucesso... e, mais uma vez, eu acreditei!
No hospital conheci Nelita, cuja prima sofrera um acidente de carro e tinha vidro nos olhos (hoje ela está sem problemas) e ficamos amigos. Devo muito a esta menina e nunca houve nada entre nós (não que eu não quisesse, mas ela não queria, pois eu era casado). Apesar dos ciúmes da minha mulher, o que era compreensível, éramos apenas amigos.
Nas vezes que retornei a Goiânia, esta amiga me deu suporte, pois eu ficava hospedado num hotel próximo ao hospital e quando ela saía do trabalho, ao meio dia, me levava para almoçar e depois íamos "bater pernas" no centro da cidade, que era pertinho de onde eu estava. Ela ficava comigo até as oito horas da noite, quando retornava para sua casa e eu passava as noites e as manhãs sozinhas.
Após minha separação ficamos juntos algumas vezes: eu ia a Goiânia ou ela vinha a Salvador! Há oito anos que ela mora nos Estados Unidos e ainda somos amigos. Fui e sou seu "conselheiro" e sempre conversamos através do Skype.
Em Brasília fiquei amigo dos amigos da Neusa e do Raimundo e eles me levavam para tudo que era festa e passeio. Suas meninas, Fabiana e Carina me consideram um tio e isto é muito gratificante. Eles estavam sempre por aqui e adoram tanto nossa Terrinha que, assim que foi possível, compraram um apartamento por cá. Estamos sempre em contato e mesmo depois que separei, a amizade conosco continuou. São pessoas excelentes, de bom coração e amigos sinceros! Sou separado de Sulamita desde 2000, mas o respeito e a amizade entre nós continua, afinal, temos um filho maravilhoso!
Como falei anteriormente, fiz as duas aplicações de laser (Como dói!), a cirurgia... e com o bolso mais vazio!
Voltei para Salvador com aquele óleo de silicone dentro do olho e que seria retirado no final de janeiro de 1990. Mesmo enxergando um pouco, e agora, por causa do óleo, nublado (como estivesse usando óculos escuros). Sentia fortes dores neste olho, sendo obrigado a ingerir quatro analgésicos, um a cada seis horas, pois não suportava a dor.
Falei com o... é isso mesmo, e ele insistiu em só retirar o tal óleo na data prevista... não doía nele, né?
Para ele, "Silicone nos olhos do paciente é colírio"! No reveillon de 1989/1990, já não enxergava mais nada e, antes da data marcada pelo offtal... vocês sabem, voltei a Goiânia para retirar o óleo!
Mais uma vez estava cego!
Após a retirada do óleo de silicone, ele disse que não poderia fazer mais nada... só Deus! (Quase que lhe sugiro devolver-me os dólares que paguei!). É engraçada essa vida... a gente faz as coisas e depois entrega nas mãos de Deus! Isto é que é ter fé!
Nesta noite, se não me engano, 13 de janeiro de 1990, sozinho no quarto do hotel, entre lágrimas, escrevi aquele poema, "Senhor"!
Mas, na tarde seguinte estava dançando com Nelita no interior da "Lojas Americanas"!
Voltei para casa, conformado com a minha realidade, mesmo que, neste período de viagens e cirurgias, não tenha deixado de brincar e sorrir!
Creio que minha mulher, meus filhos, irmãos, amigos e as pessoas que me cercavam e gostavam de mim sofreram mais do que eu! Como sempre fui um cara dinâmico e nunca gostei de pedir a ninguém que fizesse as coisas por mim, senti um pouco ter que depender, mesmo que em parte,
dos outros... mas nunca pensei que minha vida se acabara!
Sempre fui um cara forte e dera tanta força às pessoas, então como não ser forte comigo? Agradeci a Deus por "apenas" ter ficado cego!
Assim, continuei fazendo quase tudo que fazia antes. Voltei a trabalhar em nossa Empresa, contratei uma secretária exclusivamente para ler e escrever algumas coisas, embora em casa meus familiares fizessem isso.
Depois de ficar cego descobri que escrevia que nem Deus: certo por linhas tortas!
Também contratei um motorista para levar-me ao escritório e o Vinícius à escola, ao curso de inglês e à natação... coisas que eu fazia antes!
Em 1992 Sulamita passa a ser juíza do trabalho e eu retomei a direção da nossa Empresa. Como está no texto do Vinícius, "Meu pai, meu herói", pouca coisa mudou. Continuei viajando, dançando, brincando, cantando e... namorando!
Aborrece-me, hoje, quando alguém reclama da própria vida, tendo todos os sentidos perfeitos, andando sobre seus próprios pés e sem qualquer deficiência física, mesmo que sofra de alguma doença, quero dizer, alguma insuficiência de qualquer dos seus órgãos e que possa ser controlada com remédios ou de uma outra maneira qualquer. Embora reconheça que as pessoas não são iguais e que devemos respeitar esta desigualdade, digo-lhes que, quando estiverem com qualquer problema, seja de que monta for, pensem que poderia ser pior... olhem à sua volta!
Aquele ali está paraplégico, o outro é tetraplégico, um outro é surdo-mudo, acolá um cego, um outro não tem as pernas ou os braços, aquele lá anda se arrastando, aquela faz hemodiálise... quer mais?
Agradeça todos os dias por sua "doença" ser apenas "uma" doença!
Sorria, o mais que puder... as "forças negativas" têm medo do sorriso!
E para que você possa sorrir um pouquinho, deixe eu lhe dizer a que conclusão cheguei depois destas cirurgias: Como sou alérgico ao silicone, não posso nem ser travesti, né?
E tem mais: ser cego tem algumas vantagens! Quais? Eu digo:
Não vê mais homem; toda mulher é linda, não precisa escolher; não paga buzu (ônibus); não entra em fila; nunca fica em pé. Alguém sempre diz: "Senta aqui, ceguinho"! E a última e mais importante: antes cego do que brocha, né?
Não me considero "lição de vida", apenas encaro minha realidade!
Fiquei totalmente cego em janeiro de 1990, após ter sofrido quatro intervenções cirúrgicas para reverter um "descolamento da retina".
Antes que você me pergunte, só existe transplante de córnea.
Eu era míope desde criança e os óculos sempre fizeram parte da minha fisionomia (e por isso era metido a intelectual, lendo sobre tudo!).
Em 1986 perdi a visão do olho direito após uma infecção (uveíte) quando tomei muito remédio, coisa da qual nunca gostei (tomar remédios).
Na verdade, estava sofrendo um descolamento da retina. Havia visitado sete oftalmologistas (ô palavrinha, sô!). Falando nisto, lembrei de otorrinolaringologista e o nome daquele ácido, ADN - que não sei escrever (isso pode dar uma crônica). Voltando aos oftalm... ah, vocês já sabem, profissionais que, no meu tempo de menino eram chamados apenas de "oculistas".
Só após visitar o oitavo oftal... ah, Dr.Luís (tinha que ser meu xará, né?), foi que soube estar sofrendo um descolamento da retina.
Ele me disse para ir a Campinas, São Paulo, no Instituto Penido Burnier que, para ele, era o melhor da época nestes tratamentos. Por ainda enxergar com o olho esquerdo, fui sozinho até lá, na esperança de fazer a cirurgia e recuperar a visão do olho direito. Já na consulta fui desenganado. O oftalm... vocês ainda não decoraram esta coisa?
Não vou repeti-la mais! O dito cujo aí, disse que não havia nada a fazer: eu já havia perdido aquela vista de vista!
Voltei a Salvador e continuei levando minha vidinha: agora que nem Camões... caolho, mas sem a verve do poeta!
Pela lógica, deveria fazer as coisas pela metade, né? Mas não foi bem assim. Pouca coisa mudou! Dirigia, viajava, bebia, escrevia, jogava (palitinho)... continuei a fazer tudo que fazia antes (até repetir palavras no texto). Fiquei três anos afastado do TRT. Que vidão, né? Tá com inveja? Se quiser eu furo seus olhos!
Brincadeirinha... é só um pouquinho de humor negro!
Em julho de 89, comecei a sentir os mesmos sintomas na vista esquerda! Pondo meu bigode de molho (Na época usava um bigodão que me dava um ar de homem sério!), voltei a visitar alguns daqueles - já disse que não iria repetir a tal palavrinha - daqui. Fui aconselhado a ir a Belo Horizonte (Instituto Hilton Rocha). Lá o oft - isto mesmo - indicado, após o exame, disse que havia um princípio de descolamento da retina (Grande novidade!); que ele iria operar minha vista e que eu ficaria aos cuidados do seu assistente, pois ele iria a um congresso no Rio de Janeiro. Disse também que não garantia a recuperação da retina, isto é, mesmo operando, eu poderia ficar cego!
Achei que era muito descaso dele, além disso, sua frieza me assustou. Pensei: Se eu operar com esse cara, estarei obtendo um atestado de burro, afinal, iria pagar cerca de seis mil dólares (na época) para, possivelmente, ficar cego! Com muita dificuldade, peguei um avião (vocês já tentaram pegar um? O bicho corre que nem cabrito! É melhor esperar ele ficar quietinho e abrir aquela portinha em riba da escada.
Aí você faz como o pessoal fazia à época: sai correndo e entra antes que ele arribe e vá embora!) e voltei ao Penido Burnier, em Campinas.
Na consulta ao... (não repito!), não relatei o sucedido em Belô. Após um exame, o... (ele mesmo!), disse que logo eu estaria bom; que a cirurgia seria tranqüila e que dentro de um mês eu estaria vendo tudo, completamente recuperado.
Havia uma esperança - pensei!
Na cirurgia colocaram um aro de silicone para segurar a retina.
Ao pagar a fatura, me cobraram cerca de três mil dólares (à época!), mas não me ressarciram o valor de um par de sapatos que eu nunca havia usado e que um enfermeiro gay roubara! Deixei isso pra lá, afinal, vão-se os sapatos e ficam as meias, né?
Voltei para casa, mas, com menos de trinta dias o olho amanhecia fechado, com umas pequenas placas cristalizadas, talvez devido ao uso dos colírios... e deixei de enxergar com o olho que operara! Até aqui eu viajara sozinho, sem acompanhante, visto ainda enxergar, mesmo com o olho sofrendo o descolamento da retina.
Com a ajuda de um irmão que reside em São Paulo, voltei ao Penido Burnier para "desfazer" a cirurgia e retirar o tal "aro de silicone", já que, além de não resolver, passara a causar muita dor!
Voltei para casa definitivamente cego... e de bolso quase vazio!
Viram como sou inteligente? Fiquei cego pela metade do preço!
Um mês depois fui convencido a ir a Goiânia, pois lá havia um cara que estudara em Boston (EUA) e que estava fazendo miséria (no bom sentido) na área de retina... e eu acreditei!
Esperançoso e graças ao dinheiro, ao trabalho e ao amor da minha esposa à época, Sulamita, mãe do Vinícius, que ficou gerenciando nossa Empresa, fui pra lá... e haja dólares!
Na primeira cirurgia recuperei, parcialmente, a visão e estava feliz da vida! No trajeto de Goiânia para Brasília, onde ficaria hospedado, conseguia ler os outdoor da beira da estrada, coisa que não faria sem os óculos, pois, como já disse, desde criança era míope e, na época, antes da cegueira, usava lentes com 8,50 graus.
Fiquei cerca de cinqüenta dias na casa de um casal amigo, Raimundo e Neusa, hoje meus irmãos por amor e gratidão, pois teria que retornar a Goiânia para duas aplicações de laser e mais uma cirurgia para inserção de um "óleo de silicone" que, segundo o "cobra", seria para "empurrar" a retina para trás e que ele estava experimentando em algumas pessoas com algum sucesso... e, mais uma vez, eu acreditei!
No hospital conheci Nelita, cuja prima sofrera um acidente de carro e tinha vidro nos olhos (hoje ela está sem problemas) e ficamos amigos. Devo muito a esta menina e nunca houve nada entre nós (não que eu não quisesse, mas ela não queria, pois eu era casado). Apesar dos ciúmes da minha mulher, o que era compreensível, éramos apenas amigos.
Nas vezes que retornei a Goiânia, esta amiga me deu suporte, pois eu ficava hospedado num hotel próximo ao hospital e quando ela saía do trabalho, ao meio dia, me levava para almoçar e depois íamos "bater pernas" no centro da cidade, que era pertinho de onde eu estava. Ela ficava comigo até as oito horas da noite, quando retornava para sua casa e eu passava as noites e as manhãs sozinhas.
Após minha separação ficamos juntos algumas vezes: eu ia a Goiânia ou ela vinha a Salvador! Há oito anos que ela mora nos Estados Unidos e ainda somos amigos. Fui e sou seu "conselheiro" e sempre conversamos através do Skype.
Em Brasília fiquei amigo dos amigos da Neusa e do Raimundo e eles me levavam para tudo que era festa e passeio. Suas meninas, Fabiana e Carina me consideram um tio e isto é muito gratificante. Eles estavam sempre por aqui e adoram tanto nossa Terrinha que, assim que foi possível, compraram um apartamento por cá. Estamos sempre em contato e mesmo depois que separei, a amizade conosco continuou. São pessoas excelentes, de bom coração e amigos sinceros! Sou separado de Sulamita desde 2000, mas o respeito e a amizade entre nós continua, afinal, temos um filho maravilhoso!
Como falei anteriormente, fiz as duas aplicações de laser (Como dói!), a cirurgia... e com o bolso mais vazio!
Voltei para Salvador com aquele óleo de silicone dentro do olho e que seria retirado no final de janeiro de 1990. Mesmo enxergando um pouco, e agora, por causa do óleo, nublado (como estivesse usando óculos escuros). Sentia fortes dores neste olho, sendo obrigado a ingerir quatro analgésicos, um a cada seis horas, pois não suportava a dor.
Falei com o... é isso mesmo, e ele insistiu em só retirar o tal óleo na data prevista... não doía nele, né?
Para ele, "Silicone nos olhos do paciente é colírio"! No reveillon de 1989/1990, já não enxergava mais nada e, antes da data marcada pelo offtal... vocês sabem, voltei a Goiânia para retirar o óleo!
Mais uma vez estava cego!
Após a retirada do óleo de silicone, ele disse que não poderia fazer mais nada... só Deus! (Quase que lhe sugiro devolver-me os dólares que paguei!). É engraçada essa vida... a gente faz as coisas e depois entrega nas mãos de Deus! Isto é que é ter fé!
Nesta noite, se não me engano, 13 de janeiro de 1990, sozinho no quarto do hotel, entre lágrimas, escrevi aquele poema, "Senhor"!
Mas, na tarde seguinte estava dançando com Nelita no interior da "Lojas Americanas"!
Voltei para casa, conformado com a minha realidade, mesmo que, neste período de viagens e cirurgias, não tenha deixado de brincar e sorrir!
Creio que minha mulher, meus filhos, irmãos, amigos e as pessoas que me cercavam e gostavam de mim sofreram mais do que eu! Como sempre fui um cara dinâmico e nunca gostei de pedir a ninguém que fizesse as coisas por mim, senti um pouco ter que depender, mesmo que em parte,
dos outros... mas nunca pensei que minha vida se acabara!
Sempre fui um cara forte e dera tanta força às pessoas, então como não ser forte comigo? Agradeci a Deus por "apenas" ter ficado cego!
Assim, continuei fazendo quase tudo que fazia antes. Voltei a trabalhar em nossa Empresa, contratei uma secretária exclusivamente para ler e escrever algumas coisas, embora em casa meus familiares fizessem isso.
Depois de ficar cego descobri que escrevia que nem Deus: certo por linhas tortas!
Também contratei um motorista para levar-me ao escritório e o Vinícius à escola, ao curso de inglês e à natação... coisas que eu fazia antes!
Em 1992 Sulamita passa a ser juíza do trabalho e eu retomei a direção da nossa Empresa. Como está no texto do Vinícius, "Meu pai, meu herói", pouca coisa mudou. Continuei viajando, dançando, brincando, cantando e... namorando!
Aborrece-me, hoje, quando alguém reclama da própria vida, tendo todos os sentidos perfeitos, andando sobre seus próprios pés e sem qualquer deficiência física, mesmo que sofra de alguma doença, quero dizer, alguma insuficiência de qualquer dos seus órgãos e que possa ser controlada com remédios ou de uma outra maneira qualquer. Embora reconheça que as pessoas não são iguais e que devemos respeitar esta desigualdade, digo-lhes que, quando estiverem com qualquer problema, seja de que monta for, pensem que poderia ser pior... olhem à sua volta!
Aquele ali está paraplégico, o outro é tetraplégico, um outro é surdo-mudo, acolá um cego, um outro não tem as pernas ou os braços, aquele lá anda se arrastando, aquela faz hemodiálise... quer mais?
Agradeça todos os dias por sua "doença" ser apenas "uma" doença!
Sorria, o mais que puder... as "forças negativas" têm medo do sorriso!
E para que você possa sorrir um pouquinho, deixe eu lhe dizer a que conclusão cheguei depois destas cirurgias: Como sou alérgico ao silicone, não posso nem ser travesti, né?
E tem mais: ser cego tem algumas vantagens! Quais? Eu digo:
Não vê mais homem; toda mulher é linda, não precisa escolher; não paga buzu (ônibus); não entra em fila; nunca fica em pé. Alguém sempre diz: "Senta aqui, ceguinho"! E a última e mais importante: antes cego do que brocha, né?
Não me considero "lição de vida", apenas encaro minha realidade!
Senhor! (Poesia)
Luís Campos (Blind Joker)
Esta poesia fiz em Goiânia, num quarto de hotel, após o médico haver dito que, para eu voltar a enxergar, só com a ajuda de Deus.
Isto aconteceu após a quarta e última cirurgia a que me submetera.
Eu chorava bastante e escrevia. Estava sozinho. Nelita, a amiga que me levava para almoçar, me acompanhava ao hospital e ficava toda a tarde comigo, já havia ido pra casa. Foi uma noite terrível!
Não sei como ela conseguiu ler o que eu escrevera, pois as lágrimas caíam sobre o papel enquanto eu escrevia.
Mas tudo passou, como tudo que é ruim na vida... e eu fui à luta!
No dia seguinte já estava dançando em plena Loja Americana com esta amiga, sem ligar para os clientes que nos olhavam divertidos!
Assim sou e serei sempre: alegre, brincalhão, racional e realista!
Esta poesia foi escrita em 13 de janeiro de 1990. Vamos a ela!
Senhor!
Já não ando mais sozinho,
vejo pedras em meu caminho,
dependo da mão de alguém...
Não desejo pra ninguém,
isto que aconteceu comigo,
porém Cristo é meu amigo,
vai me devolver a visão...
É nesta escuridão que vejo,
quem me ama realmente,
seja irmão, amigo ou parente,
que agora me dá a mão...
Mas a pior cegueira da terra,
é daquele que no peito encerra,
o ódio ao seu irmão!
Perdoa a eles, Senhor,
eles não sabem o que fazem
e por mais que aos outros maltratem,
o Senhor já os perdoou...
Continuo sorridente e feliz,
pois a vida assim quis,
provar a minha coragem...
Senhor!
Dê ao mundo muita paz,
pois a humanidade jamais,
saberá viver o amor!
Senhor!
Eu mereço tamanha provação?
Sou bom filho, bom pai, bom irmão,
por que sofro este castigo,
se de todos sou bom amigo,
um honesto cidadão?
Senhor!
Teria eu provocado sua ira?
O Senhor dá e agora tira,
faz-me falta minha vista...
Passo minha vida em revista,
nada descobri para merecer esta dor tão cruel...
Senhor!
Mostra-me onde errei,
pois jamais eu saberei,
o motivo desta dor...
Senhor!
Perdão por meus desatinos,
não mereço este destino,
perdão... seja pelo que for!
Senhor!
A natureza é tão bela,
como poderei viver sem ela?
Sem ver o azul do céu,
sem ver o verde do mar
e da noite, o doce véu?
Senhor!
Perdão pelo que não fiz,
se hoje estou infeliz,
amanhã rirei desta dor...
Senhor!
Se eu mereço isto,
pelas chagas de Jesus Cristo,
não me deixe perder seu amor...
Senhor...
Perdão, Senhor!
FIM
Esta poesia fiz em Goiânia, num quarto de hotel, após o médico haver dito que, para eu voltar a enxergar, só com a ajuda de Deus.
Isto aconteceu após a quarta e última cirurgia a que me submetera.
Eu chorava bastante e escrevia. Estava sozinho. Nelita, a amiga que me levava para almoçar, me acompanhava ao hospital e ficava toda a tarde comigo, já havia ido pra casa. Foi uma noite terrível!
Não sei como ela conseguiu ler o que eu escrevera, pois as lágrimas caíam sobre o papel enquanto eu escrevia.
Mas tudo passou, como tudo que é ruim na vida... e eu fui à luta!
No dia seguinte já estava dançando em plena Loja Americana com esta amiga, sem ligar para os clientes que nos olhavam divertidos!
Assim sou e serei sempre: alegre, brincalhão, racional e realista!
Esta poesia foi escrita em 13 de janeiro de 1990. Vamos a ela!
Senhor!
Já não ando mais sozinho,
vejo pedras em meu caminho,
dependo da mão de alguém...
Não desejo pra ninguém,
isto que aconteceu comigo,
porém Cristo é meu amigo,
vai me devolver a visão...
É nesta escuridão que vejo,
quem me ama realmente,
seja irmão, amigo ou parente,
que agora me dá a mão...
Mas a pior cegueira da terra,
é daquele que no peito encerra,
o ódio ao seu irmão!
Perdoa a eles, Senhor,
eles não sabem o que fazem
e por mais que aos outros maltratem,
o Senhor já os perdoou...
Continuo sorridente e feliz,
pois a vida assim quis,
provar a minha coragem...
Senhor!
Dê ao mundo muita paz,
pois a humanidade jamais,
saberá viver o amor!
Senhor!
Eu mereço tamanha provação?
Sou bom filho, bom pai, bom irmão,
por que sofro este castigo,
se de todos sou bom amigo,
um honesto cidadão?
Senhor!
Teria eu provocado sua ira?
O Senhor dá e agora tira,
faz-me falta minha vista...
Passo minha vida em revista,
nada descobri para merecer esta dor tão cruel...
Senhor!
Mostra-me onde errei,
pois jamais eu saberei,
o motivo desta dor...
Senhor!
Perdão por meus desatinos,
não mereço este destino,
perdão... seja pelo que for!
Senhor!
A natureza é tão bela,
como poderei viver sem ela?
Sem ver o azul do céu,
sem ver o verde do mar
e da noite, o doce véu?
Senhor!
Perdão pelo que não fiz,
se hoje estou infeliz,
amanhã rirei desta dor...
Senhor!
Se eu mereço isto,
pelas chagas de Jesus Cristo,
não me deixe perder seu amor...
Senhor...
Perdão, Senhor!
FIM
O Espaço (Mínimo) do Homem - Crônica
Luís Campos - Blind Joker
Nota do Autor
Esta crônica foi escrita há mais de vinte anos, quando ainda era
casado e antes de ficar cego, fato que ocorreu em 1990.
Qualquer homem que é ou já foi casado, saberá do que vou falar.
Certamente farão suas as minhas palavras e serão testemunhas a meu
favor, em caso de um processo por calúnia ou difamação que venha a ser
impetrado por minha ex-mulher, que é Juíza do Trabalho...
Já perceberam o risco que corro, né? (Risos)
Aos Solteiros deixo o Recado:
Este texto não serve como aviso, pois, façam o que fizerem para que
isto não aconteça, inevitavelmente ocorrerá.
Não existe antídoto, é letal! (Risos)
Vamos ao texto:
Devo dizer que minha esposa é uma companheira maravilhosa, excelente
filha e irmã, mãe extremosa e amiga sincera. Esta crônica é apenas uma
brincadeira, embora os fatos sejam expressão da verdade! (Risos)
No nosso quarto, temos uma mesinha antiga, com tampo de mármore, que
pertenceu aos avós da minha mulher, coisa de mais de cem anos.
Ali ficam as suas bonecas (algumas eu dei quando namorávamos), uns
bibelôs e o rádio-despertador... tudo dela!
Defronte à cama há uma cômoda com duas gavetas e três gavetões.
Claro que vocês já adivinharam! Não? Nada disso: eu só uso uma das
gavetas... as demais são dela!
Sobre esta peça fica um televisor e o vídeo. A TV eu posso assistir o
canal que quiser... desde que seja o que ela está assistindo!
Sou o maior expert em novelas - Globo, Record, SBT...
Se ela não está em casa, aí tudo bem, eu posso assistir a qualquer
canal... mas quem a leva pra rua e dirige pra ela? Euzinho!
Com o vídeo a coisa é mais "maneira". Quando o comprei, alugava cinco a
seis filmes na sexta-feira para devolvê-los na segunda... pelo menos
ela deixava eu assistir a duas fitas!
Embaixo da janela fica o ar-condicionado. Todas as noites ligado ao
deitarmos e desligado por mim três horas depois... quase congelado!
Para ela, que já rolou na neve, é moleza!
Morando em Salvador, eu adoro o sol. Claro que sinto calor, mas daí a
ter o clima do Ártico no nosso quarto... brrrrrrrrrrrrr!
Para evitar falação, o ligo novamente uma hora depois e desligo após
acordar, pensando estar na Antártida... e batendo o queixo!
E assim vamos por toda a noite, todas as noites!
Ao lado direito fica o armário embutido (grande invenção), com sete
portas úteis, das quais uso apenas duas.
Dos oito maleiros (na verdade o armário tem oito portas, mas uma dá
acesso à suíte), quatro contém roupas de cama e toalhas... as
restantes, coisas dela!
Na sétima e na oitava porta são colocados os sapatos. Cada uma tem seis
prateleiras. Eu faço uso de apenas três destas, nas quais estão todos
os meus dois tênis, minha única bota, meus quatro sapatos e as duas
sandálias... observo que em cada prateleira cabem, no mínimo, quatro
caixas de sapatos, além daqueles que são colocados entre e sobre estas
(será que elas têm síndrome de centopéia?).
Na cama, que por sinal é mais larga que as demais, ocupo apenas um
terço. Ela consegue se espalhar pelo espaço restante sem ao menos ser
gorda... qualquer dia me põe para dormir no chão!
Ela reclama dos meus roncos e diz que não ronca! Um dia eu lhe disse
que iria gravar e provar que ela roncava. Sabem o que ela falou?
- Não acredito. Você vai é fazer uma montagem!
Na suíte a coisa é feia!
A banheira eu nem uso... nem as prateleiras e as bancadas da mesma!
Há pelo menos uns vinte e cinco vasilhames "perdidos" por ali!
Frascos, potes, sprays, saboneteiras... de tudo que é formato e cor!
Um verdadeiro arco-íris perfumado... sei lá mais o quê, contendo todo
tipo de cremes, pós, bolinhas coloridas, líquidos viscosos, pegajosos
e aquosos...
É tanta parafernália que não acredito que ela saiba para que servem
exatamente e se realmente fazem algum efeito (risos).
Acima do lavatório tem uma pequena prateleira. Pequena é força de
expressão... como cabe coisa!
Batons, mais cremes, aquelas coisas de passar nos cílios... eu contei
dezoito unidades de "qualquer coisa", mais o sabonete, a escova, o
creme dental e o fio-dental, que não consigo acreditar que ela encontre
aquilo que deseja em menos de dez minutos... aliás, não creio que ela
encontre qualquer coisa ali... Às vezes eu tenho medo de procurar o
fio-dental e derrubar tudo!
O armário sob o lavatório tem uma porta e três gavetas. Ela ocupa tudo,
mas eu, para abusar, ponho a minha escova de dente numa das gavetas.
Ela, muito compreensiva, nem reclama!
Nos dois cabides que ficam perto da banheira só tem roupas dela!
Tem mais um outro, com lugar para pendurar até seis peças, no qual ela
me deixa usar dois... vou reclamar de quê?
No box, para sintetizar, de meu, apenas o sabonete e um barbeador
descartável... que às vezes eu procuro, mas ela já jogou fora!
Também não reclamo: é que faço a barba durante o banho e com sabonete.
Como não costumo lavá-lo, fica cheio de pelos e com sobra de sabão...
e isto pra ela é porcaria e lugar de porcaria é no lixo. Ponto pra ela!
Além da cantoneira, ela ainda consegue ter coisas para colocar sobre a
meia parede que fecha o retângulo do banheiro.
Nesta suíte ainda tem uma balança e um espelho de corpo inteiro (Numa
das portas do armário embutido há outro igual?!), e um redondo sobre o
lavatório... para uso dela!
Anexo ao nosso quarto tem um gabinete. Lá temos um computador, um
scanner, uma impressora, uma esteira ergométrica e oito prateleiras
repletas de livros... todos dela, nenhum meu!
Quando a empregada, com sua mania de arrumação, por acaso encontrava
algum livro meu jogado em um canto qualquer, o colocava numa destas
prateleiras do gabinete... nunca mais eu encontrava o maldito livro!
Se estas coisas já aconteciam na época que eu enxergava, imaginem como
depois ficou mais difícil para o ceguinho aqui!
Para acabar, sendo deficiente visual, tenho meu próprio computador, com
um programa especial para cegos (Dosvox) e que ficava em um outro
gabinete da casa (que nem era meu, mas do nosso filho), bem menor do
que o dela e que tem duas prateleiras, um armário que vai até o forro
e uma mesa com quatro gavetas... quem vocês acham que usava a maior
parte do espaço destes móveis? Acertaram, sabichões!
Apesar de alguns "exageros", esta é uma pequena mostra do espaço
"mínimo" que usufruímos numa casa!
Senhores, ainda querem casar?
Outro dia falo mais sobre este assunto... mas aí já estarei solteiro!
FIM
Nota do Autor
Esta crônica foi escrita há mais de vinte anos, quando ainda era
casado e antes de ficar cego, fato que ocorreu em 1990.
Qualquer homem que é ou já foi casado, saberá do que vou falar.
Certamente farão suas as minhas palavras e serão testemunhas a meu
favor, em caso de um processo por calúnia ou difamação que venha a ser
impetrado por minha ex-mulher, que é Juíza do Trabalho...
Já perceberam o risco que corro, né? (Risos)
Aos Solteiros deixo o Recado:
Este texto não serve como aviso, pois, façam o que fizerem para que
isto não aconteça, inevitavelmente ocorrerá.
Não existe antídoto, é letal! (Risos)
Vamos ao texto:
Devo dizer que minha esposa é uma companheira maravilhosa, excelente
filha e irmã, mãe extremosa e amiga sincera. Esta crônica é apenas uma
brincadeira, embora os fatos sejam expressão da verdade! (Risos)
No nosso quarto, temos uma mesinha antiga, com tampo de mármore, que
pertenceu aos avós da minha mulher, coisa de mais de cem anos.
Ali ficam as suas bonecas (algumas eu dei quando namorávamos), uns
bibelôs e o rádio-despertador... tudo dela!
Defronte à cama há uma cômoda com duas gavetas e três gavetões.
Claro que vocês já adivinharam! Não? Nada disso: eu só uso uma das
gavetas... as demais são dela!
Sobre esta peça fica um televisor e o vídeo. A TV eu posso assistir o
canal que quiser... desde que seja o que ela está assistindo!
Sou o maior expert em novelas - Globo, Record, SBT...
Se ela não está em casa, aí tudo bem, eu posso assistir a qualquer
canal... mas quem a leva pra rua e dirige pra ela? Euzinho!
Com o vídeo a coisa é mais "maneira". Quando o comprei, alugava cinco a
seis filmes na sexta-feira para devolvê-los na segunda... pelo menos
ela deixava eu assistir a duas fitas!
Embaixo da janela fica o ar-condicionado. Todas as noites ligado ao
deitarmos e desligado por mim três horas depois... quase congelado!
Para ela, que já rolou na neve, é moleza!
Morando em Salvador, eu adoro o sol. Claro que sinto calor, mas daí a
ter o clima do Ártico no nosso quarto... brrrrrrrrrrrrr!
Para evitar falação, o ligo novamente uma hora depois e desligo após
acordar, pensando estar na Antártida... e batendo o queixo!
E assim vamos por toda a noite, todas as noites!
Ao lado direito fica o armário embutido (grande invenção), com sete
portas úteis, das quais uso apenas duas.
Dos oito maleiros (na verdade o armário tem oito portas, mas uma dá
acesso à suíte), quatro contém roupas de cama e toalhas... as
restantes, coisas dela!
Na sétima e na oitava porta são colocados os sapatos. Cada uma tem seis
prateleiras. Eu faço uso de apenas três destas, nas quais estão todos
os meus dois tênis, minha única bota, meus quatro sapatos e as duas
sandálias... observo que em cada prateleira cabem, no mínimo, quatro
caixas de sapatos, além daqueles que são colocados entre e sobre estas
(será que elas têm síndrome de centopéia?).
Na cama, que por sinal é mais larga que as demais, ocupo apenas um
terço. Ela consegue se espalhar pelo espaço restante sem ao menos ser
gorda... qualquer dia me põe para dormir no chão!
Ela reclama dos meus roncos e diz que não ronca! Um dia eu lhe disse
que iria gravar e provar que ela roncava. Sabem o que ela falou?
- Não acredito. Você vai é fazer uma montagem!
Na suíte a coisa é feia!
A banheira eu nem uso... nem as prateleiras e as bancadas da mesma!
Há pelo menos uns vinte e cinco vasilhames "perdidos" por ali!
Frascos, potes, sprays, saboneteiras... de tudo que é formato e cor!
Um verdadeiro arco-íris perfumado... sei lá mais o quê, contendo todo
tipo de cremes, pós, bolinhas coloridas, líquidos viscosos, pegajosos
e aquosos...
É tanta parafernália que não acredito que ela saiba para que servem
exatamente e se realmente fazem algum efeito (risos).
Acima do lavatório tem uma pequena prateleira. Pequena é força de
expressão... como cabe coisa!
Batons, mais cremes, aquelas coisas de passar nos cílios... eu contei
dezoito unidades de "qualquer coisa", mais o sabonete, a escova, o
creme dental e o fio-dental, que não consigo acreditar que ela encontre
aquilo que deseja em menos de dez minutos... aliás, não creio que ela
encontre qualquer coisa ali... Às vezes eu tenho medo de procurar o
fio-dental e derrubar tudo!
O armário sob o lavatório tem uma porta e três gavetas. Ela ocupa tudo,
mas eu, para abusar, ponho a minha escova de dente numa das gavetas.
Ela, muito compreensiva, nem reclama!
Nos dois cabides que ficam perto da banheira só tem roupas dela!
Tem mais um outro, com lugar para pendurar até seis peças, no qual ela
me deixa usar dois... vou reclamar de quê?
No box, para sintetizar, de meu, apenas o sabonete e um barbeador
descartável... que às vezes eu procuro, mas ela já jogou fora!
Também não reclamo: é que faço a barba durante o banho e com sabonete.
Como não costumo lavá-lo, fica cheio de pelos e com sobra de sabão...
e isto pra ela é porcaria e lugar de porcaria é no lixo. Ponto pra ela!
Além da cantoneira, ela ainda consegue ter coisas para colocar sobre a
meia parede que fecha o retângulo do banheiro.
Nesta suíte ainda tem uma balança e um espelho de corpo inteiro (Numa
das portas do armário embutido há outro igual?!), e um redondo sobre o
lavatório... para uso dela!
Anexo ao nosso quarto tem um gabinete. Lá temos um computador, um
scanner, uma impressora, uma esteira ergométrica e oito prateleiras
repletas de livros... todos dela, nenhum meu!
Quando a empregada, com sua mania de arrumação, por acaso encontrava
algum livro meu jogado em um canto qualquer, o colocava numa destas
prateleiras do gabinete... nunca mais eu encontrava o maldito livro!
Se estas coisas já aconteciam na época que eu enxergava, imaginem como
depois ficou mais difícil para o ceguinho aqui!
Para acabar, sendo deficiente visual, tenho meu próprio computador, com
um programa especial para cegos (Dosvox) e que ficava em um outro
gabinete da casa (que nem era meu, mas do nosso filho), bem menor do
que o dela e que tem duas prateleiras, um armário que vai até o forro
e uma mesa com quatro gavetas... quem vocês acham que usava a maior
parte do espaço destes móveis? Acertaram, sabichões!
Apesar de alguns "exageros", esta é uma pequena mostra do espaço
"mínimo" que usufruímos numa casa!
Senhores, ainda querem casar?
Outro dia falo mais sobre este assunto... mas aí já estarei solteiro!
FIM
sábado, 3 de outubro de 2009
Ainda Há Esperança!(Um Conto de Natal)
Luís Campos (Blind Joker)
Estava quase à hora da ceia e Armando não sabia onde se metera o
Yuri. Perguntou à sua mulher, mas ela também não sabia do menino.
Rosa indagou à pequena Miucha sobre o paradeiro do irmão e ela disse que não sabia dele. O vira sair em direção ao Campo Grande, por volta das quatro horas.
Armando e rosa sentaram-se num dos bancos. Nada diziam, apenas olhavam para o nada ou, quando muito, para o céu estrelado.
Miucha, alheia à preocupação dos seus pais, nos seus oito anos,
brincava com sua boneca.
O homem recordava o sítio. Por que o vendera? Por que viera para
Salvador atrás de um sonho que talvez nem fosse o seu?
Mas ele tinha certeza que fizera essa bobagem pensando em dar um
futuro melhor para as crianças. Aqui elas poderiam estudar, ser alguém na vida e quem sabe, dar-lhes uma velhice tranqüila!
Por ele, ficaria no sítio. Cuidar da horta, da rocinha de feijão,
milho e mandioca, ordenha Gabiroba, ver Rosa cuidar das galinhas e da Cabriolé e do Fantoche, seu casal de porcos.
Sentia agora o cheiro da comida gostosa que Rosa fazia tão bem.
Seu colchão de palha, suas noites de lua cheia no terreiro da casa,
proseando com sua Rosa. Aquele delicioso café com tapioca toda manhã.
Nada disso voltaria!
A mulher também pensava. Nunca condenou o marido e estaria disposta a seguir com ele este caminho do inferno. Procurava não pensar no que ficou pra traz. Ele lhe contara seu sonho e Rosa quis sonhar com ele!
No dia em que chegaram aqui, foram morar num barraco cedido pelo patrão. Rosa procurou uma escola próxima e matriculou as crianças.
Com nove e sete anos, ainda não tinham freqüentado uma escola, embora soubessem ler, pois tanto Rosa quanto Armando lhes ensinara.
Quase todas as crianças da redondeza do sítio, na idade dos seus,
eram analfabetas.
Em grande parte da zona rural desse País, até hoje, não há escolas.
Também não há professoras. Como poderia haver professoras ou escolas se não existem estradas?
A maioria dos sítios e pequenas fazendas são interligadas por
caminhos estreitos e esburacados que mal dão para passar uma carroça.
Assim acontecia no interior onde vivia Armando. O acesso ao seu sítio e dos vizinhos era tão estreito que quase não dava para ele passar com sua carroça, puxada por Café, seu jeguinho, quando precisava ir à "cidade" levar seus produtos para vender na feirinha e, na volta, trazer açucar, café, farinha de trigo e biscoitos para os meninos.
Na região passava um pequeno rio, o que dava alguma tranqüilidade aos moradores. Também havia muitas árvores frutíferas, o que contribuía para que a alimentação das crianças fosse mais saudável.
Quando a coisa "pegava", Armando saía em busca do alimento na mata.
Como ainda havia alguns animais de pequeno porte por ali, Armando, de vez em quando, se aventurava pela mata para caçar, acompanhado de Geléia que, aos latidos, acuava os animais, deixando-os à mercê do tiro certeiro da espingarda-de-socar que o próprio Armando fizera.
Com o "almoço" da família garantido, ele retornava para casa e, pelo caminho, pegava algumas raízes e folhas para que Rosa fizesse os "santos remédios" que, nem só matavam as "bichas", como serviam para os ungüentos, usados nos machucados, bem como para os chás e xaropes.
Nem completara dois anos como frentista e fora despedido. Teve que deixar o barraco, tirar as crianças da escola e procurar onde
abrigar os seus. Arrependia-se de ter vendido seus bens para vir à
Capital em busca de oportunidade para seus filhos. Estava tão aéreo
em suas divagações que não percebeu dois carros da Polícia Civil que se aproximavam.
Quando as viaturas pararam, Armando nem imaginava a que vinham!
Vez por outra, elas estavam por ali. Algumas vezes paravam, davam uma olhadinha e iam embora. Noutras, apenas passavam devagar, olhando para um lado e para o outro.
Destas desceram quatro mulheres e três homens. Elas traziam algumas sacolas e se aproximaram deles e uma delas perguntou:
- O Senhor é o Armando Jaguaripe?
Armando olhou as mulheres. Elas sorriam. Os homens ficaram à parte, mas observavam a cena e os arredores.
Miucha levantou-se do chão e veio ficar junto aos pais.
Rosa também olhou aquelas mulheres muito bem vestidas e bonitas.
Outros moradores se aproximaram. Armando, antes de responder, pensou em como são curiosas as pessoas.
- Sou eu sim, Senhora...
A mulher, que parecia ser a "mandona", falou para um dos homens:
- Coimbra! Trás o Yuri!
O homem foi até uma das viaturas e voltou trazendo o menino pela mão.A mulher que havia dado a ordem, disse:
Seu Armando, pegaram o Yuri roubando umas coisas num supermercado.Ele nos contou a história de vocês e então resolvemos trazê-lo até o Senhor!
Armando olhou para o filho carinhosamente, mas, com ar de reprovação na voz, perguntou-lhe:
- Filho, por que você fez isso?
É essa a educação que lhe damos?
Você viu alguma vez seu pai ou sua mãe pegar qualquer coisa de alguém?
Yuri, entre soluços e abraçando-se ao pai, respondeu:
- Me perdoe, Paizinho!
Eu só queria que a gente tivesse um Natal...
- Que Natal seria esse, filho?
- Pai, um Natal de gente e não de bicho... como agente tinha na roça!
Disse o menino ainda chorando.
Armando, com os olhos encharcados, replicou:
- Filho, antes um Natal de bicho a ver meu filho roubando!
- Me perdoe, Paizinho... perdoe, Mãezinha!
A esta altura, todos que estavam presentes à cena, tinham lágrimas nos olhos, até mesmo os "durões" policiais.
A Delegada interrompeu esse diálogo, dizendo:
- Bem, Seu Armando... nós viemos cear com vocês e trouxemos
algumas coisinhas!
Uma das moças tirou da sacola que trazia, duas toalhas de mesa com desenhos natalinos e as estendeu no chão.
As outras colocaram sobre estas alguns panetones, bolos, refrigerantes de dois litros, um queijo-cuia, três frangos assados, uma vasilha com farofa e outra com arroz, além de caixinhas de passas.
Um dos homens foi até a viatura. Pegou duas garrafas de "cidra",
pratinhos, copos e talheres plásticos e veio juntar-se aos demais.
A Delegada, sentando-se no chão, falou para os curiosos:
- Todos vocês que moram aqui na praça, podem sentar-se conosco!
E complementou, indicando um lugar:
- Venha, Seu Armando... sente-se aqui com sua família!
Então todos sentaram-se no chão, em torno das toalhas, inclusive os
policiais. As quatro mulheres prepararam os pratinhos e distribuíram entre os presentes, colocando nestes, um pouco de cada coisa.
Brindaram com a cidra e depois da ceia beberam refrigerante.
E aqueles desafortunados que moravam na praça, nesta noite, tiveram um Natal menos indigno...
Meia hora depois, felizes, os policiais retornavam à Delegacia!
Nesta noite, brilhou entre os homens a estrela da solidariedade e da
compreensão!
Ainda há esperança!
FIM
Estava quase à hora da ceia e Armando não sabia onde se metera o
Yuri. Perguntou à sua mulher, mas ela também não sabia do menino.
Rosa indagou à pequena Miucha sobre o paradeiro do irmão e ela disse que não sabia dele. O vira sair em direção ao Campo Grande, por volta das quatro horas.
Armando e rosa sentaram-se num dos bancos. Nada diziam, apenas olhavam para o nada ou, quando muito, para o céu estrelado.
Miucha, alheia à preocupação dos seus pais, nos seus oito anos,
brincava com sua boneca.
O homem recordava o sítio. Por que o vendera? Por que viera para
Salvador atrás de um sonho que talvez nem fosse o seu?
Mas ele tinha certeza que fizera essa bobagem pensando em dar um
futuro melhor para as crianças. Aqui elas poderiam estudar, ser alguém na vida e quem sabe, dar-lhes uma velhice tranqüila!
Por ele, ficaria no sítio. Cuidar da horta, da rocinha de feijão,
milho e mandioca, ordenha Gabiroba, ver Rosa cuidar das galinhas e da Cabriolé e do Fantoche, seu casal de porcos.
Sentia agora o cheiro da comida gostosa que Rosa fazia tão bem.
Seu colchão de palha, suas noites de lua cheia no terreiro da casa,
proseando com sua Rosa. Aquele delicioso café com tapioca toda manhã.
Nada disso voltaria!
A mulher também pensava. Nunca condenou o marido e estaria disposta a seguir com ele este caminho do inferno. Procurava não pensar no que ficou pra traz. Ele lhe contara seu sonho e Rosa quis sonhar com ele!
No dia em que chegaram aqui, foram morar num barraco cedido pelo patrão. Rosa procurou uma escola próxima e matriculou as crianças.
Com nove e sete anos, ainda não tinham freqüentado uma escola, embora soubessem ler, pois tanto Rosa quanto Armando lhes ensinara.
Quase todas as crianças da redondeza do sítio, na idade dos seus,
eram analfabetas.
Em grande parte da zona rural desse País, até hoje, não há escolas.
Também não há professoras. Como poderia haver professoras ou escolas se não existem estradas?
A maioria dos sítios e pequenas fazendas são interligadas por
caminhos estreitos e esburacados que mal dão para passar uma carroça.
Assim acontecia no interior onde vivia Armando. O acesso ao seu sítio e dos vizinhos era tão estreito que quase não dava para ele passar com sua carroça, puxada por Café, seu jeguinho, quando precisava ir à "cidade" levar seus produtos para vender na feirinha e, na volta, trazer açucar, café, farinha de trigo e biscoitos para os meninos.
Na região passava um pequeno rio, o que dava alguma tranqüilidade aos moradores. Também havia muitas árvores frutíferas, o que contribuía para que a alimentação das crianças fosse mais saudável.
Quando a coisa "pegava", Armando saía em busca do alimento na mata.
Como ainda havia alguns animais de pequeno porte por ali, Armando, de vez em quando, se aventurava pela mata para caçar, acompanhado de Geléia que, aos latidos, acuava os animais, deixando-os à mercê do tiro certeiro da espingarda-de-socar que o próprio Armando fizera.
Com o "almoço" da família garantido, ele retornava para casa e, pelo caminho, pegava algumas raízes e folhas para que Rosa fizesse os "santos remédios" que, nem só matavam as "bichas", como serviam para os ungüentos, usados nos machucados, bem como para os chás e xaropes.
Nem completara dois anos como frentista e fora despedido. Teve que deixar o barraco, tirar as crianças da escola e procurar onde
abrigar os seus. Arrependia-se de ter vendido seus bens para vir à
Capital em busca de oportunidade para seus filhos. Estava tão aéreo
em suas divagações que não percebeu dois carros da Polícia Civil que se aproximavam.
Quando as viaturas pararam, Armando nem imaginava a que vinham!
Vez por outra, elas estavam por ali. Algumas vezes paravam, davam uma olhadinha e iam embora. Noutras, apenas passavam devagar, olhando para um lado e para o outro.
Destas desceram quatro mulheres e três homens. Elas traziam algumas sacolas e se aproximaram deles e uma delas perguntou:
- O Senhor é o Armando Jaguaripe?
Armando olhou as mulheres. Elas sorriam. Os homens ficaram à parte, mas observavam a cena e os arredores.
Miucha levantou-se do chão e veio ficar junto aos pais.
Rosa também olhou aquelas mulheres muito bem vestidas e bonitas.
Outros moradores se aproximaram. Armando, antes de responder, pensou em como são curiosas as pessoas.
- Sou eu sim, Senhora...
A mulher, que parecia ser a "mandona", falou para um dos homens:
- Coimbra! Trás o Yuri!
O homem foi até uma das viaturas e voltou trazendo o menino pela mão.A mulher que havia dado a ordem, disse:
Seu Armando, pegaram o Yuri roubando umas coisas num supermercado.Ele nos contou a história de vocês e então resolvemos trazê-lo até o Senhor!
Armando olhou para o filho carinhosamente, mas, com ar de reprovação na voz, perguntou-lhe:
- Filho, por que você fez isso?
É essa a educação que lhe damos?
Você viu alguma vez seu pai ou sua mãe pegar qualquer coisa de alguém?
Yuri, entre soluços e abraçando-se ao pai, respondeu:
- Me perdoe, Paizinho!
Eu só queria que a gente tivesse um Natal...
- Que Natal seria esse, filho?
- Pai, um Natal de gente e não de bicho... como agente tinha na roça!
Disse o menino ainda chorando.
Armando, com os olhos encharcados, replicou:
- Filho, antes um Natal de bicho a ver meu filho roubando!
- Me perdoe, Paizinho... perdoe, Mãezinha!
A esta altura, todos que estavam presentes à cena, tinham lágrimas nos olhos, até mesmo os "durões" policiais.
A Delegada interrompeu esse diálogo, dizendo:
- Bem, Seu Armando... nós viemos cear com vocês e trouxemos
algumas coisinhas!
Uma das moças tirou da sacola que trazia, duas toalhas de mesa com desenhos natalinos e as estendeu no chão.
As outras colocaram sobre estas alguns panetones, bolos, refrigerantes de dois litros, um queijo-cuia, três frangos assados, uma vasilha com farofa e outra com arroz, além de caixinhas de passas.
Um dos homens foi até a viatura. Pegou duas garrafas de "cidra",
pratinhos, copos e talheres plásticos e veio juntar-se aos demais.
A Delegada, sentando-se no chão, falou para os curiosos:
- Todos vocês que moram aqui na praça, podem sentar-se conosco!
E complementou, indicando um lugar:
- Venha, Seu Armando... sente-se aqui com sua família!
Então todos sentaram-se no chão, em torno das toalhas, inclusive os
policiais. As quatro mulheres prepararam os pratinhos e distribuíram entre os presentes, colocando nestes, um pouco de cada coisa.
Brindaram com a cidra e depois da ceia beberam refrigerante.
E aqueles desafortunados que moravam na praça, nesta noite, tiveram um Natal menos indigno...
Meia hora depois, felizes, os policiais retornavam à Delegacia!
Nesta noite, brilhou entre os homens a estrela da solidariedade e da
compreensão!
Ainda há esperança!
FIM
O Incêndio na Oficina (Conto)
Luís Campos (Blind Joker)
- Senta aí, Seu Zé!
- Brigado, dotô!
- E aí, Seu Zé... o que o Senhor viu?
- Eu num vi nada, num ouvi nada e num sei di nada, Seu Dotô!
- Mas o Senhor viu o incêndio?
- Craro, Seu Dotô... eu e mais o povo du Areal vimu tudinho!
- E o Senhor sabe como o fogo começou?
- Sei não, Seu Dotô!
- Mas o Senhor não é o vigia da oficina, Seu Zé?
- Sou não, Seu Dotô!
- Como não, Seu Zé? Os policiais disseram que o Senhor era o vigia da oficina!
- Pois é, Seu Dotô... agora num sô mais... num tem mais oficina pro
mode di vigiá!
- Sei, Seu Zé! Quando o fogo começou, onde o Senhor estava?
- Bem longe du fogo, Dotô!
- Não é isso, Seu Zé... eu quero saber onde o Senhor estava, um pouco antes do fogo começar!
- Ah! Sentado nu tamburête qui sento quando tô trabaiano!
- Fora ou dentro da oficina, Seu Zé?
- Dentro, uai! Seu Dotô já viu vigia vigiá di fora du trabaio?
- E o que o Senhor estava fazendo naquela hora?
- Vigiando, craro!
- Só isso, Seu Zé?
- Bem... eu tava iscuitando o jogo du Bahia... e drumi um poquinho!
- Desde quando vigia pode dormir em serviço, Seu Zé?
- Pudê, num podi, mas nois drome!
- Está bem, Seu Zé. O Senhor sabe se o fogo foi causado por uma
faísca elétrica?
- Acho qui não, Seu Dotô! As luz tava tudinho disligada!
- Teria sido causado por uma ponta de cigarro?
- Acho qui não, Seu Dotô! Ninhum dus homi tava fumano!
- Quais homens, Seu Zé?
- Os qui entrô na oficina, uai!
- E como eles entraram na oficina, Seu Zé?
- Quatro andano e um dirigino a kombi!
- O portão não estava fechado, Seu Zé?
- Tava sim... mas eu abri!
- E o Senhor conhecia esses homens, Seu Zé?
- Nem os dois gordinho, nem os dois magricela... só Seu Paleta!
- E quem é esse Paleta, Seu Zé?
- Meu pratão... dono du meu trabaio!
- Seu patrão estava com os homens, Seu Zé?
- Craro... sinão eu nunca qui chegava perto du portão, né?
- E por que o Senhor abriu o portão, Seu Zé?
- Pruque Seu Paleta num pudia abrí!
- Mas ele não tem a chave do portão, Seu Zé?
- Inté qui tem... mas cum as mão pá trás num ia mermo pudê abri, né?
- Então seu patrão estava com as mãos amarradas atrás das costas?
- Eu disse isso ingorinha mermo!
- Mas, então por que você abriu o portão, Seu Zé?
- Pru modi di num morrê, né?
- O Senhor foi ameaçado pelos homens, Seu Zé?
- Craro qui fui... tava tudo di trabuco na mão e o sarará mandô qui eu abrisse, sinão eu morria!
- Então o Senhor abriu o portão?
- Craro, Seu Dotô... num tá veno eu aqui vivinho?
- Eu sei, Seu Zé. E depois que os homens entraram, o que eles fizeram?
- Eu num vi nada dispois qui eles butaram a kombi pá dentro e ficaro tirano umas latas di prástico di dentro da kombi e derramano nus canto da oficina!
- E por que não?
- Pruque o moreno com a cicatriz na testa mandô qui eu mi picasse!
- Então o Senhor saiu correndo?
- Nem o Sinhô ficava, Seu Dotô, num lugá cum chero di gazulina danado daquele!
- E o Senhor saiu na mesma hora?
- Logo dispois qui aquele zarôio chegô junto di eu e disse qui eu num vi nada, num ouvi nada e qui fosse pá casa!
- Então o Senhor foi para sua casa?
- Fui, mas vortei logo, Seu Dotô!
- E por que não ficou em casa, Seu Zé?
- E nois ia perdê um ispretáculo daquele, Seu Dotô?
- Nós quem, Seu Zé?
- Eu e a Zefa!
- Mas Seu Zé... o Senhor pode ter perdido seu emprego!
- Craro qui perdi... num tenho mais pratão!
- Seu Paleta dispensou o Senhor, Seu Zé?
- Não, Seu Dotô... ele morreu no fogaréu! Só num gostei du fedô di churrasquinho queimado! Inda bem qui num gosto di carne!
- Mas Seu Zé... o Senhor vê seu patrão morrer queimado e, mesmo assim, ainda fica por lá olhando o incêndio?
- Mas tava um fogão bunitoso cuns trens pipocano qui nem guerra di ispada, cumo qui vi in Cruiz das Armas! Muinto do lindoso! Inté Zefa gostô da belezura do fogo!
-Ok, Seu Zé! Libera o homem, Escrivão!
- A prosa inté qui tava boa, Seu Dotô! Té mais vê!
FIM
- Senta aí, Seu Zé!
- Brigado, dotô!
- E aí, Seu Zé... o que o Senhor viu?
- Eu num vi nada, num ouvi nada e num sei di nada, Seu Dotô!
- Mas o Senhor viu o incêndio?
- Craro, Seu Dotô... eu e mais o povo du Areal vimu tudinho!
- E o Senhor sabe como o fogo começou?
- Sei não, Seu Dotô!
- Mas o Senhor não é o vigia da oficina, Seu Zé?
- Sou não, Seu Dotô!
- Como não, Seu Zé? Os policiais disseram que o Senhor era o vigia da oficina!
- Pois é, Seu Dotô... agora num sô mais... num tem mais oficina pro
mode di vigiá!
- Sei, Seu Zé! Quando o fogo começou, onde o Senhor estava?
- Bem longe du fogo, Dotô!
- Não é isso, Seu Zé... eu quero saber onde o Senhor estava, um pouco antes do fogo começar!
- Ah! Sentado nu tamburête qui sento quando tô trabaiano!
- Fora ou dentro da oficina, Seu Zé?
- Dentro, uai! Seu Dotô já viu vigia vigiá di fora du trabaio?
- E o que o Senhor estava fazendo naquela hora?
- Vigiando, craro!
- Só isso, Seu Zé?
- Bem... eu tava iscuitando o jogo du Bahia... e drumi um poquinho!
- Desde quando vigia pode dormir em serviço, Seu Zé?
- Pudê, num podi, mas nois drome!
- Está bem, Seu Zé. O Senhor sabe se o fogo foi causado por uma
faísca elétrica?
- Acho qui não, Seu Dotô! As luz tava tudinho disligada!
- Teria sido causado por uma ponta de cigarro?
- Acho qui não, Seu Dotô! Ninhum dus homi tava fumano!
- Quais homens, Seu Zé?
- Os qui entrô na oficina, uai!
- E como eles entraram na oficina, Seu Zé?
- Quatro andano e um dirigino a kombi!
- O portão não estava fechado, Seu Zé?
- Tava sim... mas eu abri!
- E o Senhor conhecia esses homens, Seu Zé?
- Nem os dois gordinho, nem os dois magricela... só Seu Paleta!
- E quem é esse Paleta, Seu Zé?
- Meu pratão... dono du meu trabaio!
- Seu patrão estava com os homens, Seu Zé?
- Craro... sinão eu nunca qui chegava perto du portão, né?
- E por que o Senhor abriu o portão, Seu Zé?
- Pruque Seu Paleta num pudia abrí!
- Mas ele não tem a chave do portão, Seu Zé?
- Inté qui tem... mas cum as mão pá trás num ia mermo pudê abri, né?
- Então seu patrão estava com as mãos amarradas atrás das costas?
- Eu disse isso ingorinha mermo!
- Mas, então por que você abriu o portão, Seu Zé?
- Pru modi di num morrê, né?
- O Senhor foi ameaçado pelos homens, Seu Zé?
- Craro qui fui... tava tudo di trabuco na mão e o sarará mandô qui eu abrisse, sinão eu morria!
- Então o Senhor abriu o portão?
- Craro, Seu Dotô... num tá veno eu aqui vivinho?
- Eu sei, Seu Zé. E depois que os homens entraram, o que eles fizeram?
- Eu num vi nada dispois qui eles butaram a kombi pá dentro e ficaro tirano umas latas di prástico di dentro da kombi e derramano nus canto da oficina!
- E por que não?
- Pruque o moreno com a cicatriz na testa mandô qui eu mi picasse!
- Então o Senhor saiu correndo?
- Nem o Sinhô ficava, Seu Dotô, num lugá cum chero di gazulina danado daquele!
- E o Senhor saiu na mesma hora?
- Logo dispois qui aquele zarôio chegô junto di eu e disse qui eu num vi nada, num ouvi nada e qui fosse pá casa!
- Então o Senhor foi para sua casa?
- Fui, mas vortei logo, Seu Dotô!
- E por que não ficou em casa, Seu Zé?
- E nois ia perdê um ispretáculo daquele, Seu Dotô?
- Nós quem, Seu Zé?
- Eu e a Zefa!
- Mas Seu Zé... o Senhor pode ter perdido seu emprego!
- Craro qui perdi... num tenho mais pratão!
- Seu Paleta dispensou o Senhor, Seu Zé?
- Não, Seu Dotô... ele morreu no fogaréu! Só num gostei du fedô di churrasquinho queimado! Inda bem qui num gosto di carne!
- Mas Seu Zé... o Senhor vê seu patrão morrer queimado e, mesmo assim, ainda fica por lá olhando o incêndio?
- Mas tava um fogão bunitoso cuns trens pipocano qui nem guerra di ispada, cumo qui vi in Cruiz das Armas! Muinto do lindoso! Inté Zefa gostô da belezura do fogo!
-Ok, Seu Zé! Libera o homem, Escrivão!
- A prosa inté qui tava boa, Seu Dotô! Té mais vê!
FIM
Uma Conversa Estranha! (Conto)
Luís Campos (Blind Joker)
- Já estou cansada desta vida! Todo dia é a mesma coisa!
- Você está falando de barriga cheia, amiga!
- Está querendo dizer que estou gordinha, é?
- Claro que não! Aliás, eu a acho uma gatinha!
- Eu percebo seus olhares maldosos!
- É que eu fico doidinho só de olhar suas pernas!
- Vê lá o que fala! As pessoas estão olhando pra gente!
- E eu ligo?
- Deveria ligar, afinal, ninguém é obrigado a ouvir suas besteiras!
- Você já viu como elas nos olham?
- Isso é normal... e eu até gosto!
- Exibicionista!
- O que é bonito é pra ser admirado, meu caro!
- Obrigado pela parte que me toca!
- Estou falando de mim, bobão!
- Concordo contigo... principalmente quando você está com uma blusinha decotada e seu busto chama a atenção. E quando você está de shortinho, uau! Que coxas!
- Você é muito descarado, isso sim!
- Ora, deixe de bobagem! Pensa que não percebo o olhar dos homens quando passam por você?
- Mas saiba que eu não gosto nada disso!
- Ora, minha cara... você está se contradizendo!
- Aí é que você se engana! Do jeito que eles me olham, é assédio
sexual! Eu sinto que eles me despem com os olhos!
- Quem mandou ser gostosinha! Hahahahaha!
- Não achei graça! Você ri porque não fazem isso contigo!
- Não fazem porque as mulheres não são tão bobas quanto os homens!
- O homem tem uma imaginação tão fértil que fantasia com tudo!
Que coisa mais infantil!
- Quando se trata de sexo, o homem é visão e a mulher, coração!
Nesse campo o homem vira um animal irracional!
- Por isso dizem que as mulheres amadurecem mais cedo que os homens!
- Concordo, mas também envelhecem mais cedo!
- Sim, meu caro, mas o homem muito mais cedo fica, digamos, sem
"utilidade"!
- Bem, deixemos esse papo de lado e falemos do nosso futuro!
- Que futuro? Somos apenas colegas de trabalho, nada mais!
- Mas isso não impede...
- Impede sim! Eu não o vejo com outros olhos!
- Você não tem coração, minha cara!
- E você não tem...
- Ih! Lá vem o velho! Fiquemos calados até ele ir embora!
- Todo dia é a mesma coisa! Que chatice!
- Relaxe! O que não tem remédio, remediado está!
- Será que nossa vida vai ser sempre essa rotina?
- Até que estejamos velhinhos, minha cara! Aí nos colocam de lado e...
- Psiu! Depois a gente continua esse papo!
Eram quase sete horas da noite quando o homem puxou os dois manequins mais para dentro e arriou a porta da loja!
FIM
- Já estou cansada desta vida! Todo dia é a mesma coisa!
- Você está falando de barriga cheia, amiga!
- Está querendo dizer que estou gordinha, é?
- Claro que não! Aliás, eu a acho uma gatinha!
- Eu percebo seus olhares maldosos!
- É que eu fico doidinho só de olhar suas pernas!
- Vê lá o que fala! As pessoas estão olhando pra gente!
- E eu ligo?
- Deveria ligar, afinal, ninguém é obrigado a ouvir suas besteiras!
- Você já viu como elas nos olham?
- Isso é normal... e eu até gosto!
- Exibicionista!
- O que é bonito é pra ser admirado, meu caro!
- Obrigado pela parte que me toca!
- Estou falando de mim, bobão!
- Concordo contigo... principalmente quando você está com uma blusinha decotada e seu busto chama a atenção. E quando você está de shortinho, uau! Que coxas!
- Você é muito descarado, isso sim!
- Ora, deixe de bobagem! Pensa que não percebo o olhar dos homens quando passam por você?
- Mas saiba que eu não gosto nada disso!
- Ora, minha cara... você está se contradizendo!
- Aí é que você se engana! Do jeito que eles me olham, é assédio
sexual! Eu sinto que eles me despem com os olhos!
- Quem mandou ser gostosinha! Hahahahaha!
- Não achei graça! Você ri porque não fazem isso contigo!
- Não fazem porque as mulheres não são tão bobas quanto os homens!
- O homem tem uma imaginação tão fértil que fantasia com tudo!
Que coisa mais infantil!
- Quando se trata de sexo, o homem é visão e a mulher, coração!
Nesse campo o homem vira um animal irracional!
- Por isso dizem que as mulheres amadurecem mais cedo que os homens!
- Concordo, mas também envelhecem mais cedo!
- Sim, meu caro, mas o homem muito mais cedo fica, digamos, sem
"utilidade"!
- Bem, deixemos esse papo de lado e falemos do nosso futuro!
- Que futuro? Somos apenas colegas de trabalho, nada mais!
- Mas isso não impede...
- Impede sim! Eu não o vejo com outros olhos!
- Você não tem coração, minha cara!
- E você não tem...
- Ih! Lá vem o velho! Fiquemos calados até ele ir embora!
- Todo dia é a mesma coisa! Que chatice!
- Relaxe! O que não tem remédio, remediado está!
- Será que nossa vida vai ser sempre essa rotina?
- Até que estejamos velhinhos, minha cara! Aí nos colocam de lado e...
- Psiu! Depois a gente continua esse papo!
Eram quase sete horas da noite quando o homem puxou os dois manequins mais para dentro e arriou a porta da loja!
FIM
Sangue no Restaurante.(Conto)
Luís Campos (Blind Joker)
Já passava do meio-dia quando o homem entrou no restaurante.
Aparentava uns quarenta anos e era de estatura mediana. Trazia o
semblante carregado, tinha a testa enrugada e denotava estar nervoso.
Olhava para todos os lados como se procurasse alguém. Ao perceber a presença do cego, por alguns segundos seu olhar fixou-se neste.
O prato do cego, ainda intacto, continha o que pedira à garçonete: um pouco de feijão tropeiro, arroz, algumas rodelas de tomate, alface e dois pequenos filés bovinos.
A moça acabara de colocar a bandeja diante do cego e saíra para
atender uma pessoa ao lado.
O cego, enquanto dobrava sua bengala, lembrava da manhã maravilhosa que tivera com uma garota casada... e nem lembrava da esposa e filhas que deixara em casa ao sair!
O homem aproximou-se da mesa em que estava o cego, parou diante desta e levou a mão à cintura...
- Aiiiiiiiii!
O grito de dor que o cego emitiu foi ouvido em todo o ambiente. As
pessoas, assustadas, olharam em sua direção. O homem já não estava ali...
O sangue melou a bermuda, a camisa do cego e o chão.
O cego levou a mão ao rosto... e enfiou um dos dedos na boca.
Ao fechar a bengala, esta beliscara seu dedo mindinho, cortando-o!
FIM
Já passava do meio-dia quando o homem entrou no restaurante.
Aparentava uns quarenta anos e era de estatura mediana. Trazia o
semblante carregado, tinha a testa enrugada e denotava estar nervoso.
Olhava para todos os lados como se procurasse alguém. Ao perceber a presença do cego, por alguns segundos seu olhar fixou-se neste.
O prato do cego, ainda intacto, continha o que pedira à garçonete: um pouco de feijão tropeiro, arroz, algumas rodelas de tomate, alface e dois pequenos filés bovinos.
A moça acabara de colocar a bandeja diante do cego e saíra para
atender uma pessoa ao lado.
O cego, enquanto dobrava sua bengala, lembrava da manhã maravilhosa que tivera com uma garota casada... e nem lembrava da esposa e filhas que deixara em casa ao sair!
O homem aproximou-se da mesa em que estava o cego, parou diante desta e levou a mão à cintura...
- Aiiiiiiiii!
O grito de dor que o cego emitiu foi ouvido em todo o ambiente. As
pessoas, assustadas, olharam em sua direção. O homem já não estava ali...
O sangue melou a bermuda, a camisa do cego e o chão.
O cego levou a mão ao rosto... e enfiou um dos dedos na boca.
Ao fechar a bengala, esta beliscara seu dedo mindinho, cortando-o!
FIM
O Naufrágio do Karina II (Conto)
Luís Campos (Blind Joker)
A tarde estava morna. Soprava uma leve brisa, refrescando aqueles que se achavam por ali.
A natureza, pródiga, neste início de primavera, deixava a beira do lago florida. Ouvia-se o canto de alguns pássaros vespertinos, no bosque que ladeava o lago.
Numa das margens, alguns homens aproveitavam para jogar conversa fora, outros jogavam vôlei, dominó ou damas e os demais apenas aproveitavam a grama para descansar.
Algumas mulheres, assim como fazem os homens, formavam grupinhos e entre risos e gargalhadas, trocavam confidências e intimidades, possivelmente rindo dos próprios maridos e namorados.
As crianças aproveitavam para correr pelo campo gramado, brincando de pegar, empinavam pipas e arraias ou simplesmente ficavam deitadas tentando adivinhar os desenhos que as nuvens formavam, antes de se desfazerem. O alarido das conversas era intenso.
Entretanto, ninguém se aventurava a entrar na água, pois sabiam que, embora a temperatura ambiente estivesse agradável, possivelmente a água estaria quase gelada.
Um pouco mais adiante, um outro grupo de homens discutiam sobre seu assunto preferido, enquanto apreciavam alguns barcos que navegavam ao largo. De repente, o céu foi coberto por grossas nuvens, oriundas do litoral e escureceu completamente. Rajadas de vento começaram a soprar, aumentando a cada minuto e uma chuva fina e fria, começou a cair. O povaréu correu para o bosque, procurando abrigar-se sob as árvores, embora isso fosse impossível.
A tempestade não tardou. O vento sibilava aos ouvidos que não aceitaria desafios e a chuva tornou-se torrencial. O lago parecia querer subir pelas margens.
As ondas avolumavam-se, ameaçando as embarcações que insistiam em permanecer em suas águas. Quase todas foram trazidas ao pequeno ancoradouro, restando apenas ao "Karina II", um bonito veleiro de três mastros, retornar. Mas pareceu aos homens que apreciavam a luta do barco para vencer as ondas que não iria conseguir.O veleiro manobrava tentando transpô-las, mas estas batiam nas laterais fazendo-o adernar, hora para um lado, hora para o outro.
As ondas lavavam o convés, levando tudo que estava solto ou mal amarrado. O barco embicava nas vagas e saía adiante. As velas já não tinham nenhuma utilidade e eram apenas empecilho para que o veleiro permanecesse à tona. Do pier, os homens apreciavam a luta do mesmo.
Era como a batalha da formiga contra o elefante que teimava em pisar o formigueiro. Uma onda mais forte e maior que as demais, por fim, fez o barco virar e encher-se de água. E ele começou a afundar.
Um dos homens atirou-se ao lago e nadou em direção ao Karina II.
Após algumas braçadas, alcançou a embarcação. A pegou por um dos mastros e ao verificar que ali não era tão fundo, ficou de pé e, levantando o barco pelo casco, emborcou para retirar toda a água do interior deste e, com ele numa das mãos, retornou andando para a margem, onde os amigos o esperavam. Ouviram-se gritos de vivas e aplausos e o homem, todo molhado, exclamou:
- Levei quatro meses para fazer esta réplica...não iria perdê-la assim tão fácil!
FIM
A tarde estava morna. Soprava uma leve brisa, refrescando aqueles que se achavam por ali.
A natureza, pródiga, neste início de primavera, deixava a beira do lago florida. Ouvia-se o canto de alguns pássaros vespertinos, no bosque que ladeava o lago.
Numa das margens, alguns homens aproveitavam para jogar conversa fora, outros jogavam vôlei, dominó ou damas e os demais apenas aproveitavam a grama para descansar.
Algumas mulheres, assim como fazem os homens, formavam grupinhos e entre risos e gargalhadas, trocavam confidências e intimidades, possivelmente rindo dos próprios maridos e namorados.
As crianças aproveitavam para correr pelo campo gramado, brincando de pegar, empinavam pipas e arraias ou simplesmente ficavam deitadas tentando adivinhar os desenhos que as nuvens formavam, antes de se desfazerem. O alarido das conversas era intenso.
Entretanto, ninguém se aventurava a entrar na água, pois sabiam que, embora a temperatura ambiente estivesse agradável, possivelmente a água estaria quase gelada.
Um pouco mais adiante, um outro grupo de homens discutiam sobre seu assunto preferido, enquanto apreciavam alguns barcos que navegavam ao largo. De repente, o céu foi coberto por grossas nuvens, oriundas do litoral e escureceu completamente. Rajadas de vento começaram a soprar, aumentando a cada minuto e uma chuva fina e fria, começou a cair. O povaréu correu para o bosque, procurando abrigar-se sob as árvores, embora isso fosse impossível.
A tempestade não tardou. O vento sibilava aos ouvidos que não aceitaria desafios e a chuva tornou-se torrencial. O lago parecia querer subir pelas margens.
As ondas avolumavam-se, ameaçando as embarcações que insistiam em permanecer em suas águas. Quase todas foram trazidas ao pequeno ancoradouro, restando apenas ao "Karina II", um bonito veleiro de três mastros, retornar. Mas pareceu aos homens que apreciavam a luta do barco para vencer as ondas que não iria conseguir.O veleiro manobrava tentando transpô-las, mas estas batiam nas laterais fazendo-o adernar, hora para um lado, hora para o outro.
As ondas lavavam o convés, levando tudo que estava solto ou mal amarrado. O barco embicava nas vagas e saía adiante. As velas já não tinham nenhuma utilidade e eram apenas empecilho para que o veleiro permanecesse à tona. Do pier, os homens apreciavam a luta do mesmo.
Era como a batalha da formiga contra o elefante que teimava em pisar o formigueiro. Uma onda mais forte e maior que as demais, por fim, fez o barco virar e encher-se de água. E ele começou a afundar.
Um dos homens atirou-se ao lago e nadou em direção ao Karina II.
Após algumas braçadas, alcançou a embarcação. A pegou por um dos mastros e ao verificar que ali não era tão fundo, ficou de pé e, levantando o barco pelo casco, emborcou para retirar toda a água do interior deste e, com ele numa das mãos, retornou andando para a margem, onde os amigos o esperavam. Ouviram-se gritos de vivas e aplausos e o homem, todo molhado, exclamou:
- Levei quatro meses para fazer esta réplica...não iria perdê-la assim tão fácil!
FIM
Uma Noite de Terror! (Conto)
Luís Campos (Blind Joker)
Quando um dos quatro homens tentou me pegar, fugi por uma porta lateral. Eles correram atrás de mim. Pulei da varanda sobre o teto de um dos carros estacionados, amassando-o quase completamente e pulei ao chão, correndo rente ao muro da casa. Podia ouvir os gritos dos meus perseguidores e os latidos dos cães, agora também em meu encalço.
Nem pensava em olhar para trás, só queria saber como me livraria da sanha daqueles bandidos. Quando alcancei o portão, percebi que era apenas fechado por um trinco. Puxei a lingüeta e saí, batendo-o atrás de mim, no exato momento em que os cães chegavam, esbarrando-se contra este. Continuei correndo pelas ruas escuras do condomínio, até chegar à guarita de entrada. Abri o portão, deixando-o escancarado, e corri até onde deixara meu carro. O interessante é que eu sabia que meu carro estava ali, mas não sabia como chegara e nem quando. Entrei e como a chave encontrava-se na ignição, liguei o motor e saí
do local em disparada. Eles não se deram por satisfeitos. Logo três carros me perseguiam pelas ruas da cidade. Eu dirigia como louco, embora fosse de madrugada e o trânsito estivesse tranqüilo. Vez por outra, um farol alto refletia no retrovisor interno, ofuscando-me. Minha cabeça latejava e meu corpo denunciava as marcas do espancamento que sofrera na mão dos bandidos. Não conseguia entender porque estava prisioneiro daqueles homens e nem mesmo o que eles queriam comigo.
O que eu teria ou saberia que valia tanto?
Tentei fazer uma retrospectiva das últimas horas mas não conseguia
lembrar de nada até o instante da minha fuga.
Como fui parar naquela mansão? Quem era o chefe desses bandidos?
As respostas não vinham, mas meus perseguidores se aproximavam.
Desesperado, entrei numa rua transversal, tentando despistá-los.
Percebi que um carro também entrou na mesma rua, logo atrás do meu, "cantando" os pneus. Aumentei a velocidade tentando me distanciar e me preparando para entrar numa outra rua, em uma intersecção que havia a algumas quadras adiante. Quando estava a uns cem metros da citada esquina, tive meu caminho bloqueado por dois automóveis, deixando-me sem qualquer alternativa, a não ser a de colidir com estes veículos, provocando um acidente e talvez a morte dos ocupantes destes e até a minha própria. Instintivamente pisei forte no freio, travando as quatro rodas do carro, riscando o asfalto, com um barulho arrepiante e estridente. Imediatamente sentiu-se no ar o cheiro de borracha queimada. Assim que meu carro parou, foi cercado por quatro daqueles brutamontes, todos armados. Um deles, que parecia o chefe, abriu a porta do meu carro e quase me estrangula ao retirar-me à força de dentro. Fui arrastado até um dos carros que parara à frente do meu e jogado no chão, diante da porta traseira. O vidro foi baixado e então pude ver o rosto do meu algoz. Andrea Bocelli, o cantor cego!
Não entendi nada. o que o Bocelli poderia querer comigo? Que mal eu lhe teria feito?
Não me contive e gritava, repetindo desesperado:
- Andrea, o que você quer comigo?
- Andrea, o que você quer comigo?
- Andrea, o que você quer comigo?
Ao gritar pela terceira vez, recebi um murro na barriga e pude ouvir
claramente estas palavras:
- Acorde, descarado! Quem é esta Andrea?
FIM
Quando um dos quatro homens tentou me pegar, fugi por uma porta lateral. Eles correram atrás de mim. Pulei da varanda sobre o teto de um dos carros estacionados, amassando-o quase completamente e pulei ao chão, correndo rente ao muro da casa. Podia ouvir os gritos dos meus perseguidores e os latidos dos cães, agora também em meu encalço.
Nem pensava em olhar para trás, só queria saber como me livraria da sanha daqueles bandidos. Quando alcancei o portão, percebi que era apenas fechado por um trinco. Puxei a lingüeta e saí, batendo-o atrás de mim, no exato momento em que os cães chegavam, esbarrando-se contra este. Continuei correndo pelas ruas escuras do condomínio, até chegar à guarita de entrada. Abri o portão, deixando-o escancarado, e corri até onde deixara meu carro. O interessante é que eu sabia que meu carro estava ali, mas não sabia como chegara e nem quando. Entrei e como a chave encontrava-se na ignição, liguei o motor e saí
do local em disparada. Eles não se deram por satisfeitos. Logo três carros me perseguiam pelas ruas da cidade. Eu dirigia como louco, embora fosse de madrugada e o trânsito estivesse tranqüilo. Vez por outra, um farol alto refletia no retrovisor interno, ofuscando-me. Minha cabeça latejava e meu corpo denunciava as marcas do espancamento que sofrera na mão dos bandidos. Não conseguia entender porque estava prisioneiro daqueles homens e nem mesmo o que eles queriam comigo.
O que eu teria ou saberia que valia tanto?
Tentei fazer uma retrospectiva das últimas horas mas não conseguia
lembrar de nada até o instante da minha fuga.
Como fui parar naquela mansão? Quem era o chefe desses bandidos?
As respostas não vinham, mas meus perseguidores se aproximavam.
Desesperado, entrei numa rua transversal, tentando despistá-los.
Percebi que um carro também entrou na mesma rua, logo atrás do meu, "cantando" os pneus. Aumentei a velocidade tentando me distanciar e me preparando para entrar numa outra rua, em uma intersecção que havia a algumas quadras adiante. Quando estava a uns cem metros da citada esquina, tive meu caminho bloqueado por dois automóveis, deixando-me sem qualquer alternativa, a não ser a de colidir com estes veículos, provocando um acidente e talvez a morte dos ocupantes destes e até a minha própria. Instintivamente pisei forte no freio, travando as quatro rodas do carro, riscando o asfalto, com um barulho arrepiante e estridente. Imediatamente sentiu-se no ar o cheiro de borracha queimada. Assim que meu carro parou, foi cercado por quatro daqueles brutamontes, todos armados. Um deles, que parecia o chefe, abriu a porta do meu carro e quase me estrangula ao retirar-me à força de dentro. Fui arrastado até um dos carros que parara à frente do meu e jogado no chão, diante da porta traseira. O vidro foi baixado e então pude ver o rosto do meu algoz. Andrea Bocelli, o cantor cego!
Não entendi nada. o que o Bocelli poderia querer comigo? Que mal eu lhe teria feito?
Não me contive e gritava, repetindo desesperado:
- Andrea, o que você quer comigo?
- Andrea, o que você quer comigo?
- Andrea, o que você quer comigo?
Ao gritar pela terceira vez, recebi um murro na barriga e pude ouvir
claramente estas palavras:
- Acorde, descarado! Quem é esta Andrea?
FIM
Ironia! (Conto)
Luís Campos (Blind Joker)
Cátia era uma bela mulher!
À época, teria cerca de vinte e cinco anos, arquiteta, corpo esguio e atraente.
Marcos era um homem bonito. Advogado, formado há três anos e beirava os vinte e nove anos.
Marcos e Cátia eram casados há dois anos.
Eles eram vizinhos de Ronaldo. Cego, com seus quarenta e dois anos, solteiro e que vivia com a mãe.
Na casa do casal não havia telefone e, quando eles queriam receber
recados, davam o número do vizinho e amigo.
Ronaldo era confidente dos dois.
Uma tarde, Cátia falou para o amigo que alguém a ligaria e gostaria
que ele a chamasse, mas não queria que Marcos soubesse.
Ronaldo lhe disse que, através dele, seu marido jamais saberia.
Assim, por uns três meses, Cátia recebeu as ligações desse "amigo".
Marcavam encontros e trocavam juras de amor, escutadas, forçosamente por Ronaldo, já que este estava sempre sentado ali pela sala.
Algumas vezes, nas quais Cátia não havia como receber as telefonemas do "amigo", ora por estar ausente, ora por Marcos estar presente, Ronaldo conversara com o cidadão, que lhe falava do seu envolvimento com a mesma. Ele não opinava, apenas escutava. Acabou ficando amigo do sujeito.
César era advogado e tinha trinta e quatro anos. Militava na área
criminal e herdara a "banca" do pai, magistrado e professor famoso
em Salvador. Este romance do César com a Cátia já durava três meses, quando, certa tarde, Marcos chamou Ronaldo e lhe disse que uma tal de Rosana iria ligar para ele e gostaria que o amigo o chamasse, porém sem deixar que a Cátia percebesse qual o assunto.
Assim procedeu Ronaldo... com ambos!
Uma noite, dois meses depois dessa conversa com o Marcos e inúmeros "recados" discretos para ambos, Cátia entra aos prantos na casa de Ronaldo. A mãe dele, uma viúva com cerca de sessenta anos, trás água com açucar para acalmar a jovem vizinha.
Ela, inocente e sem maldade, nunca imaginaria que as ligações
recebidas pelo casal, em sua casa, não eram nada inocentes, visto
nunca escutar as conversas destes ao telefone por estar cuidando
dos seus afazeres domésticos e também por sua educação não permitir esse tipo de atitude, pois seus pais assim lhe ensinara.
Dona Branquinha ficou chocada quando Cátia, entre lágrimas, exclamou:
- Oh, meu Deus, descobri que o Marcos tem uma amante!
Como ele pôde fazer isso comigo?
Dona Branquinha, para consolar a moça, filosofou:
- Homem é tudo igual, minha filha... só muda de endereço!
Ronaldo apenas sorriu maliciosamente!
FIM
Cátia era uma bela mulher!
À época, teria cerca de vinte e cinco anos, arquiteta, corpo esguio e atraente.
Marcos era um homem bonito. Advogado, formado há três anos e beirava os vinte e nove anos.
Marcos e Cátia eram casados há dois anos.
Eles eram vizinhos de Ronaldo. Cego, com seus quarenta e dois anos, solteiro e que vivia com a mãe.
Na casa do casal não havia telefone e, quando eles queriam receber
recados, davam o número do vizinho e amigo.
Ronaldo era confidente dos dois.
Uma tarde, Cátia falou para o amigo que alguém a ligaria e gostaria
que ele a chamasse, mas não queria que Marcos soubesse.
Ronaldo lhe disse que, através dele, seu marido jamais saberia.
Assim, por uns três meses, Cátia recebeu as ligações desse "amigo".
Marcavam encontros e trocavam juras de amor, escutadas, forçosamente por Ronaldo, já que este estava sempre sentado ali pela sala.
Algumas vezes, nas quais Cátia não havia como receber as telefonemas do "amigo", ora por estar ausente, ora por Marcos estar presente, Ronaldo conversara com o cidadão, que lhe falava do seu envolvimento com a mesma. Ele não opinava, apenas escutava. Acabou ficando amigo do sujeito.
César era advogado e tinha trinta e quatro anos. Militava na área
criminal e herdara a "banca" do pai, magistrado e professor famoso
em Salvador. Este romance do César com a Cátia já durava três meses, quando, certa tarde, Marcos chamou Ronaldo e lhe disse que uma tal de Rosana iria ligar para ele e gostaria que o amigo o chamasse, porém sem deixar que a Cátia percebesse qual o assunto.
Assim procedeu Ronaldo... com ambos!
Uma noite, dois meses depois dessa conversa com o Marcos e inúmeros "recados" discretos para ambos, Cátia entra aos prantos na casa de Ronaldo. A mãe dele, uma viúva com cerca de sessenta anos, trás água com açucar para acalmar a jovem vizinha.
Ela, inocente e sem maldade, nunca imaginaria que as ligações
recebidas pelo casal, em sua casa, não eram nada inocentes, visto
nunca escutar as conversas destes ao telefone por estar cuidando
dos seus afazeres domésticos e também por sua educação não permitir esse tipo de atitude, pois seus pais assim lhe ensinara.
Dona Branquinha ficou chocada quando Cátia, entre lágrimas, exclamou:
- Oh, meu Deus, descobri que o Marcos tem uma amante!
Como ele pôde fazer isso comigo?
Dona Branquinha, para consolar a moça, filosofou:
- Homem é tudo igual, minha filha... só muda de endereço!
Ronaldo apenas sorriu maliciosamente!
FIM
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