tag:blogger.com,1999:blog-43340201167990178722024-02-08T08:56:04.613-03:00Revista Cego à VistaA Revista Cego à Vista destina-se à publicação de tudo que escrevo.
Aqui você poderá ler cordéis, crônicas, contos, poesias e algumas
novelinhas em capítulos.
Se quiser falar comigo, meu e-mail é:
lc51letras@gmail.comLuís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.comBlogger40125tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-50742968370558094382020-04-29T07:18:00.001-03:002020-04-29T07:18:33.600-03:00Mais 12 contos de minha autoria* Procurado vivo ou morto
<br>
<br>
<br>
<br>O xerife, sentado a uma mesa, jogava com mais três cowboys.
<br>De repente um delegado adentra o saloon e dirigindo-se a ele, diz:
<br>
<br>- Xerife, "nosso homem" está pescando no Grande Rio.
<br>
<br>- Vamos pegá-lo, delegado... Senhores, me desculpem, mas o dever me
<br>chama. - disse o xerife, levantando-se e pegando as moedas que
<br>apostara.
<br>
<br>"Ainda bem que o delegado chegou... eu estava com uma "mão" péssima",
<br>pensou ele.
<br>
<br>O xerife e o delegado passaram na delegacia, pegaram uma corda com um
<br>laço regulável numa das pontas. Saíram armados com seus revólveres e
<br>rifles, subiram numa carroça puxada por dois belos e escovados cavalos
<br>e partiram para a caçada ao criminoso.
<br>
<br>Cerca de uma hora depois avistaram o bandido sentado placidamente à
<br>margem do rio, segurando uma vara e fazendo força para puxar o peixe que
<br>fisgara.
<br>
<br>Entretido, o homem nem percebeu quando a carroça parou próxima a ele e
<br>continuou dando linha ao peixe.
<br>
<br>O xerife aproximou-se de suas costas, passou o laço em seu pescoço e
<br>começou a puxá-lo em direção a uma grande árvore, sob a qual parara a
<br>carroça.
<br>
<br>O homem, puxado pela corda, sentindo que o laço apertava seu pescoço,
<br>andando de costas, mas sem soltar a vara e ainda dando linha, chegou
<br>onde estava a carroça.
<br>O xerife e o delegado, sem se incomodarem com a vara de pescar do homem
<br>nem a linha desta, retesada, o pegaram pelos braços e o colocaram sobre
<br>a carroça. Depois jogaram a corda sobre as laterais desta e o amarraram
<br>firmemente. Subiram na boleia e partiram, colocando os cavalos a trote.
<br>
<br>O homem, sentado e amarrado à carroça, em nenhum momento soltara a vara
<br>e a linha retesou-se ainda mais. Ele então deu mais linha.
<br>
<br>Quando a carroça estava a uns trinta metros da margem do rio, o xerife
<br>e o delegado ouviram um barulho e sentiram um tombo na carroça.
<br>
<br>Ao olharem para tráz, querendo saber o que havia ocorrido com o
<br>prisioneiro, viram um enorme peixe que engolira o pescador e agora
<br>lambia os beiços e palitava os dentes com a vara de pescar.
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 12 de novembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* Final de campeonato
<br>
<br>
<br>
<br>A televisão está no volume máximo.
<br>
<br>"... mais dois minutos de acréscimo, torcedor. Se esse placar se
<br>mantiver, poderemos soltar o grito de campeão."
<br>
<br>Diz o narrador nada imparcial e revelando, como fez durante toda a
<br>narração, por qual equipe está torcendo.
<br>
<br>Recostado à cabeceira da cama ele assiste o jogo, cruzando os dedos
<br>cada vez que o time adversário está com a bola, como fez durante todo o
<br>tempo.
<br>
<br>Priiiiiiiiiiiiiiiiiii! Priiiiiiiiiiiiii!
<br>
<br>"... Apita o árbitro. Acabou, acabou, somos campeões."
<br>
<br>Ele se levanta, com um enorme sorriso, deixando cair algumas lágrimas de
<br>emoção e vai até a cozinha gritando a pleno pulmões:
<br>
<br>- É campeão... é campeão... é campeão!
<br>
<br>Bebe um pouco de água e retorna ao quarto. Volta a recostar-se para
<br>ouvir os comentários e ver a festança em todo o país pela vitória.
<br>
<br>Enxuga as lágrimas na camisa do seu clube, sua maior paixão. Só
<br>depois vem o amor à esposa.
<br>Ele sente uma fisgada no peito e grita:
<br>
<br>- É campeão... é campeão... é campeão!
<br>
<br>Fecha os olhos e continua ouvindo os cronistas opinarem sobre o
<br>maravilhoso espetáculo que seu time deu, enquanto é reprisado o gol
<br>da partida.
<br>
<br>"Vencer é muito bom. Vencer por um a zero é muito sofrimento, mas o
<br>que vale é vencer". - Diz um dos cronistas.
<br>
<br> ___
<br>
<br>A esposa voltou do shopping e enquanto coloca o carro na garagem, pensa
<br>no quanto está alto o volume da televisão. Certamente o marido quer que
<br>os vizinhos compartilhem da sua alegria, pois ela já sabia que o time
<br>dele ganhara o jogo.
<br>
<br>Assim que entra no quarto, pega o controle da TV no criado-mudo e baixa
<br>o volume a um nível razoável. Ele não reclama. Continua recostado,
<br>agora com os olhos fechados.
<br>
<br>Ela toma um banho, veste uma roupa de ficar em casa e vai pra cozinha
<br>esquentar o jantar.
<br>
<br>De volta ao quarto, diz:
<br>
<br>- Acorda, homem... o jantar está na mesa!
<br>
<br>Mas ele nem se abala. Então ela diz:
<br>
<br>- Que sono pesado, meu Deus!
<br>
<br>Volta a chamá-lo e ele não responde. Então ela o balança pelo ombro e
<br>ele cai pro lado. Está morto!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 25 de novembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* A navalha
<br>
<br>
<br>
<br>A secretária aproximou-se do diretor e disse:
<br>
<br>- Senhor, sua cunhada ligou e pediu para o Senhor chegar mais cedo em
<br>casa.
<br>
<br>- Obrigado, senhorita. - O chefe respondeu e olhando para o relógio,
<br>pensou: "O que será que ela aprontou dessa vez?"
<br>
<br>- Bem, pessoal... já são cinco e quinze. Estou indo. Até amanhã!
<br>
<br>Seus funcionários responderão à saudação e continuaram seus afazeres.
<br>
<br> - _ -
<br>
<br>Enquanto dirigia, falava consigo:
<br>
<br>- Já pedi à minha mulher para evitar que a irmã dela fosse lá em casa.
<br>Quando ela está lá, sempre acontece algo inesperado.
<br>
<br> - _ -
<br>
<br>Ao abrir a porta de casa percebeu que o corredor de entrada fora lavado.
<br>Quando chegou na sala de jantar encontrou a cunhada e a babá do seu
<br>filhinho sentadas no sofá. Sobre a mesa, próxima da cadeirinha alta
<br>do bebê fazer as refeições à mesa, viu uma navalha, ainda com vestígios
<br>de sangue.
<br>Apreensivo, perguntou:
<br>
<br>- O que houve, moças?
<br>
<br>- Bem, cunhadinho. Quando a menina foi colocar o lixo lá fora, dois
<br>rapazinhos a renderam e entraram com ela.
<br>
<br>Ao chegarem aqui na sala, viram o bebê sentadinho à mesa comendo sua
<br>papa de banana amassada com aveia. Um deles se aproximou do neném,
<br>colocou essa navalha sobre a mesa e tentou retirar a criança da
<br>cadeirinha, o que certamente interromperia seu lanche.
<br>
<br>Quando o marginal baixou a cabeça para desamarrar o bebê da cadeira,
<br>o menino, tão rápido que não
<br>percebemos, segurou com força a navalha e bateu contra o pescoço do
<br>pivete, provocando um enorme corte.
<br>
<br>O sangue saía em borbotões do talho e o bandido e seu comparsa saíram
<br>correndo porta afora, deixando um rio de sangue pela casa.
<br>
<br>Com jeitinho tirei a navalha da mão do bebê e a coloquei sobre a mesa,
<br>distante dele, enquanto ele voltava a comer sua papa.
<br>Mandei a menina fechar a porta com a chave e passei a lavar todo o
<br>sangue, enquanto a babá continuava atenta ao bebê, que continuou comendo
<br>sua papa como se nada houvesse acontecido.
<br>
<br>E cadê meu filho?
<br>
<br>- Está dormindo, Patrão. - respondeu a babá.
<br>
<br>O homem pegou a navalha e disse:
<br>
<br>- É uma autêntica Solingen alemã. A melhor navalha do mundo!
<br>Será muito útil ao barbear-me!
<br>
<br> Fim
<br>
<br> Salvador, 17 de outubro de 2019
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>
<br>* O dono das terras
<br>
<br>
<br>
<br>O homem conduzia sua carroça na qual trazia mulher, filhos ainda
<br>crianças e pequenas criações. Parou à margem do rio e falou, olhando
<br>para um vale tendo uma grande floresta por trás:
<br>
<br>- A terra parece fértil! Ficaremos aqui!
<br>
<br>Dois meses depois havia construído uma casa, arara a terra, semeara
<br>e aguardava o tempo da colheita, caçando e pescando para comerem.
<br>
<br>Passaram-se os dias e, numa manhã, um segundo homem, conduzindo sua
<br>carroça, levando mulher, crianças pequenas e algumas criações, parou
<br>próximo da casa do primeiro e mandou seu povo descer.
<br>
<br>O primeiro homem então foi até o segundo e disse:
<br>
<br>- Vocês não podem ficar aqui. Estas terras são minhas.
<br>
<br>- Mas até onde vão suas terras? - perguntou o outro.
<br>
<br>- Até aquelas colinas ali. Suba e desça a colina e as terras serão
<br>suas. Lá também tem rio e floresta.
<br>
<br>E assim o segundo homem fez, embora aborrecido por ter que andar mais
<br>ainda.
<br>
<br>Quinze dias após essa conversa, apareceu ao primeiro homem um arauto do
<br>Príncipe de Estórias intimando-o a comparecer a uma audiência.
<br>No dia marcado o homem estava no palácio do rei daquelas terras. O
<br>segundo homem também se fez presente.
<br>
<br>Na sala do trono, Sir Blind, rei do Reino de Estórias, perguntou ao
<br>primeiro homem:
<br>
<br>- Jura dizer a verdade, nada mais do que a verdade, apenas a verdade?
<br>
<br>- Juro! - respondeu o primeiro homem.
<br>
<br>O segundo homem apenas assistia ao inquérito, já que fora ele quem
<br>fizera a reclamação.
<br>
<br>- Quanto tempo tem que o senhor é dono daquelas terras? - perguntou o
<br>rei.
<br>
<br>- Muito mais tempo do que o tempo que conheço esse homem, seu arauto,
<br>seu castelo e Vossa Majestade.
<br>
<br>- É esta a verdade? - inquiriu o rei.
<br>
<br>- Juro, Majestade, por sua coroa! - respondeu o primeiro homem.
<br>
<br>Então o rei disse ao primeiro homem:
<br>
<br>- Muito bem! O senhor continuará na posse daquelas terras, desde que
<br>não esqueça de pagar os tributos reais.
<br>
<br>E virando-se para o segundo homem, o rei disse:
<br>
<br>- O caso está encerrado. O senhor também terá a posse das terras após
<br>a colina se não esquecer de pagar as taxas reais.
<br>
<br>- Vão em paz e sejam bons vizinhos para a grandeza do meu reino!
<br>
<br>Concluiu o rei apertando as mãos dos dois homens e saindo da sala.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 30 de janeiro de 2020.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* Um amor desastroso
<br>
<br>
<br>
<br>- Vá entrando, Júnior.
<br>
<br>Júnior entrou e fechou a porta do carro.
<br>
<br>- Que tal darmos um passeio no zoológico e depois irmos a um motel?
<br>
<br>- Por mim, tudo bem!
<br>
<br>E assim fizeram.
<br>
<br>Os encontros já duravam três meses, com muito amor e romantismo.
<br>
<br> ___
<br>
<br>- Júnior, hoje iremos a um motelzinho no subúrbio.
<br>
<br>- Por mim, tudo bem!
<br>
<br>E foram de ônibus até a estação do trem e de trem foram até o tal
<br>subúrbio.
<br>Saltaram do trem, andaram de mãos dadas até o fim da estação, passaram
<br>sobre os trilhos e adentraram o caminho da praia.
<br>Então Irênio fez o Júnior parar e lhe disse:
<br>
<br>- Você me transmitiu AIDS. Por que não me falou que era soro positivo,
<br>Júnior?
<br>
<br>- Porque você não me perguntou!
<br>
<br>- Isto foi muito feio, Júnior e só me resta matá-lo.
<br>
<br>- Tudo bem... faça como quiser!
<br>
<br>Irênio puxou o 38 da cintura, encostou na testa de Júnior e atirou.
<br>Júnior caiu morto, sem dar um gemido.
<br>Irênio voltou correndo até onde deixara seu carro naquela manhã e saiu
<br>dali velozmente. Quando chegou na ladeira que margeia o mar, reduziu a
<br>velocidade e arremessou o revólver ao mar.
<br>Acelerou mais ainda o veículo e, num ponto previamente escolhido, jogou
<br>o carro contra a amurada, quebrando-a e fazendo com que este
<br>precipitasse contra os rochedos e afundasse no mar.
<br>Agora Irênio também estava morto.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Quando Kellia chegou em casa, encontrou um bilhete sobre a cama de
<br>casal. Ela então o leu:
<br>
<br>"Meu amor. Quando você encontrar este bilhete eu já estarei morto. Logo
<br>você será avisada pela polícia. Gostaria que você fizesse exames para
<br>ver se eu a contaminei, pois numa falha de caráter, a trai, várias
<br>vezes, com um gay soro positivo. Por favor, não conte esta verdade ao
<br>nosso filho, pois aos 10 anos poderia ficar traumatizado. Peço que,
<br>assim que completar 1 mês da minha morte, que dê entrada na pensão da
<br>Assembleia e no banco requeira o seguro de vida que temos lá. Por Deus,
<br>me perdoe por tê-la magoado tanto. Por último, peço-lhe que queime este
<br>bilhete para evitar que caia em mãos indesejáveis. Com amor, Irênio. "
<br>
<br>Com as lágrimas escorrendo, Kellia acendeu o fogo e queimou o bilhete.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 17 de dezembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* Empresário de má fé
<br>
<br>
<br>
<br>Nagi Sacono era um comerciante espertalhão e ganancioso, não medindo o
<br>tamanho das suas falcatruas para crescer.
<br>Tinha sete lojas em São Paulo, as "Lojas Nagi", distribuídas pelos
<br>bairros da cidade.
<br>Um dia recebe uma telefonema de um dos seus "fornecedores" lhe
<br>oferecendo mais de 10000 rádios relógios despertadores trazidos da Zona
<br>Franca de Manaus. O preço, uma bagatela, diante do que pagaria se
<br>comprasse os aparelhos legalmente.
<br>Não titubeou e disse ao fornecedor que enviasse o material para seu
<br>depósito principal, o que foi feito em menos de uma semana.
<br>Nagi dividiu a mercadoria entre suas lojas, cabendo a cada uma 1428
<br>aparelhos que foram anunciados a preços mais baixos do que os da
<br>concorrência, embora fosse produto de marca conhecida.
<br>Estava claro que o material, apesar de comprado legalmente para ser
<br>comercializado em Manaus, fora contrabandeado para Sampa, não se sabendo
<br>como os contraventores fizeram isto. Mas, para Nagi, nada disso
<br>interessava, só importava o lucro que teria.
<br>Infelizmente, por um erro de cálculo, Nagi Sacono mandou vender os
<br>rádios pela metade do preço que pagara e aí se deu mal, pois quando
<br>percebeu a burrada que fizera, menos de uma centena sobrara em cada uma
<br>das suas sete lojas.
<br>Para piorar de vez a merda que se metera, um procurador da Receita
<br>Federal comprou um dos aparelhos e desconfiou por pagar tão barato,
<br>então comunicou o fato à Polícia Federal que iniciou as investigações.
<br>
<br>Quatro meses depois, Nagi, indiciado e preso, pedia falência.
<br>Os intermediários e contrabandistas também foram presos, mas a justiça os
<br>liberou para responderem em liberdade, após pagarem uma fiança altíssima.
<br>Nagi também acabou solto.
<br>Na época da falência a Mesbla e a Sandiz dividiram entre si o ativo e o
<br>passivo das empresas do Nagi Sacono.
<br>
<br>Perdido, sem saber o que fazer da vida já que perdera todos seus bens
<br>e como não tinha família, Nagi pegou seus últimos trocados e foi ser
<br>garimpeiro em Serra Pelada, no Pará.
<br>
<br>Se chegou a encontrar alguma pepita de ouro, não se sabe. O que se sabe
<br>é que ele se meteu a besta com um cabra mais antigo no garimpo por
<br>causa de uma das poucas mulheres que se arriscavam a fazer vida naquele
<br>inferno e se deu mal. Foi esfaqueado e morto. Será que foi enterrado ou
<br>jogaram seu corpo em algum lugar para os urubus comerem?
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 1 de fevereiro de 2020.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* Uma viagem inesquecível
<br>
<br>
<br>
<br>Pela tarde passei na agência e comprei as duas passagens, pois para a
<br>bebê não precisaria.
<br>No dia seguinte pela manhã sairia o ônibus. Chegamos quase na hora da
<br>partida, mas embarcamos sem contratempos.
<br>Nossas poltronas ficavam na "cozinha", apelido que se dá à parte
<br>traseira dos ônibus, que balança bastante e ainda tem a quentura e
<br>o barulho do motor, sem falar no fedor que exala do pequeno sanitário.
<br>
<br>Me acomodei na poltrona e minha mulher, tendo nossa filhinha ao colo,
<br>estava sentada no canto, ou, como dizemos, "na janela".
<br>
<br>A viagem iniciou-se com o sol alto, esquentando os passageiros do lado
<br>contrário ao que estávamos. Após algumas horas de viagem eu já
<br>cochilava e a mulher também.
<br>Em certo momento fui acordado por um passageiro que cutucou meu ombro.
<br>Quando me virei para ele, ele disse:
<br>
<br>- O Bebê tá no chão!
<br>
<br>Agradeci e acordei a mulher para pegar a menina que estava sobre seus
<br>pés. Ela aconchegou a menina entre nós e colocamos a perna de modo que
<br>evitaria que a criança caísse.
<br>Voltamos a dormir até chegarmos à cidadezinha de destino.
<br>
<br>Após aquela confusão de todos quererem saltar ao mesmo tempo,
<br>congestionando o corredor do veículo, peguei nossa pequena mala e saltamos.
<br>
<br>Na frente da agência local, reconheci alguns rapazes que havia conhecido
<br>quando crianças, mas não lembro como e nem quando os conheci.
<br>Perguntei por um hotel e me indicaram uma mercearia.
<br>Fomos até lá e falei com uma funcionária sobre os apartamentos para
<br>pernoitarmos.
<br>Ela me disse que não eram apartamentos, mas sim quartos. Perguntei a ela
<br>se tinha banheiro dentro e ela disse que tinha.
<br>Perguntei o preço da diária e ela me deu um valor que achei muito alto.
<br>Ela me disse que era por ser fim de mês, embora fosse dia vinte e
<br>três. Contestei, mas de nada adiantou, então peguei nossa mala e
<br>saímos do estabelecimento.
<br>
<br>Pensei em procurar outro hotel, uma pousada ou pensão, mas, tendo como
<br>última opção, deixar a mala na agência de passagens e visitar nossas
<br>duas amigas que moravam ali.
<br>
<br>Talvez elas nos convidassem para pernoitarmos em suas casas.
<br>
<br>A partir deste momento não lembro de mais nada, a não ser que no dia
<br>seguinte embarcávamos de volta à nossa cidadezinha.
<br>
<br>Não lembro se nos hospedamos em algum lugar, não lembro se visitamos
<br>nossas amigas, cujos nomes também não lembro, nem mesmo lembro o que
<br>fomos fazer naquele lugarejo.
<br>
<br>Até hoje, quarenta e cinco anos depois, tento lembrar o que aconteceu,
<br>mas não consigo.
<br>
<br>Até o momento que estávamos no ônibus de volta à nossa cidadezinha, eu
<br>ainda lembro, mas daí em diante é um branco só.
<br>
<br>Nem sei dizer se chegamos em nossa casa!
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br>Salvador, 21 de outubro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* O pescador e a sereia
<br>
<br>
<br>
<br>Dia 13 de agosto. Sexta-feira, quase meia-noite. A lua cheia com seus
<br>raios prateados realçava o dourado das areias daquela praia. Nas
<br>cabanas os pescadores e suas famílias dormiam, acalentados pelo murmurar
<br>do vento nos coqueiros e o marulhar das pequenas ondas batendo nos
<br>cascos dos barcos ancorados na enseada.
<br>
<br>Num dos barcos, um pescador vestindo sua melhor roupa, segurando as
<br>mãos de uma belíssima sereia que estava na água e tinha uma coroa de
<br>espuma a ornar-lhe os cabelos, lhe fazia juras de amor. A moça, também
<br>apaixonada, entregava-se às carícias dessa paixão incomum.
<br>À volta deles, diversas outras sereias, com seus cabelos enfeitados de
<br>conchas e algas, sorriam para o casal.
<br>
<br>Eles haviam pedido á Vênus que os unisse em matrimônio. Quando o sino de
<br>uma igreja longínqua bateu as doze badaladas, surgiu no horizonte a
<br>comitiva da deusa. Numa carruagem em forma de concha, puxada por oito
<br>cavalos marinhos, vinha deitada Vênus. Nereidas e Amores, montadas em
<br>delfins vinham logo atrás, semeando flores sobre as vagas, enquanto
<br>Cupido as seguia voando. Ninfas, sátiros e faunos fechavam o cortejo,
<br>cantando e dançando sobre as ondas.
<br>
<br>Assim que alcançaram o barco do pescador, a comitiva foi recepcionada
<br>pelas sereias que lhes atiraram guirlandas de espumas e algas.
<br>
<br>Vênus parou sua carruagem diante dos amantes e lhes disse:
<br>
<br>- Cupido me pediu que viesse abençoar o amor de vocês, mas ele esqueceu
<br>de me dizer que havia flechado um humano e uma sereia. Isto me coloca
<br>num dilema: devo transformar o humano num tritão ou a sereia numa
<br>humana?
<br>
<br>- Magnífica deusa, se posso escolher, acho que seria mais razoável
<br>transformar minha sereia amada numa humana.
<br>Assim eu poderei trabalhar para nos sustentar, mantendo assim a chama
<br>do amor que nos une.
<br>
<br>- Palavras sensatas, jovem pescador. Sendo assim, ordeno que a sereia
<br>saia da água e apareça, já como humana, dentro do barco ao lado do seu
<br>futuro marido.
<br>
<br>E assim aconteceu.
<br>
<br>- Pelo poder investido em mim pelos deuses, eu os declaro marido e
<br>mulher. Pode beijar a noiva, jovem pescador.
<br>
<br>E o casal beijou-se apaixonadamente, ovacionados pelos presentes à
<br>cerimônia.
<br>
<br>- Para fechar este casamento com chave de ouro, disse Vênus, gostaria
<br>de proporcionar-lhes a lua-de-mel. Pergunto-lhe, meu jovem pescador,
<br>onde pretende passar sua lua-de-mel?
<br>
<br>- Em minha cabana mesmo, Dona Vênus. Obrigado por tudo.
<br>
<br>- Que vossa vontade seja feita. - concluiu a deusa, afastando-se com seu
<br>séquito.
<br>
<br>Já na cabana com sua esposa, o pescador lhe diz:
<br>
<br>- Vou ao supermercado, meu amor. Preciso comprar material de limpeza,
<br>pois este barraco não vê mão de mulher há muito tempo!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 16 de dezembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* A casa da maré
<br>
<br>
<br>
<br>Três meses morando com Lisa, após o convite que esta lhe fizera, Dona
<br>Aída teve a certeza de que ela e seus filhos nunca sairiam da companhia
<br>da moça, como se confirmou, já que elas envelheceram juntas e amigas.
<br>
<br>Um dia Aída disse à Lisa que iria visitar suas antigas amigas, no que
<br>Lisa concordou e achou um gesto muito bonito da parte dela.
<br>
<br>Então Aída e os meninos pegaram um táxi e rumaram para a Rua da Maré.
<br>Ela sabia que seria triste rever sua antiga casa nas palafitas e nem
<br>sabia se ainda estaria vazia, como a deixou.
<br>Queria ver como ia o povo por lá, embora soubesse que a miséria não
<br>abandona quem nasce com ela.
<br>Atravessou aquela ponte bamboleante que parecia querer afundar na maré,
<br>como as demais por ali. Chegou à sua casa, viu que a porta estava
<br>encostada e a empurrou, embora receosa de encontrar alguém lá dentro.
<br>Não havia ninguém. Seus velhos pertences continuavam ali, intocáveis.
<br>A emoção de rever aquela casa e lembrar dos anos que viveu naquele
<br>lugar, fez com que derramasse algumas lágrimas.
<br>Disse às crianças que fossem ver os amiguinhos daquele triste passado.
<br>Disse também que ela estaria na casa de Célia esperando por eles. Os
<br>meninos saíram correndo por aquelas pontes como se pisassem em terra
<br>firme e não em velhas pontes que balançavam ao sabor do vento e do peso
<br>de quem, acostumado, transitavam por elas.
<br>Célia deu um abraço apertado em Aída e chamou Alice, vizinha e amiga
<br>de ambas para papear com elas.
<br>A conversa vinha fácil e entre risos e lágrimas, elas lembraram os
<br>velhos tempos das dificuldades e das alegrias naqueles duros dias.
<br>Aída contou-lhes a sorte grande que tirara quando seu Fernando fora
<br>descoberto pela Lisa, agora quase uma filha para ela.
<br>
<br>Célia disse que ela e Alice tomaram conta da casa e todas as semanas
<br>iam limpá-la, pois não sabiam quando ela voltaria e não queriam que
<br>Aída e as crianças encontrassem a casa suja.
<br>
<br>Aída agradeceu às amigas e lhes disse que, pelas graças de Deus, não
<br>voltariam a morar ali, portanto deixava a casa para que elas dessem o
<br>fim que quisessem. Aída chegou na porta da casa da amiga e gritou pelos
<br>filhos. O pôr-do-sol já coloria o céu quando ela e as crianças se foram,
<br>mas prometendo voltar. Convidou as amigas para que fossem com os filhos
<br>visitá-la, pois garantia que seriam muito bem recebidas por Lisa.
<br>
<br>Apesar de passarem maus bocados nas palafitas, o coração de Aída tinha
<br>saudades daqueles tempos, mesmo sabendo que foi ali que o pai dos
<br>meninos, bêbado, caiu duma ponte e morreu afogado.
<br>
<br>Eles deixaram as palafitas, pegaram um táxi e voltaram para casa.
<br>
<br>Quando Lisa chegou, durante o jantar com eles, Aída lhe contou como
<br>fora aquele dia. E duas lágrimas escorreram dos seus olhos!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 4 de fevereiro de 2020.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* Um arauto valoroso
<br>
<br>
<br>
<br>O rei sonhou que era criança e lia um livro de histórias maravilhosas
<br>do oriente que seu pai, rei à época, lhe dera.
<br>Naquela manhã, após as abluções matinais e o desjejum real, mandou
<br>chamar o arauto real:
<br>
<br>- Meu querido arauto. Quero que você viaje por meu reino e, se preciso,
<br>pelos reinos vizinhos, afim de encontrar um livro de histórias
<br>maravilhosas do oriente que gostaria de ler para meus filhos e súditos.
<br>Você viajará o tempo necessário para encontrar esse livro do qual não
<br>sei o nome nem a autoria.
<br>Parta ainda hoje, na pequena carruagem azul e leve um criado como
<br>cocheiro.
<br>Peça ao tesoureiro real quantas moedas acredite que sejam necessárias
<br>para as despesas desta difícil empreitada.
<br>
<br>- Ouço e cumpro suas ordens, Majestade, meu rei e senhor!
<br>
<br>E o arauto saiu da sala de refeições reais para cumprir o mandado do
<br>seu rei.
<br>
<br>Naquela tarde, com tudo preparado, eles partiram.
<br>
<br>Durante um ano o arauto visitou sebos e livrarias, indagou aqui e ali
<br>até que no Reino das Graças encontrou o tal livro e o comprou.
<br>
<br>Era um bonito livro. Capas duras, letras em dourado e vermelhas, com
<br>pequenas iluminuras no início de cada conto.
<br>
<br>Retornando ao castelo do seu rei, o arauto leu o livro em voz alta
<br>para que seu cocheiro também o ouvisse, só parando a leitura durante
<br>as refeições, para darem de comer aos cavalos e dormirem nas estalagens
<br>do caminho de volta, numa viagem que duraria cerca de mais um ano.
<br>
<br>Quando estavam a algumas léguas do castelo do rei e o arauto já havia
<br>lido todo o livro, uma das rodas da carruagem passou sobre uma pedra e,
<br>com o tombo, o livro foi arremessado para fora, caindo num desfiladeiro
<br>de mais de mil metros de altura e perdeu-se lá embaixo.
<br>
<br>O cocheiro, chorando, pediu perdão ao arauto e disse que o rei iria
<br>castigá-lo, mas o arauto o acalmou dizendo que resolveria o problema.
<br>
<br>O arauto ainda tentou ver se haveria como recuperar o livro, mas logo
<br>se deu conta que nenhum homem teria como descer naquele buraco.
<br>
<br>E assim, depois de dois anos de viagem, chegaram ao castelo de mãos
<br>vazias.
<br>
<br>O arauto contou a seu rei o incidente ocorrido quase às portas do
<br>castelo e, apesar de tristonho, o rei perdoou o arauto e o cocheiro.
<br>
<br>- Nem tudo está perdido, Majestade! - exclamou o arauto.
<br>
<br>- Oh! Como não, nobre arauto? O senhor pretende fazer uma nova viagem
<br>em busca de outro exemplar do livro?
<br>
<br>- Não, meu rei e senhor.
<br>
<br>- Então se explique, nobre arauto.
<br>
<br>- Durante o retorno eu li todo o livro e como tenho todas as histórias
<br>na memória, posso contá-las, Majestade.
<br>
<br>E por dois anos e duzentos e setenta e um dias, logo após a ceia no
<br>castelo, o arauto contou para o rei, a rainha, os três príncipes, a
<br>pequena princesa, nobres, fidalgos, cavaleiros e criados, as histórias
<br>que a Scherazade contara no livro "As mil e uma noites".
<br>
<br>
<br>- FIM -
<br>
<br>Salvador, 21 de novembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* Vingança tardia
<br>
<br>
<br>
<br>Naquela quinta-feira de novembro Tombus City comemorava o Dia de Ação
<br>de Graça, quando o povo aproveita o feriado para agradecer o ano que
<br>passou e pedir um ano vindouro de fartura. As famílias, reunidas
<br>num farto jantar à base de comidas típicas como peru, pão, abóbora,
<br>batata-doce, purê, tortas variadas e outras iguarias, festejam esse
<br>dia orando, perdoando e agradecendo a Deus pela fartura que tiveram.
<br>
<br>Carros alegóricos, bandas de música e estudantes desfilavam na rua
<br>principal quando Judy entrou na loja de armas e pediu ao dono um rifle
<br>de repetição, mas o queria devidamente carregado. O homem lhe entregou
<br>um dos melhores que tinha em sua loja. Ela apontou a arma para o
<br>senhor e disparou em sua cabeça, matando-o instantaneamente.
<br>
<br>- O rifle tá pago! - exclamou ela, saindo do estabelecimento.
<br>
<br>O barulho do tiro foi abafado pelos sons das bandas.
<br>
<br>A mulher chegou na igreja quando o povo estava saindo. Assim que avistou
<br>o prefeito, acertou-lhe um tiro no peito. Também atirou no dono do
<br>armazém e num fazendeiro abastado da região, matando a todos.
<br>
<br>Enquanto o povo corria esbaforido, sem direção certa, ela se encaminhou
<br>para a delegacia. O xerife, sentado numa cadeira de balanço, encostada
<br>à parede do escritório caiu alvejado no peito por mais um tiro certeiro
<br>da mulher. Ao ouvirem o disparo, os policiais saíram correndo e
<br>encontraram o xerife morto e não virão para que lado o assassino fora.
<br>Logo alguns homens que estavam na praça da matriz chegaram para
<br>comunicar as mortes ao xerife e o encontraram morto.
<br>Então eles disseram aos policiais que a assassina era a Judy, filha do
<br>ferreiro Job.
<br>Os homens se armaram e organizaram uma patrulha para prender a mulher,
<br>que fora vista indo em direção à casa do juiz.
<br>Indo por um atalho a patrulha chegou lá primeiro. Cada homem procurou
<br>um local para se proteger e ficou aguardando a chegada de Judy.
<br>Um dos policiais entrou na casa do juiz e lhe pôs a par dos
<br>acontecimentos. O velho pegou seu revólver e postou-se sob a janela da
<br>sala de sua casa.
<br>
<br>Quando Judy adentrou a rua na qual havia uma emboscada para ela, parece
<br>que percebera a presença dos homens, tanto que correu em direção à casa
<br>do juiz, mas antes que alcançasse o portão, caiu de cara na poeira da
<br>rua, alvejada por mais de quinze tiros.
<br>
<br>O juiz agradeceu aos homens que salvaram sua vida, dizendo-lhes que
<br>fora melhor ver a assassina morta ali do que vê-la enforcada.
<br>
<br>O pai de Judy, o ferreiro Job, envergonhado e triste com a atitude da
<br>filha, mas sabedor da razão daqueles assassinatos, contou no velório
<br>aos amigos, e quem estava presente ouviu, que a filha matara aqueles
<br>homens porque haviam abusado da sua confiança e a usaram sexualmente
<br>quando ela era adolescente e apenas o juiz escapara da sua vingança.
<br>
<br>Um mês depois o ferreiro deixava a cidade para sempre!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 22 de fevereiro de 2020.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* Um maestro quilombola
<br>
<br>
<br>
<br>Aos cinco anos, juntamente com seus quatro irmãos menores, foi entregue
<br>pela mãe que estava à beira da morte, a uma tia para serem criados.
<br>O antigo quilombo que moravam ficava num morro, em terras do interior
<br>da Bahia.
<br>Lá embaixo passava a linha férrea e o menino, à tardezinha, descia e
<br>acocorado perto da pequena estação, ficava apreciando a Maria-Fumaça
<br>"beber água e comer carvão" para prosseguir sua viagem para a Bahia,
<br>como diziam os mais velhos.
<br>
<br>Até os sete anos ele tinha essa rotina, afinal, ver passar o trem era
<br>uma alegria para as crianças. O maquinista e o foguista que eram sempre
<br>os mesmos, já o conheciam e até trocavam acenos com o menino.
<br>
<br>Um dia o chamaram e lhes mostraram o interior da cabine da locomotiva e
<br>ele ficou deslumbrado. Por muitas noites o menino sonhou viajar de trem
<br>para a Bahia.
<br>
<br>Pela manhã frequentava a escola. Após o almoço, fazia as tarefas
<br>escolares, brincava com outras crianças de sua faixa de idade, mas na
<br>hora do trem passar acabavam todas as brincadeiras e ele descia para
<br>esperar o trem.
<br>
<br>Um dia pediu que o maquinista o levasse para a Bahia, pois queria ser
<br>maestro. Ele aprendera a tocar uma rabeca que ganhara de um dos mais
<br>velhos quilombolas e até tocou para seus amigos da locomotiva.
<br>
<br>Num dia de folga, o maquinista subiu ao quilombo e falou com a tia do
<br>menino. Prontamente ela o deu para o homem criar, pois assim teria uma
<br>boca a menos em casa para alimentar. Juntou as poucas coisas da criança
<br>num lençol e eles desceram para a capital no trem da tarde.
<br>
<br> ___
<br>
<br>O maquinista morava no bairro ferroviário com a esposa e dois filhos
<br>quase da idade do menino, que o receberam com amor e amizade. Logo o
<br>menino se enturmou, pois era alegre, educado e respeitoso.
<br>
<br>Uma professora de música que conhecia a família do maquinista ouviu o
<br>moleque tocando sua rabeca e prontificou-se a dar-lhe aulas de piano,
<br>sem cobrar nada, desde quando ele tirasse boas notas na escola que foi
<br>matriculado, a mesma que estudavam os filhos do maquinista.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Aos dezessete anos concluiu o segundo grau. Incentivado pela professora
<br>de piano, fez uma prova para estudar no Conservatório de Música sendo
<br>aprovado.
<br>
<br>Quatro anos depois formava-se em piano e já dava alguns concertos para
<br>professores e colegas. Três anos mais tarde formava-se como maestro e
<br>ganhara, num concurso, uma bolsa para estudar na Itália, berço de
<br>grandes maestros. Estudou italiano com um professor do conservatório
<br>já que a viagem seria dali a cinco meses.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Uma vez em Milão, trava conhecimento com importantes compositores como
<br>Carlos Gomes, Verdi, Ponchielli, Boito, Puccini e Wagner, aprendendo
<br>bastante com estes mestres sobre a composição de óperas, embora nenhuma
<br>das suas obras tenham sido reconhecidas.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Ao completar sete anos em território italiano, decide retornar à Bahia
<br>e torna-se diretor e professor do Conservatório de Música e regente
<br>da Orquestra desta escola.
<br>Na ocasião tem a honra de reger uma filarmônica para seus familiares e
<br>amigos no bairro ferroviário que viveu com seus pais e irmãos adotivos.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Vocês saberiam a qual maestro me refiro?
<br>
<br>Não?
<br>
<br>Não pensem que o conhecimento e a cultura de vocês deixam a desejar,
<br>afinal, nem eu sei.
<br>
<br>Sinto muito, mas a história acima eu sonhei esta noite!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 30 de novembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-61051173210270878312020-04-29T07:06:00.001-03:002020-04-29T07:06:17.729-03:0012 contos de minha autoria* A borboleta molhada
<br>
<br>
<br>
<br>Desde criança que dormia encolhido, enrolado na coberta, cobrindo pés
<br>e cabeça, do outono ao verão.
<br>
<br>Naquele dia sonhara que era uma borboleta que acabara de sair do casulo
<br>sob uma forte chuva. Com as asas molhadas, acaba caindo na terra.
<br>
<br>Ao acordar, estava caído no chão do quarto e todo mijado.
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 23 de novembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>* A rainha destemida
<br>
<br>
<br>
<br>A Rainha, ao perceber que seus cavaleiros não têm força para proteger
<br>seu rei, decide enfrentar aquele bispo.
<br>Nas duas primeiras investidas da dama, o bispo se escondeu atrás de
<br>uma torre, mas na terceira tentativa ela consegue vencê-lo e ainda dar
<br>um xeque-mate no rei dele.
<br>
<br>O jogo acabou. Venceu as pretas.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 19 de novembro de 2019
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* No tempo da Maria Fumaça
<br>
<br>
<br>
<br>Ao chegar numa pequenina estação, o maquinista resolveu não parar o
<br>comboio, mas baixou a velocidade o máximo possível.
<br>O trem andava mais devagar do que um caracol, mesmo assim alguns
<br>passageiros não conseguiram subir.
<br>Então o maquinista parou o trem uns cem metros adiante.
<br>
<br>As pessoas saíram correndo e, num piscar de olhos, conseguiram acessar
<br>os vagões.
<br>
<br>O maquinista vira-se para o foguista e exclama:
<br>
<br>- Eles podem ser lerdos que nem uma lesma, mas são ótimos corredores!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 24 de novembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* As moscas briguentas
<br>
<br>
<br>
<br>Duas moscas voavam e em pleno voo lutavam disputando o que restara
<br>de um ovo podre dentro de um pedaço da sua casca que repousava no
<br>latão de lixo.
<br>
<br>A elas se reuniram outras, querendo desfrutar da iguaria ao dispor
<br>delas, mas sem qualquer intuito de lutarem.
<br>
<br>E as duas primeiras moscas entenderam que não adiantaria se matarem
<br>pelo petisco, afinal, como comem tão pouco, daria para dividirem entre
<br>todas o filão.
<br>Então as briguentas baixaram a guarda e pousaram sobre o ovo podre.
<br>De repente, distraídas, não ouviram um sibilar de aerosol e uma nuvem
<br>de inseticida caiu sobre elas. Todas morreram.
<br>E a tampa do latão foi baixada.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 1 de novembro de 2019
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* O tapete voador
<br>
<br>
<br>
<br>O jovem queria ser empresário, mas não sabia como empreender e no que
<br>aplicar a grana que herdara dos pais, mortos num acidente num tapete
<br>voador que desfiou, jogando-os ao chão de uma altura de 60 metros.
<br>
<br>Ainda bem que eles, os velhos, haviam feito um seguro de vida do qual
<br>ele era o beneficiário.
<br>E foi essa grana do seguro que ele pretendia investir, afinal, se
<br>deixarmos nossa grana parada, a inflação desvaloriza logo logo,
<br>principalmente se estiver em conta corrente sem que seja aplicada.
<br>
<br>Então ele pensou e pensou: O que sei eu fazer? Nada!
<br>
<br>Então teve uma ideia supimpa.
<br>
<br>Comprou vários tapetes voadores, costurou uns aos outros e assim iniciou
<br>sua frota de tapetes voadores coletivos.
<br>
<br>E ficou mais rico ainda com essa ideia!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 17 de janeiro de 2020.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* O vigia do museu
<br>
<br>
<br>
<br>Era um exímio entalhador e trabalhava como vigia noturno num museu de
<br>história natural.
<br>Também gostava de pintar e seus quadros eram bastante apreciados pelos
<br>familiares, amigos, colegas e seus superiores.
<br>Entalhava santas, santos, figuras humanas, animais, deusas, deuses e
<br>aquilo que pedissem.
<br>Pintava natureza morta, paisagem, retrato, casario e até por encomenda.
<br>
<br>Gostava muito de armar quebra-cabeça, móbile e arapuca para pegar
<br>passarinho. Também fazia gaiolas e esculturas em arame.
<br>Morava numa casinha no fundo do museu há mais de 10 anos e que fora
<br>cedida pela diretoria. Esta casa ficava perto do lago e do bosque que
<br>havia nos fundos do museu e que a este pertencia.
<br>Morava sozinho, pois a esposa morrera e os dois filhos foram trabalhar
<br>noutras paragens.
<br>Pela manhã fazia o almoço, a sopa e o jantar. À tarde dormia até as
<br>seis horas, quando tomava banho, bebia sua sopa, jantava e ia vigiar
<br>o museu. Essa era sua rotina, além dos prazeres do entalhe e dos seus
<br>outros passatempos.
<br>
<br>Porém, o que mais gostava na vida era sopa de tutano!
<br>
<br> ___
<br>
<br>Quando o museu incendiou foi que os peritos descobriram que os ossos
<br>dos dinossauros eram quase todos esculpidos em madeira e pintados.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 7 de dezembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>
<br>* Os pombos da praça
<br>
<br>
<br>
<br>O céu estava azul claro e sem nuvens, como diriam os aviadores, "um céu
<br>de brigadeiro".
<br>
<br>Decidi dar um passeio nos arredores e caminhei até a praça da matriz.
<br>Ali, no meio da praça, sentado numa cadeira de braços mais antiga do
<br>que minha lembrança, com um livro em braille nas mãos, pouco se
<br>importando ou se incomodando com os pombos que pousavam em sua cabeça,
<br>seus ombros, nos braços da cadeira ou no livro que trazia aberto sobre
<br>as coxas, na mesma página há muito tempo, certamente distraído com a
<br>leitura, sem sequer piscar, o homem parecia sorrir.
<br>
<br>Em volta da sua cadeira, migalhas de pão, alguns grãos de milho
<br>quebrados serviam de alimento aos pombos.
<br>
<br>Talvez, entre estes, houvesse alguma pomba, símbolo da Santíssima
<br>Trindade, mas não havia como distingui-la entre as aves.
<br>
<br>E, aqui pra nós, não vi nada de santo naqueles pombos impertinentes e
<br>chatos. Alguns, que pousavam na cabeça do homem, a bicavam como se
<br>catassem lêndeas ou piolhos, sei lá.
<br>
<br>Em nenhum momento ele se mexeu ou fez cara feia, não que sua cara fosse
<br>bonita, mas como disse lá em cima, ele parecia sorrir da situação.
<br>
<br>Em sua camisa, nos ombros e até mesmo nos braços, algumas manchas
<br>escuras deixavam ver que os pombos não tinham qualquer respeito pelo
<br>sujeito e ele ali, quieto, sem nada fazer.
<br>
<br>Eu, sentado num banco próximo a ele, conjecturava:
<br>
<br>- Se este homem não fosse uma estátua, certamente não teria qualquer
<br>consideração a estes pombos abusados!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 8 de janeiro de 2020.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>
<br>* Cadê Sua Graça?
<br>
<br>
<br>
<br>Era janeiro. O sol já ia alto quando a comitiva real chegou ao castelo
<br>do Duque. Baixada a ponte levadiça, o arauto disse aos soldados a que
<br>viera. Alguns minutos depois um soldado mensageiro veio recebê-lo ao
<br>portão e lhe disse que Sua Graça não atendia antes de acordar nem antes
<br>do seu desjejum.
<br>Então a comitiva retornou ao castelo do rei.
<br>
<br>Era junho. O sol estava bem em cima da comitiva real quando esta chegou
<br>ao portão do castelo do Duque.
<br>Baixada a ponte levadiça o arauto disse aos soldados a que viera.
<br>Alguns minutos depois um soldado mensageiro veio dizer-lhe que Sua
<br>Graça não atendia durante o almoço nem antes da sesta.
<br>Mais uma vez a comitiva retornou ao castelo do rei.
<br>
<br>Era dezembro. O sol estava se pondo quando a comitiva real chegou ao
<br>castelo do Duque.
<br>A ponte levadiça foi baixada e o arauto disse aos soldados a que viera.
<br>Sua Graça, pessoalmente, veio recebê-lo.
<br>O arauto do rei, estendendo-lhe um mandado real, deu-lhe voz de prisão.
<br>Dois cavaleiros da comitiva real seguraram o Duque pelos braços e o
<br>fizeram montar num cavalo que lhe fora destinado.
<br>E a comitiva real retornou ao castelo do rei com sua missão cumprida.
<br>
<br>Os soldados do Duque ficaram admirados, mas nada disseram, embora a
<br>notícia da prisão de Sua Graça fosse espalhada pelo castelo. Como se
<br>soube depois, até que não houve muito choro.
<br>
<br>E o reveillon do Duque foi na masmorra com ratos, baratas, aranhas,
<br>mosquitos e uma jarra de água e um pão duro.
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 13 de novembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* A última pelada
<br>
<br>
<br>
<br>O selecionado de Estrela fora convidado para um amistoso na vizinha
<br>Vale do Paraíso.
<br>
<br>Contrataram um ônibus para levar os quinze jogadores da equipe. O
<br>percurso era de cerca de duzentos quilómetros e a viagem levaria pouco
<br>mais de duas horas. Os jovens jogadores cantavam, tocavam e brincavam
<br>com a alegria da despreocupação e certos da vitória naquele jogo.
<br>Após o veículo ter percorrido uns cem quilómetros, numa curva sinuosa o
<br>motorista do ônibus se depara com uma carreta ultrapassando outra.
<br>Para evitar a colisão, que seria fatal, ele joga o ônibus para o
<br>acostamento do seu lado da estrada, mas o acostamento é estreito e o
<br>pesado veículo derrapa e rola a ribanceira, enquanto as carretas
<br>desaparecem na próxima curva.
<br>O ônibus Capota umas cinco vezes e para lá embaixo todo quebrado e
<br>amassado, embora esteja com as rodas para baixo e encostado a algumas
<br>árvores. Logo o motorista abre a porta e todos saem do ônibus.
<br>Um dos rapazes sai com uma bola de couro na mão.
<br>Um pouco adiante, após algumas árvores, eles vêm um descampado, então
<br>um dos jovens tem a ideia:
<br>
<br>- Vamos jogar uma pelada até que o socorro chegue?
<br>
<br>Todos concordaram e dividiram os times, destacando o motorista para
<br>goleiro no time dos sem camisa.
<br>
<br>A equipe dos de camisa já ganhavam por seis a três quando um carro da
<br>Polícia Rodoviária parou lá em cima, no acostamento da estrada e os
<br>dois patrulheiros desceram a terrível encosta.
<br>Ao entrarem no ônibus, constataram que os dezesseis ocupantes do veículo
<br>estavam mortos.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 18 de novembro de 2019.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>
<br>* A aranha vingativa
<br>
<br>
<br>
<br>Pela manhã, ao escovar os dentes, senti alguma coisa tocar em minha
<br>cabeça. Passei a mão e o fio de uma teia enganchou-se em meus dedos.
<br>Ao procurar a aranha, descobri que ela me olhava da prateleira que há
<br>sobre a pia.
<br>Peguei a sandália e coloquei diante dela, ela então subiu e continuou
<br>me olhando. Agachei-me e a sacudi no chão.
<br>Calcei minha sandália e não lhe dei atenção.
<br>Após escovar os dentes, lavar o rosto e trocar de roupa, fui pra
<br>cozinha.
<br>Fiz meu café e sentei-me à mesa para fazer meu desjejum.
<br>Quando saboreava meu café, senti numa das pernas um toque sutil.
<br>Passei a mão e novamente trouxe um fio de teia nos dedos. Descobri que a
<br>aranha me seguira e estava me olhando da fruteira.
<br>Não lhe dei atenção e acabando de tomar meu café fui escovar os dentes
<br>e depois me dirigi ao gabinete. Liguei o computador, abri as janelas
<br>e me sentei diante do teclado. Enquanto aguardava a máquina iniciar,
<br>senti, mais uma vez, um leve toque no braço esquerdo. Mais um fio de
<br>teia havia sido lançado pela aranha que me olhava da mesa do
<br>computador.
<br>Tirei o fio e a olhei de cara fechada:
<br>
<br>- Você tá querendo o que, Dona Aranha? - perguntei esperando uma
<br>resposta.
<br>
<br>Ela continuou me olhando e não disse nada.
<br>Cheguei a pensar que ela queria me transformar no segundo Homem Aranha
<br>brasileiro, afinal, o primeiro andava escalando paredes para roubar
<br>nos apartamentos. Pensei:
<br>
<br>"Será que ela quer me provocar ou apenas deseja chamar minha atenção
<br>para ela? Será que ela quer ser meu animalzinho de estimação?"
<br>
<br>Quando o micro falou, ela tomou um susto e caiu da mesa do computador
<br>no chão. Olhei pra ela e vi que corria para debaixo do sofá.
<br>No resto do dia não a vi mais. Acho que ela só queria vingar-se por
<br>eu havê-la importunado no banheiro.
<br>
<br>
<br> FIM
<br>
<br> Salvador, 1 de novembro de 2019
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>
<br>* O cemitério da serra
<br>
<br>
<br>
<br>Durante 35 anos na boleia da carreta azul ele levara progresso,
<br>bem-estar e alegria para os quatro cantos do país.
<br>Como era um motorista esforçado, trabalhador e responsável, sua
<br>empregadora, a Transportes Pesados, o aposentou com todos os direitos
<br>que merecia. Após dois meses em casa, parado na rotina do nada fazer,
<br>falou para a esposa e seus dois filhos rapazes que voltaria à Vida de
<br>caminhoneiro. E assim fez.
<br>Comprou uma pequena carreta branca, voltou às estradas e novamente era
<br>um homem feliz.
<br>Cinco meses depois, descendo a famosa Serra dos Trambolhões carregado
<br>de manganês, no trecho conhecido como curva dos fantasmas, sentiu uma
<br>mão gelada em seu ombro, perdeu o controle da direção e a carreta saiu
<br>da estrada, descendo desgovernada pela ribanceira. após rolar pela
<br>encosta de pedras, caiu sobre os destroços de outros veículos que
<br>tiveram o mesmo destino do seu.
<br>
<br>Com dificuldade, a empresa que a Polícia Rodoviária Federal contratava
<br>para resgatar os corpos das vítimas dos acidentes naquele trecho,
<br>conseguiu entregar o corpo do carreteiro à sua família e o moço foi
<br>enterrado no cemitério de sua cidade natal.
<br>A seguradora considerou o acidente como perda total, da mesma forma que
<br>outras faziam nesses casos e pagou à viúva e seus filhos a indenização
<br>que lhes cabia e que daria para comprar outra carreta, mas eles
<br>preferiram receber em espécie. E assim foi.
<br>
<br>Com a pensão que a viúva passou a receber do INSS e a grana do seguro
<br>da carreta, ela e seus filhos compraram um ponto no bairro que moravam
<br>e montaram um pequeno supermercado. Hoje têm três filiais espalhadas
<br>pela cidade.
<br>
<br>Voltando ao local do acidente, vemos alguns homens fazendo o desmonte da
<br>carreta branca para abastecer o comércio de peças usadas existente na
<br>parte baixa da serra, da mesma forma que fizeram com todos os veículos
<br>acidentados na descida da perigosa serra.
<br>
<br>E a vida continua!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Salvador, 24 de janeiro de 2020.
<br>
<br>
<br> ---
<br>
<br>
<br>* Surfista frustrado
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br>
<br>
<br>Aos sete anos brincava de gude, jogava pião, empinava pipa; fazia de
<br>uma garrafa de água sanitária cheia de pedrinhas, um pedaço de arame e
<br>cordão, um carro porreta para quem não tem brinquedo comprado.
<br>
<br>Aos oito anos jogava bola de meia, brincava de esconde-esconde,
<br>pega-pega e gostava de pendurar-se na traseira dos caminhões de
<br>carroceria, até que caiu. Machucou-se um pouco, teve algumas raladuras e
<br>quase foi atropelado, mas o pior foi o susto. Então desistiu dessa
<br>brincadeira.
<br>
<br>Aos dez anos aprendeu a deslizar na praia sobre um pedaço de tábua,
<br>quando a onda que quebrava na areia retornava ao mar. Brincou muito
<br>disso, até que levou uma queda, bebeu muita água e encheu a boca de
<br>areia. Achou melhor procurar uma brincadeira mais segura.
<br>
<br>Ainda na praia, via os louros bronzeados surfando e gostou daquilo, mas
<br>havia ficado com medo do mar e de suas ondas, mesmo assim, roubou uma
<br>daquelas pranchas e foi deslizar sobre ela num pequeno e raso riacho que
<br>corria próximo à sua casa. O problema era as pequenas curvas que o
<br>riozinho fazia e ter que, após a brincadeira, lavar a bosta que ficava
<br>grudada na prancha. Cansado, deixou mais essa brincadeira.
<br>
<br>Aos treze anos roubou um skate e foi ser surfista de asfalto. Andava
<br>pelas ruas agarrado aos ônibus em grande velocidade, mas aí, numa curva
<br>foi jogado contra um poste. Como disse a enfermeira do pronto-socorro,
<br>Graças a Deus apenas quebrou um braço e teve alguns arranhões.
<br>
<br>Aos quinze queria mais emoção e ao ver alguns caras surfando nos trens,
<br>ficou bolado e quis fazer o mesmo.
<br>Observou os carinhas por alguns dias até que achou que dava conta de
<br>fazer o mesmo. Subiu pela janela para o teto do trem como alguns outros
<br>faziam e prestou atenção nos demais.
<br>Mas, nessa sua estreia, com o vento batendo no rosto, a adrenalina em
<br>alta, descuidou-se e bateu no fio de alta tensão, sendo jogado a cerca
<br>de vinte metros, caindo sobre os trilhos.
<br>Já morto, foi atropelado pelo comboio que vinha em sentido contrário.
<br>
<br>
<br>- FIM -
<br>
<br>Salvador, 28 de novembro de 2019.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-27057925347153162122020-04-23T22:20:00.019-03:002020-04-23T22:22:06.426-03:00O monge e o dragãoO Príncipe Chi Ha Bin, filho do imperador daquelas terras férteis, uma
<br>hora lá decidiu ser monge e partiu, ainda adolescente, para um mosteiro
<br>distante léguas e léguas do império que um dia herdaria.
<br>
<br>Após dois anos entre estudos espirituais, filosóficos, gramaticais,
<br>medicinais, homeopáticos, de física, química, matemática, astronomia,
<br>poética e ciências ocultas e outros estudos menos interessantes para um
<br>monge, mas que o povo dominava e eles, às escondidas, praticavam,
<br>recebeu uma carta do seu pai solicitando sua presença na corte para
<br>ajudá-lo numa tarefa árdua e de difícil solução.
<br>
<br>O jovem, agora com 18 anos, refletiu uma noite e um dia sobre deixar a
<br>comodidade do mosteiro, os chás psicodélicos, os amigos que fizera
<br>nesses anos e as leituras de textos espirituais e profanos, estes
<br>últimos às escondidas dos velhos monges, mas bastante difundida entre
<br>os jovens.
<br>
<br>Pensou, pensou e resolveu que atenderia o pedido do pai e partiu numa
<br>madrugada fria e nevoenta.
<br>
<br>Léguas e léguas depois estava diante do castelo do pai. Após as festas
<br>pelo regresso do príncipe que duraram três dias e três noites, o pai o
<br>colocou ciente do que o afligia e atormentava o povo de suas aldeias.
<br>
<br>O jovem monge prometeu que livraria seu povo dessa mazela: um grande
<br>dragão alado verde e rosa que sequestrava, sob suas garras, jovens
<br>rapazes das aldeias, deixando-os, um mês depois, novamente onde os
<br>apanhara, mas todos com caras de bobos, lerdos e não dizendo coisa com
<br>coisa.
<br>
<br>Alguns dias depois o dragão devolvia um rapaz na aldeia mais próxima do
<br>castelo e viu, numa das janelas, o príncipe que o observava.
<br>O dragão deu um guincho alto e foi pousar numa das torres do castelo
<br>que dava visão para o quarto do rapaz.
<br>
<br>O jovem monge então preparou uma beberagem, pegou alguma comida, sua
<br>adaga e sua espada, vestiu-se como um príncipe e disse ao pai que iria
<br>atrás da fera.
<br>
<br>Desceu até a estrebaria, arreou seu cavalo, pôs o que levava em alguns
<br>alforges, colocou suas armas e partiu.
<br>
<br>Assim que ele saiu do portão do castelo o dragão alçou voo e o seguiu,
<br>voando baixo, mas não muito. Logo passou adiante da montaria do rapaz e,
<br>de vez em quando parava no ar e olhava para trás, como a dizer ao
<br>príncipe que o seguisse. O jovem entendeu o recado e por cerca de meia
<br>hora seguiu o dragão até que o viu entrar numa enorme caverna que
<br>ficava no paredão da colina azul.
<br>
<br>Assim que ele chegou à entrada da caverna, adentrou sem qualquer receio
<br>no recinto e encontrou o dragão deitado, tendo a cabeça entre as patas
<br>e parecendo que sorria.
<br>
<br>O rapaz, destemido, aproximou-se do bicho e falou:
<br>
<br>- Que zorra é essa de ficar sequestrando os jovens das aldeias do nosso
<br>reino?
<br>
<br>Com um vozeirão rouco, o dragão respondeu:
<br>
<br>- É que gosto da companhia de rapazes. Eles alegram minha vida.
<br>
<br>- Então porque os devolve como uns bobos?
<br>
<br>- É que eles, depois de um mês comigo, começam a dar sinais de loucura.
<br>
<br>- E por que você não os devora?
<br>
<br>- Porque sou vegetariano...
<br>
<br>- Um dragão vegetariano é difícil de engolir.
<br>
<br>- Difícil de engolir é carne. Só como folhas, verduras e frutas.
<br>
<br>- E o que os rapazes comiam?
<br>
<br>- O mesmo que eu. Eu ia buscar nossa comida todos os dias.
<br>
<br>- Estou vendo que essa caverna é escura e fria.
<br>
<br>- Quando há algum jovem por aqui, eu acendo um archote que tenho lá
<br>dentro.
<br>
<br>- Sim, mas no frio, como eles faziam?
<br>
<br>- Eu os agasalhava sob minhas asas.
<br>
<br>- E qual é seu jogo, afinal?
<br>
<br>- Não tem jogo algum, apenas gosto da companhia de rapazes, como já
<br>disse.
<br>
<br>- E por que você me seguiu? Não imaginou que eu queria matá-lo?
<br>
<br>- Matar-me, por que? Que mal eu fiz a seu povo, a não ser tirar o
<br>juízo, temporariamente, de alguns jovens tolos?
<br>
<br>- E você acha isso pouco?
<br>
<br>- Nunca prejudiquei as plantações das suas aldeias, nem abusei da minha
<br>força e nem do meu poder de dragão.
<br>
<br>- Nesse ponto você está certo, mas vamos ao que interessa.
<br>
<br>- E o que interessa?
<br>
<br>- Vamos fazer um acordo.
<br>
<br>- Que acordo?
<br>
<br>- Eu ficarei aqui com você por três meses e após esse tempo, você deve
<br>desaparecer de nossas terras e procurar um outro lugar para viver... e
<br>que seja muito muito muito longe daqui, certo?
<br>
<br>- Hummm! Tô pensando...
<br>
<br>- Não tem nada de pensar... é pegar ou largar, senão terei de matá-lo.
<br>
<br>- Tá bem, eu topo.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Os dias foram passando e Chi Ha Bin vivendo com o dragão e comendo o que
<br>ele trazia da floresta.
<br>
<br>Para acender a fogueira noturna, o dragão usava a chama das suas
<br>narinas.
<br>Para passar o tempo, o monge contava histórias até a fera dormir.
<br>Para passar os dias, o príncipe fazia suas beberagens de raiz e folhas
<br>e ambos bebiam e tinham maravilhosas viagens psicodélicas e sonhos
<br>fantásticos e reais.
<br>
<br>E o tempo passou, afinal, três meses passam rapidinhos.
<br>
<br> ___
<br>
<br>No dia da partida do rapaz, o dragão, de tristeza, até chorou, mas como
<br>ele havia dado sua palavra de dragão, despediu-se do jovem e levantou
<br>voo em direção imprecisa.
<br>
<br>Chi Ha Bin retornou ao castelo de seu pai, contou-lhe tudo que aconteceu
<br>naqueles três meses e disse ao pai que, como agora estavam livres do
<br>dragão, ele voltaria ao mosteiro.
<br>
<br>O pai agradeceu e assentiu, desejando-lhe uma boa viagem e anos de
<br>alegria e saúde em sua vida.
<br>
<br>Após cavalgar léguas e léguas o jovem monge chegou ao mosteiro.
<br>
<br>E sua vida voltou a ser a mesma de antes... e as orgias também.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Um dia, um ano depois de sua chegada, o rapaz, na biblioteca, fazia
<br>sua leitura matinal quando ouviu um farfalhar de asas. Curioso, chegou
<br>até a janela e tomou um susto: era o dragão verde e rosa que sobrevoava
<br>o mosteiro e pousava no beiral do telhado.
<br>
<br>Ele fez sinal ao dragão e desceu até o jardim.
<br>
<br>Quando chegou lá, o dragão já estava.
<br>
<br>- Que diabos você faz aqui?
<br>
<br>- Senti saudade, Chi Ha Bin... e vim vê-lo!
<br>
<br>- Não quero saber de saudade, meu caro. O que tivemos acabou, conforme
<br>combinado.
<br>
<br>- Mas esta dor está me matando... já não tenho fome, já não durmo... e
<br>tenho vontade de beber aquele seu chá porreta.
<br>
<br>- Acabou-se tudo, meu amigo. Volte para outras terras, que não as do
<br>meu pai e vá viver sua vida como era.
<br>
<br>- Viver como era? Nunca mais sequestrei qualquer jovem das terras em que
<br>vivo. Eu agora sou um dragão abandonado e que vive esperando por você.
<br>
<br>- Sinto muito, mas, como eu disse, acabou de verdade.
<br>
<br>- Olhe que eu me mato, viu?
<br>
<br>- Deixe de drama e vá embora, antes que meus colegas me vejam
<br>conversando com um dragão e pensem que estou louco.
<br>
<br>- Por amor a você, eu vou... mas você receberá a notícia da minha
<br>morte.
<br>
<br>E o dragão alçou voo e voou em direção a uma floresta ali perto.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Dias após essa conversa, os monges souberam do grande incêndio que
<br>houve na floresta ali perto.
<br>
<br>Foram encontradas algumas árvores derrubadas, formando uma fogueira, e
<br>dentro desta, o cadáver de um dragão verde e rosa.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 12 de janeiro de 2020.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-81526655705229173302020-04-23T22:20:00.018-03:002020-04-23T22:22:03.631-03:00Um amor interrompidoAlmoço natalino na casa dos Silva, num bairro de classe média.
<br>- Querido, sobrou quase todo o tender. Vou guardá-lo para o jantar e o
<br>almoço de amanhã. Se ainda sobrar, farei uma sopa.
<br>- Oh, querida, você é tão econômica!
<br>- Tenho que economizar pros meus vestidos, meu cabelo, minhas unhas,
<br>minha maquiagem, meus perfumes e minhas bijuterias.
<br>"Eta mulher gastadeira.", pensa o senhor Silva.
<br>- Papai, mamãe, vou ao parque pegar uma fresca.
<br>- Você já é fresco, meu filho, afinal vive de brisa.
<br>- Ora mamãe... me deixe!
<br>E o rapaz sai resmungando em direção ao ponto do ônibus.
<br>- Eles pensam que é moleza fazer faculdade e tirar boas notas!
<br>
<br> ___
<br>
<br>Almoço natalino na casa dos Vaiscontt, num bairro nobre.
<br>- Oh, querido, sobrou o peru quase todo. Vou guardá-lo para o jantar e o
<br>almoço de amanhã.
<br>- Oh, querida... dê tudo aos criados, como sempre. Você sabe que não
<br>gosto de comida requentada nem do dia anterior.
<br>- Posso descontar dos salários deles, como sempre faço, querido?
<br>- Claro querida, afinal já gasto demais com seus ricos vestidos, com o
<br>salão de beleza, sua maquiagem, seus perfumes importados, suas joias
<br>e seu carro.
<br>- É verdade, querido. Esta semana tenho que comprar nossas roupas para
<br>o reveillon no Iate Clube.
<br>- Mamãe, papai, vou dar um passeio no parque. - diz a filha no alto
<br>dos seus 19 anos.
<br>- Cuidado, querida. O parque cada dia está mais perigoso.
<br>- Agora está menos, Papai. Tem muitos policiais por lá.
<br>- Lembre-se, filhinha, que amanhã tem faculdade.
<br>- Tá tudo sob controle, mamãe. Chegarei cedo!
<br>A jovem dá um acenozinho pra eles e sai para pegar seu carro.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Naquela tarde, num dos cantos do parque, está se apresentando um grupo
<br>de dança folclórica. Num outro canto um grupo de balé distrai o pessoal.
<br>Perto das lanchonetes, um grupo de pagode toca, no volume mais alto
<br>possível.
<br>Duas patrulhas da Polícia Militar fazem rondas pelo parque.
<br>
<br> ___
<br>
<br>O rapaz salta do ônibus e entra no parque, indo direto pra perto das
<br>lanchonetes. Ele gosta de pagode.
<br>A moça estaciona seu carro, entra no parque e vai direto ver a
<br>apresentação do grupo de balé.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Meia hora depois ela vai até uma das lanchonetes beber uma água.
<br>O jovem Silva vê a moça e pisca um olho pra ela. Ela percebe e dá um
<br>sorrisinho pra ele.
<br>Encorajado, ele se aproxima da jovem.
<br>- Olá, menina bonita.
<br>Ela já gostou disso. Não que fosse menina ou feia, mas galanteio é
<br>galanteio e conquista corações.
<br>- Tudo bem? - responde ela.
<br>- Tudo! O que a trouxe ao parque? - pergunta ele.
<br>- Vim assistir o grupo de balé.
<br>- Posso lhe fazer companhia?
<br>- Claro! - responde ela.
<br>Ele passa o braço sobre seus ombros e a segue.
<br>E eles vão para o espaço onde o grupo de balé se apresenta.
<br>Enquanto assistem ao show, trocam beijinhos e carinhos.
<br>No início da noite decidem ir embora.
<br>
<br> ___
<br>
<br>- Você está de carro? - pergunta ela.
<br>- Não!
<br>- Então venha comigo que o levo em sua casa.
<br>- Não precisa. Só preciso do número do seu celular. - diz ele.
<br>- Eu o darei e também quero o seu. Desejo vê-lo novamente.
<br>- Eu desejo o mesmo! - diz ele.
<br>- Meu carro é este aqui. Entre. - diz ela, abrindo as portas.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Enquanto ela dirigia, eles conversavam sobre o cotidiano de cada um,
<br>o que fariam no futuro e a possibilidade de um namoro entre eles.
<br>Já estão no bairro que ele mora.
<br>De repente, ela cai com o rosto sobre o volante, o carro fica
<br>descontrolado e bate fortemente contra um poste.
<br>O rapaz morre na hora.
<br>Quando a polícia chegou, constata que ela fora atingida na cabeça por
<br>uma bala perdida.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 30 de novembro de 2019.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-50465271068579700352020-04-23T22:20:00.017-03:002020-04-23T22:20:26.462-03:00Um comercial de futuroHavia um grupo de vestibulandos daquela cidade na rede social.
<br>Ao receberem o resultado das provas, sete moças que haviam passado
<br>criaram um outro grupo, pois elas tinham em comum a intenção de morar
<br>próximo da Universidade, afinal, não teriam como continuar morando no
<br>interior delas e cursar uma faculdade na capital.
<br>E assim fizeram.
<br>
<br>O pai de uma delas, comerciante forte na cidade, alugou uma casa e
<br>montou uma república para as sete moças morarem.
<br>Elas se matricularam no mesmo dia e já moravam juntas. O aluguel, as
<br>despesas e a manutenção da casa eram divididas por todas.
<br>Mutuamente se ajudavam nos trabalhos da faculdade e, muitas vezes,
<br>estudaram juntas para as provas.
<br>
<br>Esses anos não foram fáceis, mas todas se formaram com louvor. Cada
<br>uma seguiu seu caminho profissional, mas continuaram amigas e sempre
<br>que necessário, davam uma forcinha umas às outras.
<br>Lisa fizera o curso de Cinema e, com a ajuda da família criou uma
<br>pequena agência de modelos e logo encaminhava moças e rapazes para
<br>fazerem figuração em filmes, novelas, comerciais para televisão e
<br>ensaios fotográficos. Em três anos a Agência Monalisa era bastante
<br>conhecida no mercado. Lisa foi contactada para fazer um comercial
<br>institucional sobre os pequenos moradores de rua.
<br>
<br>Após uma pesquisa na Internet, saiu em busca dos "atores" nas ruas
<br>centrais da cidade. Sentado sob a marquise de uma loja com as portas
<br>ainda fechadas, viu um menino com cerca de 10 anos e se aproximou.
<br>- Olá, tudo bem?
<br>- Não! Eu tô com fome.
<br>- Então vamos fazer um lanche, topa?
<br>- Topo! - respondeu o menino, levantando-se.
<br>
<br>Então Lisa pegou em sua mão e, de mãos dadas, eles entraram numa enorme
<br>lanchonete. Sentaram-se à uma mesa e quando o garção chegou, Lisa disse
<br>ao menino:
<br>- Diga a ele o que você quer comer.
<br>- Quero o maior sanduíche que tem aí... com carne, ovo e queijo.
<br>- Está bem, meu jovem. E pra beber?
<br>- Traga um refrigerante de guaraná. - disse o menino.
<br>
<br>Enquanto aguardavam a chegada do lanche, Lisa conversava com o garoto:
<br>- Como é seu nome, rapazinho?
<br>- Na rua me chamam Dito, mas meu nome é Fernando.
<br>- Onde você mora, Fernando... e com quem?
<br>- Na rua da maré com minha mãe e meu irmão menor.
<br>- Eu poderia falar com sua mãe?
<br>- O que você quer com ela?
<br>- Quero lhe pedir que deixe você participar de um pequeno filme que
<br>quero fazer com você e seus amiguinhos da rua.
<br>
<br>- Isso você pode falar comigo mesmo, né?
<br>- Mas além de falar com você, tenho que falar com sua mãe, porque você
<br>é só um rapazinho.
<br>- Eu sou um homem, moça...
<br>- Meu nome é Lisa, Fernando. - interrompeu a moça.
<br>- Lisa, eu posso decidir se quero ou não entrar nesse filme. Eu vou
<br>aparecer na TV?
<br>- Vai, sim... em todo o Brasil.
<br>
<br>Nesse momento o garção chega com o sanduíche e o refrigerante.
<br>Enquanto Fernando come seu lanche, Lisa o admira como se o visse
<br>diante das câmeras e pensa como o menino fotografa bem.
<br>Quando o garoto acaba de comer, dá um grande arroto. Lisa não diz nada,
<br>apenas sorri.
<br>- Enchi a barriga, Lisa. Desde ontem que não como nada.
<br>- E por quê?
<br>- Porque as pessoas não dão nada a gente. Elas pensam que queremos
<br>roubá-las, mas a gente só quer algumas moedas pra comprar um pão.
<br>- Hoje em dia está difícil confiar nas pessoas, Fernando, mesmo nas
<br>crianças que nem você. Você vai me levar para falar com sua mãe ou não?
<br>- Vou sim... você é muito boazinha.
<br>- Então vamos pegar um táxi para ir até sua casa.
<br>- Eu nunca andei de carro... só de buzu.
<br>- Você sabe dizer ao motorista onde fica sua casa?
<br>- Sei!
<br>
<br>Antes de sair, Lisa encomendou ao garção um outro sanduíche igual ao
<br>que Fernando comera e mandou que embrulhasse para viagem. Também pegou
<br>um refrigerante em lata. Ela pagou a conta e eles saíram.
<br>Lisa parou um táxi e eles entraram. Dito falou ao motorista a rua que
<br>morava e o carro partiu. Cerca de meia hora depois o veículo parava
<br>diante de algumas palafitas.
<br>- Chegamos, moça. - disse o taxista.
<br>Lisa pagou a corrida e eles saltaram. Fernando ia na frente e Lisa o
<br>seguia. O menino subiu numa ponte de madeira sobre a maré, quem nem
<br>outras que havia ali e levavam a casas construídas sobre varas fincadas
<br>no fundo daquele pequeno braço do mar.
<br>A porta da casa estava aberta e lá dentro uma mulher esquentava alguma
<br>coisa num fogão de duas bocas, enquanto uma criança de uns quatro anos
<br>brincava com um carrinho no chão de madeira.
<br>
<br>- Mãe, trouxe uma moça que quer falar com a senhora.
<br>- Bom-dia, Senhora. Meu nome é Lisa e quero falar com a senhora sobre o
<br>Fernando.
<br>- Olhe aqui, moça. Eu sou pobre, mas não dou meus filhos a ninguém.
<br>- Não é isso que quero, Dona...
<br>- Meu nome é Aída, mas pode me chamar de Dê.
<br>- Pois é, Dona Dê. Sou dona de uma agência de modelos e quero que o
<br>Fernando apareça num pequeno filme que farei.
<br>- A gente vai ganhar algum dinheiro? - perguntou Aída, enquanto o
<br>menino menor se agarrava à sua saia.
<br>
<br>- Claro que sim, Dona Dê, mas só depois que o filme for feito.
<br>- Sei... aí você e seu dinheiro nunca mais aparecem por aqui, né?
<br>- Nada disso, Senhora.
<br>- E como eu posso confiar na moça se não a conheço?
<br>- É o seguinte. Se arrume, arrume seus filhos que os levarei para
<br>almoçar na cidade e para conhecer minha agência.
<br>- E como faremos para voltar?
<br>
<br>- Eu darei o dinheiro para o táxi.
<br>- Está bem! - respondeu a senhora desligando o fogão e colocando a
<br>panela sobre um caixote.
<br>Lisa virou-se para a criança menor e lhe perguntou:
<br>- E você, rapazinho, como é seu nome?
<br>- José. - falou baixinho o menino.
<br>- Olhe o que eu trouxe para você, José. - disse Lisa, entregando o
<br>sanduíche e a latinha à criança.
<br>
<br>O menino abriu um largo sorriso e segurou o embrulho. Fernando,
<br>aproximando-se, disse:
<br>- Deixe que eu lhe ajudo, Zezinho.
<br>- Não! Você quer tirar um pedaço. - respondeu o menino.
<br>- Você não vai dar um pedacinho pra mamãe, filhinho? - perguntou Aída.
<br>- Pra senhora eu dou. Tome aqui. - disse o menino tirando um pedacinho
<br>do sanduíche e entregando à mãe.
<br>- Obrigada, filho.
<br>
<br>E Dona Aída, com um sorriso, comeu o pedaço do lanche que o filho lhe
<br>dera. Fernando abriu a lata do refrigerante para o irmãozinho, que,
<br>desconfiado, não largou a lata.
<br>Na casa não havia divisão. Era um vão só com uma cama de casal,
<br>algumas caixas contendo roupas, duas cadeiras e uma mesa mambembe. Num
<br>dos cantos havia um buraco no chão que Lisa supôs ser a latrina deles.
<br>E era!
<br>
<br>Meia hora depois eles estavam num táxi rumo ao centro da cidade.
<br>Desceram em frente ao prédio que ficava a Agência Monalisa. Ao entrarem
<br>no escritório, a secretária de Lisa lhe disse que havia alguns recados
<br>sobre sua mesa. Lisa, dizendo a Dona Aída que ficasse à vontade com os
<br>meninos, entrou em sua sala. Ligou o computador, leu os recados, fez
<br>duas ligações e depois saiu para convidar Dona Aída e os meninos para
<br>entrarem em sua sala, convidando-os a sentarem diante de sua mesa.
<br>Então Lisa leu para Dona Dê os termos do contrato do Fernando.
<br>- A Senhora está de acordo ou alguma coisa não ficou clara?
<br>- Você vai mesmo pagar isso tudo pro meu Fernando?
<br>- Claro, Dona Dê. E assim que a Senhora assinar o contrato eu lhe darei
<br>um adiantamento. O restante será pago assim que eu receber dos meus
<br>contratantes.
<br>- O que é contratantes? - perguntou a mulher.
<br>- São as pessoas que me contrataram para fazer o filme com o Fernando,
<br>como agora estou fazendo com a Senhora.
<br>- E quando o Fernando fará esse tal filme?
<br>- Na semana que vem. Eu irei buscá-lo em sua casa e vocês todos ficarão
<br>hospedados em minha casa, enquanto estivermos filmando.
<br>- Que chique, Dona Lisa. Então me dá logo esse papel pra assinar.
<br>
<br>Lisa imprimiu o contrato em três vias, entregou à mãe do Fernando para
<br>assinasse e também apôs sua assinatura.
<br>Eles desceram do escritório e Lisa escolheu um restaurante discreto na
<br>Rua das Vendas. Após o lauto almoço, Lisa os colocou num táxi e
<br>marcou de pegá-los na terça-feira próxima.
<br>Lisa arrumou o quarto de hóspedes para Aída e os meninos. Colocou três
<br>camas de solteiro e um guarda-roupa. Comprou roupas de cama e banho
<br>para os três e foi buscá-los.
<br>Quando eles chegaram na casa de Lisa ficaram maravilhados com a beleza
<br>e o conforto. Como prometera, Lisa lhes disse que eles ficariam com ela
<br>até terminarem as filmagens do comercial.
<br>
<br>Ela saiu com os três e lhes comprou roupas decentes e apresentáveis.
<br>Lisa disse a Dona Aída que, naquele período, ela assumiria os afazeres
<br>da casa, em troca de um salário. A mulher aceitou e já foi cuidar do
<br>jantar, já que na despensa havia mantimentos para, no mínimo, um mês.
<br>Naquela mesma semana iniciou-se as filmagens, tendo o Fernando dado
<br>conta do recado, juntamente com os demais participantes do filme,
<br>figurantes da própria agência da Lisa.
<br>
<br>O comercial foi produzido em menos de cinco semanas e quando foi levado
<br>ao ar, fez o maior sucesso, sendo, inclusive, convidado a participar de
<br>uma mostra internacional.
<br>Com este comercial Lisa passou a ser requisitada para dirigir outros
<br>comerciais e até filmes. Dois meses depois recebeu o dinheiro pelo
<br>trabalho, pagou o acertado com Dona Aída e, como vivia sozinha, a
<br>convidou para continuar morando com ela, juntamente com os meninos.
<br>
<br>Colocou as crianças na escola e passou a viver em função dessa nova
<br>família. quatorze anos depois Fernando se formava em Direção teatral
<br>e era admitido como sócio na Monalisa. José, seu irmão menor, cursava
<br>jornalismo. Dona Aída tornara-se amiga e confidente de Lisa e
<br>envelheceram juntas. Sempre que possível, Lisa viajava com eles e
<br>várias vezes visitaram a casa dos pais de Lisa no interior.
<br>Quando Lisa tinha 58 anos e Aída 64, já eram avós dos filhos do José
<br>e do Fernando. Os rapazes, bem sucedidos em suas profissões, casaram
<br>e tinham dois filhos cada, que eram a alegria da casa quando visitavam
<br>Lisa e Dona Aída, duas vovós babonas.
<br>
<br>Por causa dos "netos", Lisa comprara uma casa maior e mais confortável
<br>e tornou-se uma obrigação prazerosa receber os rapazes, seus filhos e
<br>suas amadas esposas nos domingos.
<br>E assim foi até que chegou o momento de cada um deixar esta vida!
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos ()Blind Joker
<br> Salvador, 4 de fevereiro de 2020.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-82630484017501093582020-04-23T22:20:00.015-03:002020-04-23T22:20:24.771-03:00Os baús desaparecidosConduzindo sua carroça carregada de
<br>baús de diversos tamanhos, um marcineiro mercava pelas ruas do comércio
<br>local. Era sua primeira aparição por aquelas paragens:
<br>- Baú, baú, baú,
<br>pra guardar o que quiser
<br>Pra menino pra menina,
<br>pro homem e pra mulher.
<br>Vosmicê quer qualidade,
<br>compre baú do Seu Zé!
<br>E assim, cantando esse pregão, aqui e ali, ia vendendo seus baús.
<br>Ao passar na frente duma loja, foi parado pelo comerciante que lhe
<br>encomendou dez baús de tamanho médio. O marcineiro deveria entregar a
<br>encomenda na casa do próspero lojista dentro de trinta dias.
<br>Assim combinados, o marcineiro continuou a mercar seus baús:
<br>- Baú, baú, baú,
<br>pra guardar o que quiser.
<br>Pra menino pra menina,
<br>pro homem e pra mulher.
<br>Vosmicê quer qualidade,
<br>compre baú do Seu Zé!
<br>Quando o marcineiro parou na estalagem para almoçar, já havia vendido
<br>todos os seus baús.
<br>Acabado o almoço e anotado a encomenda do taberneiro, ele empreendeu
<br>viagem de volta. Ele morava num povoado distante dali cerca de duas
<br>léguas.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Na data marcada o marcineiro parou diante da casa do lojista e lhe
<br>entregou os dez baús encomendados. Recebeu o pagamento combinado, subiu
<br>em sua carroça e foi percorrer as ruas do povoado para vender os outros
<br>baús que trouxera, cantando seu pregão:.
<br>- Baú, baú, baú,
<br>pra guardar o que quiser.
<br>Pra menino pra menina,
<br>pro homem e pra mulher.
<br>Vosmicê quer qualidade,
<br>compre baú do Seu Zé!
<br>
<br> ___
<br>
<br>Alguns anos depois aquele próspero comerciante morreu de velhice.
<br>A senhora diarista que cuidava da casa do velho comunicou o falecimento
<br>do patrãozinho a seu único herdeiro.
<br>Logo o sobrinho do lojista chegou ao povoado e providenciou o enterro
<br>do tio. Ficou ali hospedado por dois dias e vendeu a loja do tio com
<br>toda a mercadoria a um lojista vizinho deste.
<br>Doou todas as roupas do velho a um abrigo e vendeu todo o mobiliário.
<br>No quarto do tio encontrou um baú com algumas moedas de ouro, prata e
<br>cobre, então indenizou a empregada e colocou a casa à venda, pois não
<br>desejava morar naquele povoado.
<br>
<br> ___
<br>
<br>O mesmo comerciante que comprara a loja do velho amigo, comprou também
<br>sua casa. Após reformá-la, mandou pintar e assim que estava limpa,
<br>passou a morar ali com sua família.
<br>Como sabia que o lojista havia comprado dez baús ao marceneiro, ficou
<br>intrigado porque o sobrinho do velho amigo só encontrara apenas um.
<br>Um dia sonhou com o falecido e no sonho o velho lhe disse onde estavam
<br>os nove baús e que estavam cheios de moedas.
<br>Ao acordar, mandou a esposa e seus dois filhos passarem alguns dias na
<br>casa da sua sogra. Foi ao comércio e comprou uma picareta e uma pá.
<br>Já em casa, retirou do seu quarto a cama de casal e iniciou a cavar bem
<br>no meio do quarto.
<br>Após cavar cerca de meio metro, a picareta bateu em algo. Pegou a pá e
<br>foi cavando até descobrir um baú. Retirou o baú do buraco e o abriu.
<br>Estava realmente cheio de moedas e tinha também algumas lindas joias.
<br>Como ainda faltavam oito baús, retornou ao buraco e reiniciou o
<br>serviço. Cavou por mais uma meia hora e encontrou o oitavo baú.
<br>Após retirar o sexto baú, o buraco já estava bem fundo.
<br>Como ainda faltava retirar o último baú, continuar a cavar.
<br>De repente, as paredes do buraco desmoronaram e ele morreu soterrado.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Quando sua esposa chegou em casa com os filhos, encontrou aquele
<br>enorme buraco no centro do quarto e aqueles baús. Ao abrirem os baús e
<br>encontrarem toda aquele tesouro, gritaram de alegria.
<br>Então ela e os filhos trataram de jogar toda a terra dentro do buraco,
<br>limparam o quarto, recolocaram a cama no local devido e se perguntaram
<br>onde estaria o marido.
<br>Como era hora do comércio está aberto, os rapazes foram até a loja do
<br>pai, mas a encontraram fechada.
<br>Em casa encontraram a chave da lojinha e um dos filhos foi abri-la,
<br>enquanto o outro cuidava de limpar a terra dos baús e a mãe cuidava do
<br>almoço.
<br>Pela tarde procuraram o pai por todo o povoado, indagando aqui e ali,
<br>mas sem obterem qualquer indício do paradeiro deste.
<br>- Certamente viajou de emergência e não teve como nos avisar. - disse
<br>a mãe.
<br>Os dias se passavam e eles sem notícias, mas iam vivendo com a
<br>esperança de que ele retornasse.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Dois meses transcorridos ainda sem conhecerem o paradeiro do homem, mas
<br>eles diziam a quem perguntava que o comerciante havia viajado ao
<br>exterior.
<br>Como a vida naquele povoado, para quem tinha dinheiro, era enfadonha,
<br>mãe e filhos decidiram vender a loja, a casa e as tralhas e mudarem-se
<br>para a capital.
<br>E assim fizeram.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Viviam nababescamente na capital por quase sete anos.
<br>Um dia um oficial de justiça bateu à porta e lhes entregou um mandado
<br>de prisão e, juntamente com a escolta policial, os levou presos.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Durante o julgamento ficaram sabendo que o homem que comprara sua casa
<br>decidira fazer uma reforma e mandou cavar a terra com o intuito de
<br>fazer um porão para servir de adega e foi encontrada a ossada do
<br>comerciante.
<br>No julgamento, por mais que alegassem inocência, foram condenados e
<br>morreram na forca.
<br>A casa da capital e os demais bens da família foram confiscados pela
<br>justiça. Os oito baús nunca foram encontrados.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 25 de novembro de 2019.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-28173134215188664452020-04-23T22:20:00.013-03:002020-04-23T22:20:22.530-03:00O vendedor de cafézinho- Olha o cafezinho,
<br>com canela, leite ou pretinho...
<br>- Olha o cafezinho,
<br>Aproveita, minha gente,
<br>que ainda tá quentinho!
<br>Com esse pregão e sempre com um sorriso no rosto, Sandro, um jovem de
<br>17 anos, vendia toda sua "guia" de cafezinho pelas ruas centrais de
<br>Salvador.
<br>A guia era um retângulo todo em madeira com uma alça para segurar a
<br>"caixa" que continha as seis garrafas térmicas.
<br>(Para que um cego mentalize essa guia, digamos que seriam duas a três
<br>caixas de sapato coladas pelo lado menor, tendo nas laterais dos
<br>extremos, uma madeira que ultrapassava a altura das garrafas, ligadas
<br>por uma madeira roliça que servia de alça.)
<br>Tinha também quatro rolimãs à guisa de rodas que facilitava o manuseio
<br>da caixa pelas calçadas, pelo asfalto das ruas e também serviam para
<br>descansar o braço do rapaz. As rodas dianteiras eram móveis para
<br>fazerem as curvas do caminho. Eram controladas por dois arames que iam
<br>do eixo até um pequeno volante preso na parte superior traseira da
<br>caixa. Aí o rapaz "dirigia" seu carrinho de café.
<br>
<br> ___
<br>
<br>O sonho de Sandro era ter uma guia como a de alguns outros vendedores
<br>de cafezinho daqui, que tinham som de CD e desenho de caminhão.
<br>Ele soube que havia um concurso de "carrinhos" de café e planejava
<br>participar com o seu futuro "trio elétrico" de cafezinho.
<br>O rapaz e sua irmã, Alexandra, eram órfãos de pais e moravam com a avó
<br>numa das ruas da Mangueira, bairro itapagipano próximo do Largo do
<br>Papagaio. Ele cursava o segundo ano do segundo grau e a moça o
<br>terceiro e sonhavam fazer uma faculdade, aproveitando-se do recurso das
<br>cotas.
<br>Ambos estudavam numa escola pública pela noite e durante o dia ajudavam
<br>Dona Inês, ele vendendo cafezinho e a moça, agora com 19 anos, na
<br>confecção de pastéis, empadas, coxinhas, bananas reais entre outras
<br>iguarias, além de sair pelo bairro vendendo esses quitutes.
<br>Com o que ganhavam dava para terem um conforto relativo e não lhes
<br>faltar a "misturinha" na hora do almoço.
<br>Como precisavam comprar alguns cadernos, Sandro resolveu que naquela
<br>sexta-feira retornaria ao centro pela tarde para arrecadar mais algum
<br>dinheiro, pois ele vendia toda a sua guia sempre pela manhã, retornando
<br>para casa por volta do meio-dia.
<br>Como eles acordavam lá pras quatro horas da manhã, após o almoço
<br>costumavam tirar uma sesta até umas três horas da tarde, quando
<br>retornavam à lida diária.
<br>Os jovens tinham um computador que dividiam para as pesquisas e
<br>trabalhos escolares.
<br>Naquela tarde, Sandro tivera poucos fregueses para o seu cafezinho,
<br>então resolveu ir ao Campo Grande, afinal, nesta praça sempre tem muita
<br>gente passeando, se exercitando e descansando, principalmente idosos,
<br>seus mais contumazes fregueses.
<br>Perto das dezenove horas havia vendido todo o café, mas, receoso de
<br>descer até o bairro do Comércio para pegar o ônibus que o levaria para
<br>casa, decidiu parar numa banca de jornais que havia por ali e pedir
<br>ajuda ao barraqueiro:
<br>- Moço, boa-noite!
<br>- Boa, meu jovem. Em que posso ajudá-lo?
<br>- Bem, eu não quero comprar nada...
<br>- E o que você quer?
<br>- Gostaria de saber se o Senhor poderia guardar minha guia até amanhã
<br>de manhã, pois estou receoso de ir até o Terminal da França esta hora e
<br>correr o risco de tomarem minha guia.
<br>- É só isso? Coloque aqui seu carrinho, jovem - disse o cidadão abrindo
<br>a portinha lateral da barraca e indicando um dos cantos.
<br>Sandro fez o que o homem mandou, agradeceu e saiu caminhando em direção
<br>ao Comércio.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Assim que o rapaz desapareceu na esquina, o homem fechou a barraca e
<br>saiu levando o carrinho das garrafas.
<br>Um rapaz, morador de rua, que estava sentado à porta duma loja que
<br>cerrara sua porta no início da noite, ouvira todo o diálogo e decidiu
<br>seguir o dono da barraca.
<br>O cara seguiu para o bairro do Garcia e entrou numa das vielas dali,
<br>sempre seguido pelo morador de rua.
<br>Após descer uma escadinha, bateu à porta da última casa:
<br>- E aí, meu bródi? - disse ele ao homem que abriu a porta.
<br>- Diga, chapa, qual é a sua? - respondeu o homem.
<br>- Queria trocar essa guia por um pouco de bagulho.
<br>- E por quê?
<br>- Por que a recebi em pagamento de uma dívida e não pretendo vender
<br>cafezinho, né?
<br>- Tem lógica. Quanto quer pela guia?
<br>- Você é quem sabe, mas só as garrafas devem valer uns 150 paus!
<br>- Vou dar 60 paus de bagulho e nada mais!
<br>- Fazer o quê, né?
<br>Nesse momento, o morador de rua que também escutara essa conversa,
<br>interveio:
<br>- Um momento aí, Senhores!
<br>- Quem é você, meu chapa? - perguntou o traficante.
<br>O morador de rua contou o ocorrido no Campo Grande e o traficante ficou
<br>possesso:
<br>- Como é, cara, que você rouba a guia de um garoto e quer trocar por
<br>droga?
<br>- Não é nada disso... eu comprei a guia...
<br>- Mentira, seu moço. O jovem deve aparecer amanhã pela manhã na barraca
<br>desse sacana e ele vai inventar alguma mentira para ludibriar o rapaz.
<br>- Não vai, não, meu chapa. Fernandão, venha cá. - chamou o traficante.
<br>- Diga, Chefe! - falou o bandido, saindo à porta.
<br>- Pegue esse vagabundo - disse apontando para o barraqueiro - pegue a
<br>chave da barraca e o que ele tiver no bolso e lhe dê um corretivo e
<br>depois jogue seu corpo na fossa.
<br>- O Senhor mandou, tá mandado! - exclamou Fernandão, pegando o sujeito
<br>pelo cós da calça e o arrastando pra dentro.
<br>O dono da barraca chorava que nem criança e implorava pela vida.
<br>- Não é preciso tanto, Senhor, - disse o morador de rua - bastava
<br>dar-lhe um corretivo e tudo bem...
<br>- Não é assim que funciona, meu chapa. Uma vez desonesto e corrupto,
<br>vai morrer mais desonesto e mais corrupto ainda. É capaz de ele já
<br>ter aprontado outras dessas. E você, o que é?
<br>- Hoje sou morador de rua, mas sou engenheiro...
<br>- E decidiu morar na rua porquê?
<br>- Porque não conseguia emprego e nem tinha como pagar meu aluguel.
<br>- Cada qual com sua cruz, meu chapa. Leve a chave da barraca, durma lá
<br>e amanhã entregue a guia do rapaz.
<br>- E depois, o que faço com a barraca?
<br>- Sei lá... fique pra você... já deve estar paga. Rê rê rê rê rê rê!
<br>Se perguntarem pelo barraqueiro, diga que ele lhe vendeu a barraca e
<br>sumiu no mundo, afinal, ninguém o achará mesmo. Rê rê rê rê rê!
<br>- Certo. Ficarei morando na barraca até que os familiares do sujeito o
<br>procurem. Quando souber os verdadeiros herdeiros, devolverei a barraca.
<br>- Faça como quiser, meu chapa. Sua cabeça é sua guia.
<br>O traficante entregou a guia e a chave da barraca ao morador de rua e
<br>concluiu:
<br>- Esqueça que esteve aqui, senão eu lembrarei de você, entendeu, meu
<br>chapa?
<br>- Sim Senhor! - respondeu o morador de rua subindo as escadas.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Na manhã seguinte, por volta das seis horas, ZEC, o morador de rua
<br>já abrira a barraca e aguardava o jovem. Era quase oito horas quando
<br>Sandro chegou:
<br>- Bom-dia, moço. Cadê o homem da barraca?
<br>- Ele não está mais aqui. Ele me vendeu a barraca e disse que iria
<br>sumir no mundo.
<br>- Ai meu Deus... e minha guia?
<br>- Não se preocupe. Ele deixou aqui e me disse que você viria hoje pela
<br>manhã pegá-la.
<br>- Ufa! Ainda bem. o Senhor me deixa pegá-la para trocar as garrafas por
<br>essas que trouxe aqui na mochila?
<br>- Ora, meu jovem, a guia é sua. Fique à vontade.
<br>Sandro trocou as garrafas, colocando as vazias na mochila e então falou
<br>pro ZEC:
<br>- Senhor...
<br>- Senhor, não, meu rapaz, meu nome é ZEC, que são as iniciais do meu
<br>nome.
<br>- Muito prazer, Seu ZEC, eu sou o Sandro.
<br>- Agora que nos conhecemos, que tal me servir um cafezinho por conta da
<br>casa? - perguntou ZEC sorrindo.
<br>- É pra já, freguês! - respondeu Sandro, também sorrindo e colocando um
<br>cafezinho para si e outro para ZEC.
<br>- Mas, aqui pra nós, começar a vender cafezinho às oito horas não é um
<br>pouco tarde, Sandro?
<br>- Só é, ZEC, mas estou vendendo desde as seis horas.
<br>- Mas eu não o vi mais cedo?
<br>- É que eu vendo na Praça da Piedade... tenho bons fregueses por lá.
<br>- Ah, entendi!
<br>- Mas sabe duma coisa, ZEC. Vou passar a vender meu cafezinho também
<br>aqui no Campo Grande... já estou ficando conhecido desde ontem à tarde.
<br>- Que bom, né, Sandro.
<br>- Bem, Seu ZEC. Tenho que ir, preciso vender todo esse café o mais cedo
<br>possível. Preciso levar as outras garrafas pra casa.
<br>- Se quiser, pode deixar a mochila aqui e quando você for embora vem
<br>buscá-la.
<br>- Obrigadão, Seu ZEC, mas posso levá-la e também ao carrinho. Qualquer
<br>hora eu apareço.
<br>- Certo, Sandro. Boas vendas!
<br>- Obrigado, Seu ZEC... pro Senhor também.
<br>
<br> ___
<br>
<br>ZEC ficou refletindo sobre os últimos acontecimentos e pensou que,
<br>assim que devolvesse a barraca aos legítimos herdeiros do barraqueiro,
<br>iria retomar sua vida e procurar um emprego em sua profissão, afinal,
<br>o Sandro lhe serviu de "conselho".
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 28 de novembro de 2019.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-61860135207033685732020-04-23T22:20:00.011-03:002020-04-23T22:20:21.636-03:00O dragão e o cavalheiro valenteO rei mandou seu arauto fixar por todo seu reino o seguinte anúncio:
<br>
<br>"O cavalheiro que livrar nosso reino do terrível dragão que nos
<br>amedronta e come nossas lavouras, terá a honra de casar-se com a
<br>princesa, filha do rei Euzion e receberá cinco arcas cheias de joias
<br>e moedas de ouro".
<br>
<br>Muitos cavalheiros se apresentaram para a difícil tarefa e todos acabaram
<br>chamuscados pelo fogo que o dragão lançava pelas narinas.
<br>E na correria para fugirem da fera, ainda perdiam montaria, armadura,
<br>lança, espada e a dignidade.
<br>
<br>Um dia apareceu um belo rapaz vestido numa armadura roxa dizendo que
<br>se incumbiria de acabar com o tormento do rei e de seus súditos.
<br>
<br>Indagou onde o dragão vivia, montou em seu corcel branco e foi à caça
<br>da besta fera que disseram ter grandes asas e soltar fogo pelas ventas.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Após cavalgar muitas horas, o destemido cavalheiro finalmente avistou,
<br>no alto duma colina, a gruta em que vivia o dragão em suas horas de
<br>folga.
<br>
<br>No bosque ao pé da colina deixou seu cavalo pastando e iniciou a subida
<br>até aquela enorme caverna.
<br>
<br>A subida era penosa, ainda mais vestido numa armadura e carregando
<br>escudo, lança e espada que pesavam mais do que os pecados do bicho.
<br>Chegando à entrada da gruta, escondendo-se entre os arbustos que haviam
<br>ali, espreitou dentro da caverna para ver se o dragão estava ali.
<br>
<br>Como passava do meio-dia, certamente de barriga cheia, o dragão tirava
<br>uma soneca.
<br>
<br>Pé ante pé o cavalheiro adentrou a caverna e, um pouco ao fundo, viu
<br>o dragão dormindo de asas fechadas e roncando alto.
<br>
<br>Aproximou-se da fera e percebeu que, numa das suas patas estava cravado
<br>um grande espinho. Apesar de temer que o bicho acordasse, puxou com
<br>força o espinho e o dragão abriu os olhos e o encarou, deixando escapar
<br>duas lágrimas dos seus olhos cor de mel.
<br>
<br>Mais ao fundo o valente cavalheiro percebeu uma ossada que lhe pareceu o
<br>esqueleto de um dragão bem maior do que o que ele deveria enfrentar.
<br>
<br>De espada em riste e protegendo-se com o escudo, o cavalheiro investiu
<br>contra o dragão.
<br>
<br>Antes que o atingisse, o dragão, que na verdade era uma fêmea, deu-lhe
<br>uma lambida no rosto que o derrubou ao chão.
<br>Após lambê-lo mais duas vezes, o dragão fugiu para o fundo da caverna e
<br>quando o cavalheiro se recuperara e estava sentado no chão, ela voltou
<br>trazendo um cesto com uma rosa branca dentro e lhe entregando.
<br>
<br>Como o cavalheiro entendeu que o dragão não lhe faria mal, pegou a flor
<br>no cesto, levou-a aos lábios e a beijou.
<br>
<br>No mesmo instante ouviu-se um estrondo e uma fumaça rosa tomou toda a
<br>caverna.
<br>
<br>No meio da fumaceira o cavalheiro pôde distinguir uma belíssima mulher
<br>que, ajoelhada, lhe sorria.
<br>
<br>Eles se levantaram e foram sentar-se numa pedra que havia por ali.
<br>Antes que ele se recobrasse totalmente da surpresa, a moça lhe contou
<br>que fora, juntamente com seu irmão mais velho, enfeitiçados por uma
<br>bruxa velha que era inimiga dos seus pais, reis dum reino vizinho.
<br>
<br>Então ele pediu que ela o esperasse e retornou ao bosque para pegar seu
<br>cavalo e voltou à caverna.
<br>
<br>Ao transcorrer dois meses que eles viviam apaixonados nessa gruta, ele
<br>juntou os ossos do dragão que morrera e os colocou num cesto de
<br>palha que tecera e os levou ao castelo do rei para receber sua
<br>recompensa, como dizia no cartaz.
<br>
<br>Sua amada ficou esperando na gruta que vivera tantos anos.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Chegando ao castelo apresentou-se ao rei Eulion, exibindo para toda a
<br>corte o esqueleto do dragão e cobrando sua recompensa, conforme prometeu
<br>o rei.
<br>
<br>O rei mandou chamar a princesa Dalinda.
<br>
<br>Com os olhos marejados, Dalinda disse ao pai, diante de todos, que
<br>cumpriria sua ordem, mas que seu coração pertencia ao arauto.
<br>
<br>Com um sorriso, o cavalheiro disse ao rei que não pretendia a mão da
<br>princesa, viera buscar as cinco arcas prometidas por ele, deixando
<br>Dalinda para assumir seu amor.
<br>
<br>Dalinda agradeceu bastante ao rapaz e foi refugiar-se nos braços do
<br>arauto.
<br>
<br>O rei mandou entregar ao jovem as arcas e deu-lhe uma carroça para
<br>carregar seu tesouro.
<br>
<br> ___
<br>
<br>O jovem cavalheiro que se chamava Viken retornou à caverna em que ficara
<br>a princesa Karin e dali partiram para as terras do pai da moça onde
<br>passaram a viver e onde cresceriam seus filhos.
<br>
<br>Três meses depois eles foram convidados para o casamento de Dalinda com
<br>o arauto Anthony.
<br>
<br> ___
<br>
<br>E todos viveram felizes para sempre!
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 11 de janeiro de 2020.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-20013510776380051812020-04-23T22:20:00.009-03:002020-04-23T22:20:18.869-03:00Apenas um equívocoEle a conhecera numa feira quando ela comprava algumas frutas.
<br>Ao perceber que a moça não sabia escolher as laranjas e pegava aquelas
<br>ainda verdosas, com o intuito de ajudar, ele lhe disse:
<br>
<br>- Desculpe-me, mas essas laranjas que você pegou não estão boas.
<br>
<br>Ela sorriu e respondeu:
<br>
<br>- Eu nunca sei como escolher as docinhas. Quase sempre, a maioria das
<br>laranjas que levo estão um pouco azedas.
<br>
<br>- Mas é muito simples. Ao pegar as laranjas, prefira as que têm a
<br>casca fina e que, ao menos, exalem seu cheiro. Com certeza essas
<br>estarão doces, como esta aqui. - disse Ronaldo pegando uma fruta e
<br>entregando à moça, após levá-la ao próprio nariz.
<br>
<br>- É verdade. Esta está levemente cheirosa!
<br>
<br>- Pois é, menina! Comprar também é uma arte. - disse ele, sorrindo.
<br>
<br>- Você tem razão. - respondeu ela com um belo sorriso nos lábios.
<br>
<br>- Se você aceitar, posso ajudá-la a fazer suas compras.
<br>
<br>- Não posso e nem devo abusar da sua boa vontade, amigo.
<br>
<br>- Não será abuso algum! Disponho de todo o tempo. Estou folgando.
<br>
<br>- Se é assim, eu aceito. Quem sabe desta vez aprendo como comprar
<br>frutas, legumes e hortaliças com qualidade, né? - disse ela sorrindo.
<br>
<br>- Tenho certeza que, após essa reciclagem, você nunca mais terá que
<br>chupar laranjas azedas. Hahahahahahahahaha!
<br>
<br>- Tenho certeza que sim. Hahahahahahahaha!
<br>
<br>- Então vamos às compras, ... - determinou ele, esperando que ela
<br>completasse sua frase dizendo o próprio nome.
<br>
<br>- Andréia, Patrãozinho. - brincou ela.
<br>
<br>- Eu sou Ronaldo, Madame. - replicou ele, também brincando.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Juntos percorreram as barracas da feira. Em cada uma que paravam,
<br>Ronaldo explicava a Andréia como escolher o que havia de melhor, sem a
<br>necessidade de "apertar ou enfiar a unha". Uma hora mais tarde haviam
<br>comprado o que ambos precisavam. As sacolas estavam cheias e Ronaldo,
<br>apesar da resistência da moça, insistiu em carregar suas sacolas mais
<br>pesadas.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Ronaldo ficou sabendo que ela era dançarina e atriz teatral. Andréa
<br>soube que ele jogava futebol num dos times mais famosos da cidade.
<br>
<br>Ronaldo ficou sabendo que ela era solteira e morava num bairro próximo
<br>ao que ele residia. Andréia soube que ele estava sem seu carro e iria
<br>de táxi para casa.
<br>
<br>- Se você não se importar, eu posso deixá-lo em casa!
<br>
<br>- Não é preciso, Andréa... eu pego um táxi!
<br>
<br>- Nada disso! Eu o levarei em casa e pronto! - disse ela determinada.
<br>
<br>- Manda quem pode, obedece quem tem juízo! - disse Ronaldo sorrindo.
<br>
<br>- Já que eu sou a lei aqui, sigam-me os bons! Hahahahahahaha!
<br>
<br>- OK, "Xerife"! Hahahahahahaha!
<br>
<br> ___
<br>
<br>Entraram no carro da moça e seguiram em direção ao bairro que moravam.
<br>
<br>Durante o trajeto conversavam banalidades, nada que os comprometesse,
<br>até que Ronaldo propôs:
<br>
<br>- Já é quase meio-dia... que tal bebermos algo antes de irmos pra
<br>casa?
<br>
<br>- Acho uma boa ideia! Topo!
<br>
<br>- Que tal o "Berimbau Natural"?
<br>
<br>- Gosto desse restaurante! Vamos lá!
<br>
<br>Logo estavam no restaurante. Escolheram uma mesa discreta e pediram as
<br>bebidas: caipirosca pra ela e uísque pra ele.
<br>Enquanto bebiam falaram dos seus gostos e dos seus cotidianos, entre
<br>outros assuntos amenos. Só não falaram das suas solidões.
<br>
<br>E beberam mais um pouco até que chegou a comida.
<br>
<br>Comeram o que seus apetites determinaram e, saciados, tomaram um
<br>cafezinho.
<br>
<br>Ela quis dividir a conta, ele não aceitou. Ela deixou que ele pagasse.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Já no carro, a caminho de suas casas, enquanto Andréia dirigia, o
<br>álcool desinibiu Ronaldo. Num gesto delicado ele acariciou os cabelos
<br>da moça e, um pouco mais ousado, enfiou a mão entre as virilhas dela.
<br>
<br>Ela tomou um susto, franziu a testa e o suor pingou em seu colo.
<br>
<br>Ele suou frio e franziu a testa ao assustar-se por sentir uma pequena
<br>protuberância na parte interna das coxas dela.
<br>
<br>"Será que Andréia é um travesti? Será hermafrodita?" - pensou Ronaldo
<br>preocupado e desiludido.
<br>
<br>"Ele está com uma cara estranha! O que estará pensando?" - refletia
<br>Andréia em seus pensamentos.
<br>
<br>Após o gesto atrevido, Ronaldo aquietou-se e ficou sem saber o que
<br>dizer. Andréia também se calara.
<br>
<br>Assim, sem dizerem palavra, chegaram ao prédio que Ronaldo morava. Ele
<br>desceu, agradeceu a carona, pegou suas compras e entrou no edifício.
<br>
<br>Ela seguiu seu caminho, tentando segurar as lágrimas que teimavam em
<br>cair dos seus belos olhos castanhos.
<br>
<br>E o sol continuou brilhando naquela tarde de sábado!
<br>
<br> ___
<br>
<br>Na quarta-feira à noite Ronaldo foi internado num hospital perto do
<br>estádio. Sofrera uma pancada na cabeça ao chocar-se com um jogador
<br>adversário e, como desmaiara, por precaução fora internado para fazer
<br>alguns exames.
<br>
<br>Liberado na manhã do dia seguinte, ao sair, no saguão do hospital
<br>encontrou Andréia.
<br>
<br>- Olá, Ronaldo... tudo bem?
<br>
<br>- Oi, Andréia! Como está?
<br>
<br>- Soube do ocorrido. Está tudo bem contigo?
<br>
<br>- Graças a Deus! Ainda vou jogar por um bom tempo!
<br>
<br>- Folgo em saber! - disse Andréia.
<br>
<br>- E você? O que faz por aqui? Veio me visitar?
<br>
<br>- Não! A cada três dias passo cerca de quatro horas nesse hospital!
<br>
<br>- Você trabalha aqui? - perguntou ele.
<br>
<br>- Não... faço hemodiálise! - respondeu Andréia.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 1 de outubro de 2009.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-10448144157116346292020-04-23T22:20:00.007-03:002020-04-23T22:20:17.264-03:00A morte das abelhasNo almoço domingueiro na casa da mãe, viúva há alguns anos, os três
<br>filhos, netos e bisnetos se reuniam sempre.
<br>A velha, mesmo antes de enviuvar, gostava de ter a família à sua volta
<br>nos domingos e ai de quem faltasse.
<br>
<br>Após um desses almoços, a filha mais velha disse à mãe e aos irmãos:
<br>
<br>- Quando eu morrer quero ser cremada e que as cinzas sejam colocadas
<br>no vaso da azaleia que tenho em casa e que um de vocês cuide da flor
<br>como se cuidasse de mim.
<br>
<br>- Eu é que não quero saber disso. - disse a irmã mais moça.
<br>
<br>- Nem eu. - falou o irmão mais jovem.
<br>
<br>- Não conte comigo, minha filha. Sou muito medrosa.
<br>
<br>- Ora, mamãe! Ter medo de uma flor?
<br>
<br>- Da flor, não, filha, de suas cinzas!
<br>
<br>- Mas mamãe, são apenas cinzas, nada mais.
<br>
<br>- Mas serão suas cinzas, minha filha, portanto, me esqueça.
<br>
<br>- Por que não as joga no mar, como muita gente faz? - perguntou a irmã.
<br>
<br>- Porque não sou todo mundo. Eu sou única. - respondeu a mais velha.
<br>
<br>- Querem saber? A conversa não está me agradando. Não gosto de falar em
<br>morte. - disse a mãe tentando encerrar aquela conversa.
<br>
<br>- Sim, mamãe, mas todos nós morreremos. - respondeu a filha mais velha.
<br>
<br>- Eu sei, mas deixemos essa conversa para quando isto acontecer.
<br>
<br> ___
<br>
<br>E a dona da azaleia morreu. Conforme seu pedido, suas cinzas foram
<br>misturadas à terra do vaso da flor.
<br>
<br> ___
<br>
<br>O corretor levou o casal para ver o apartamento que lhes seria alugado
<br>mobiliado.
<br>
<br>- Como lhes disse, são dois quartos, sendo uma suite, sala, cozinha,
<br>área de serviço, quarto de empregada, varanda e banheiro social e de
<br>empregada.
<br>
<br>- O apartamento é ótimo, mas está um pouco sujo. - disse o marido.
<br>
<br>- Será limpo antes de vocês mudarem. É que está há três meses vazio.
<br>
<br>- Ainda bem que não será preciso pintar. - disse a mulher.
<br>
<br>- Foi pintado há menos de seis meses e a última moradora, que era a
<br>proprietária, não tinha criança nem animal.
<br>
<br>- Mas nós temos um filho de sete anos e um gato de dois. - disse a
<br>mulher.
<br>
<br>- Não tem problema. - respondeu o corretor.
<br>
<br>- Então quarta-feira pela manhã mudaremos para cá. - disse o marido.
<br>
<br>- O apartamento estará prontinho. Eu estarei aqui para recebê-los. -
<br>respondeu o corretor.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Numa bancada de mármore, sob o sol da manhã, estava o vaso da azaleia.
<br>
<br>Como o casal gostava de planta, cuidava com muito carinho dessa flor.
<br>
<br>Numa manhã, a esposa notou algumas abelhas mortas sobre o mármore que
<br>ficava o vaso da azaleia e comentou com o marido:
<br>
<br>- Será que Miau matou essas abelhas?
<br>
<br>- É bem possível. - respondeu o marido.
<br>
<br>Esse fato se repetiu quase que diariamente e como eles e o filho saíam
<br>pela manhã e só retornavam à noitinha, o culpado pelas mortes das
<br>abelhas só poderia ser o gato, já que passava o dia todo em casa.
<br>
<br>Como não tinham certeza, resolveram instalar uma câmera para vigiar os
<br>movimentos do gato.
<br>
<br>Assim que encontraram mais algumas abelhas mortas, foram assistir o que
<br>a câmera havia gravado e ficaram surpresos com o que viram.
<br>As abelhas pousavam na azaleia, sugavam o pólen e ao levantarem voo,
<br>caíam mortas.
<br>
<br>Intrigados, levaram a fita e a planta para o Instituto de Biologia da
<br>Universidade em que trabalhavam.
<br>
<br>Os cientistas e biólogos prometeram aos colegas que se empenhariam para
<br>descobrir o motivo das mortes das abelhas.
<br>Colocaram o vaso no mesmo local que havia outra azaleia e que as abelhas
<br>costumavam visitar e observaram.
<br>
<br>Na manhã seguinte apenas à volta do vaso da fatídica azaleia havia
<br>abelhas mortas.
<br>
<br>Os biólogos recolheram o pólen da flor, um pedaço da haste e um pouco
<br>da terra do vaso para fazerem a análise e descobriram que havia um
<br>elemento químico incomum na planta que causou a morte das abelhas.
<br>
<br>Então eles disseram ao casal amigo que iriam plantar a azaleia no
<br>jardim botânico da universidade para tratar a planta e eliminar o
<br>elemento químico estranho.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Seis meses depois a azaleia foi devolvida ao casal, tratada e até mais
<br>viçosa. Nunca mais morreu qualquer abelha que visitou a flor.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 7 de fevereiro de 2020.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-4276952662179062222020-04-23T22:20:00.005-03:002020-04-23T22:20:16.246-03:00A invenção do pedágioCosme e Damião, monges de um mosteiro das redondezas, vinham trotando
<br>em suas mulinhas de volta para casa, após venderem na feirinha da
<br>aldeia os produtos que trouxeram da horta e do pomar que cultivavam
<br>nas dependências do monastério.
<br>
<br>Ao chegarem à entrada da ponte sobre o rio Chuá, foram barrados por
<br>dois sujeitos mal-encarados e um deles lhes disse:
<br>
<br>- Onde pensam que vão, padrecos?
<br>
<br>- Não somos padres, somos monges. - disse o monge Cosme.
<br>
<br>- Vamos retornar ao convento, irmão. - respondeu o monge Damião.
<br>
<br>- Sei! Para voltarem ao convento terão que passar sobre essa ponte, não
<br>é?
<br>
<br>- Claro, irmão, afinal, este é o caminho. - disse Damião.
<br>
<br>- Sei! Mas para passarem pela ponte terão que pagar o pedágio.
<br>
<br>- Como? Esta ponte foi mandada construir pelo Príncipe de Estória, Sir
<br>Blind, Senhor das terras de Estória. - disse o monge Cosme.
<br>
<br>- E tem mais: Essa bandalheira de pedágio é coisa do futuro bem
<br>distante, segundo li nas cartas do tarô. - completou o monge Damião.
<br>
<br>- Mas acabamos de inventar. Certamente esse povo do futuro nos copiou!
<br>E fizeram muito bem... pros bolsos deles! Rê rê rê rê!
<br>
<br>- Está bem, irmão. Quantas moedas temos que pagar? - perguntou Cosme.
<br>
<br>- Depende de quantas moedas vocês trazem.
<br>
<br>- Irmão Damião, veja quantas moedas temos e quantas poderemos dar a
<br>esses... senhores. - disse o monge Cosme.
<br>
<br>O monge Damião pegou a bolsinha com as moedas, mas antes que a abrisse,
<br>o bandido a puxou da sua mão.
<br>
<br>- Vocês não podem ficar com todas essas moedas, irmãos. Elas servirão
<br>para comprarmos mantimentos para o mosteiro.
<br>
<br>- Serviriam, padrecos, mas agora são nossas. Podem atravessar a ponte.
<br>Rê rê rê rê!
<br>
<br>Desgostosos por não terem como fazer nada, os monges atravessaram a
<br>ponte e meia hora depois adentravam os portões do convento com os
<br>caçuás das suas mulinhas vazios e sem as moedas.
<br>
<br>O Abade e alguns monges estavam na copa conversando com o mago Manblind
<br>e seu escudeiro e amigo Loubrail quando Cosme e Damião contaram o
<br>ocorrido. O Abade ficou triste porque naquela semana certamente
<br>passariam necessidade, mas agradeceu a Deus porque os monges não
<br>sofreram agressão.
<br>Manblind, vendo a situação, disse ao Abade:
<br>
<br>- Abade, eu e o Loubrail iremos recuperar suas moedas.
<br>
<br>- Não, irmãos. Esses homens malvados podem ser perigosos!
<br>
<br>- Eu também sei ser perigoso, Abade. Não se preocupe, sairemos agora
<br>mesmo. Loubrail, prepare nossos cavalos.
<br>
<br>Dez minutos depois Loubrail estava com os cavalos arreados à espera de
<br>Manblind. Eles montaram e partiram.
<br>
<br>Cerca de meia hora estavam diante da ponte e quando se preparavam para
<br>atravessá-la, os dois bandidos os pararam:
<br>
<br>- Onde pensam que vão os senhores?
<br>
<br>- Vamos à aldeia de Dalei, por quê? - perguntou Manblind.
<br>
<br>- Porque para passarem nessa ponte têm que pagar o pedágio.
<br>
<br>- Mas a ponte não é de vocês, segundo sei.
<br>
<br>- Mas agora é nossa e se quiser passar, vá logo desembolsando suas
<br>moedas.
<br>
<br>- Quantas moedas temos que lhes dar, cavaleiro?
<br>
<br>- Depende de quantas moedas tragam nesse alforge aí.
<br>
<br>- Loubrail, veja quantas moedas podemos dar a estes senhores, por
<br>favor.
<br>
<br>Quando Loubrail retirou o alforge da cela e ia olhar seu conteúdo, o
<br>ladrão arrebatou a bolsa e, com um sorriso mau, abriu o alforge e meteu
<br>a mão lá dentro.
<br>Sem que os meliantes percebessem, Manblind fez um gesto com as mãos.
<br>
<br>O homem soltou um grito terrível e retirou a mão. Um pequeno dragão
<br>alado mordia seus dedos. A outro gesto do mago, outro dragão saiu
<br>voando da bolsa e foi morder a garganta do segundo facínora.
<br>O primeiro dragão largou os dedos do cara e pulou em sua garganta.
<br>Logo os dois homens estavam mortos.
<br>Manblind ordenou que os dragões ficassem quietos e mandou que Loubrail
<br>pegasse todas as moedas que os homens tivessem em seus bolsos e a
<br>bolsinha dos monges. Assim que Loubrail voltou a montar em seu cavalo,
<br>Manblind fez mais um gesto e os dragões ficaram enormes e começaram a
<br>devorar os corpos dos homens. O mago ordenou às feras que fizessem a
<br>festa e desaparecessem.
<br>
<br>Quando Manblind e Loubrail já haviam cavalgado cerca de uma légua, os
<br>dragões desapareciam no horizonte.
<br>
<br>Finalmente nossos heróis chegavam ao mosteiro, entregavam o que
<br>retiraram dos bandidos, entregavam ao Abade e se retiraram para curtir
<br>uma merecida sesta.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 25 de janeiro de 2020LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-54742092241347596922020-04-23T22:20:00.003-03:002020-04-23T22:20:15.362-03:00A invasão vikingNaquele reino quem mandava era a
<br>rainha, já que o rei, seu marido, estava doente e acamado há mais de
<br>três anos. Nesse tempo ela mantinha o cavaleiro Lukank como amante.
<br>
<br>Uma manhã estavam ambos na janela do quarto da rainha quando avistaram,
<br>no horizonte, algumas velas quadradas.
<br>
<br>- Teremos visitas, minha rainha. - disse o cavaleiro.
<br>
<br>- Quem será, Lukank?
<br>
<br>- Pelo formato das velas, é provável que sejam vikings.
<br>
<br>- Então precisamos urgentemente nos armar para a guerra, Lukank.
<br>
<br>- Como líder dos cavaleiros, minha rainha, descerei para preparar nossa
<br>defesa.
<br>
<br>- Faça isto, Lukank, depois venha me dar notícias.
<br>
<br>Beijando a mão da rainha, o cavaleiro saiu para convocar os defensores
<br>do castelo.
<br>Duas hora depois retornou ao quarto da rainha.
<br>
<br>- Eles estão mais perto, Lukank.
<br>
<br>- Não se preocupe, minha rainha, tenho tudo preparado para nossa defesa.
<br>
<br>- Quanto tempo eles devem levar para chegarem ao nosso porto, Lukank?
<br>
<br>- Creio que umas cinco a seis horas, minha rainha.
<br>
<br>- Que bom, Lukank... assim dá tempo para namorarmos mais um pouco.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Como previra Lukank, cinco horas depois, da janela do quarto da rainha,
<br>eles viram sete barcos vikings atracados no cais.
<br>
<br>Três horas depois os vikings ainda não haviam atacado o castelo e a
<br>rainha, inquieta, disse ao amante que eles iriam até o porto para saber
<br>o que estava acontecendo.
<br>
<br>Lukank pensou em dizer à rainha que isto não era uma boa decisão, mas
<br>ficou com receio que ela pensasse que ele estava com medo, embora fosse
<br>esta a verdade.
<br>
<br>Preparada a carruagem real, tendo Lukank como cocheiro, eles desceram a
<br>colina em direção ao cais. Dez minutos após a saída estavam na rua
<br>principal do porto.
<br>
<br>No pequeno ancoradouro estavam atracadas sete dracars com seus monstros
<br>esculpidos na proa e amarradas lado a lado. Nelas alguns guerreiros
<br>vikings com seus capacetes de cornos cuidavam dos seus afazeres, mas
<br>não havia qualquer movimento em terra.
<br>Ao passarem em frente à maior das tabernas do local, ouviram um enorme
<br>burburinho e a rainha resolveu entrar para ver o que ocorria.
<br>
<br>Assim que entraram, viram cerca de 200 guerreiros vikings, com seus
<br>cabelos compridos sob o capacete de cornos, enormes barbas e a maioria
<br>com olhos verdes. Eram homens altos, feios e rudes e, em meio à
<br>algazarra, bebiam hidromel em suas taças feitas de cornos. Também
<br>cheiravam mal por falta de banho.
<br>
<br>Só repararam na rainha e seu amante quando ela, com toda força que
<br>tinha, bateu seu cetro no chão por três vezes.
<br>
<br>Todos se viraram para ver de onde viera aquele barulho.
<br>O taberneiro gritou:
<br>
<br>- Ih, é nossa rainha Dalin!
<br>
<br>Aproveitando o silêncio, a rainha perguntou:
<br>
<br>- Quem é o rei dessa horda... dessa malta... de vocês?
<br>
<br>Um viking, tão alto quanto os demais, um pouco mais magro, de cabelos
<br>ruivos, olhos azuis e sem barba, respondeu:
<br>
<br>- Sou eu, senhora.
<br>
<br>- E qual é seu nome, senhor? - perguntou ela.
<br>
<br>- Sou Garah, o Vermelho, rei de Norsueland.
<br>
<br>- Eu sou Dalin, rainha destas terras que os senhores invadiram.
<br>
<br>- Como assim, "invadimos", senhora rainha?
<br>
<br>- Como não? E o que seus barcos fazem em meu porto?
<br>
<br>- Apenas paramos para descansarmos um pouco, pois há dois meses que
<br>navegamos sem destino certo, afim de novas conquistas.
<br>
<br>- E o que vocês pretendem em meu reino?
<br>
<br>- Daqui? Nada para se ver nem nada para se levar de um reino tão
<br>pequeno.
<br>
<br>- Fique o senhor sabendo que temos cavaleiros aguerridos e valentes.
<br>
<br>- Menos, minha rainha. - disse Lukank ao ouvido da rainha.
<br>
<br>- E fique a senhora sabendo que queremos apenas descansar, beber
<br>hidromel e zarpar.
<br>
<br>- Isso é um desaforo. Exijo que o senhor nos ataque.
<br>
<br>- Dona rainha, volte para o seu castelo e sua vidinha pacata e sem
<br>graça.
<br>
<br>- Nada disso, senhor Garah. Já que os senhores não querem atacar meu
<br>castelo, vou buscar meus cavaleiros e os atacaremos.
<br>
<br>- A senhora é chatinha, dona rainha... apesar de bonitinha. - disse
<br>Garah, voltando as costas para a rainha.
<br>
<br>
<br>- Não se dá as costas a uma rainha quando esta está falando, senhor
<br>Garah. - disse a rainha.
<br>
<br>Garah continuou de costas e bebendo seu hidromel.
<br>
<br>- Minha rainha, se os caras não querem lutar, pra que insistir? - disse
<br>Lukank.
<br>
<br>- Não é assim que se resolvem as coisas, Lukank. Temos que ter brio,
<br>amor próprio, meu amor.
<br>
<br>- Mas minha rainha, vamos embora e deixemos os caras beberem sua
<br>cervejota.
<br>
<br>Batendo o cetro no chão, a rainha exclamou:
<br>
<br>- Eu vou, mas voltarei para expulsá-los de minhas terras.
<br>
<br>Os quase 200 guerreiros vikings deram uma sonora gargalhada e deram
<br>também as costas à rainha que saiu furiosa da taberna, entrando em sua
<br>carruagem e ordenando a Lukank que voltasse ao castelo.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Naquela noite, na hora da ceia, a rainha convocou seus cavaleiros para
<br>explicar a situação .
<br>Os cavaleiros a ouviram e ponderaram que, se os invasores não queriam
<br>invadir o reino, pra que levar aquilo na ponta da espada?
<br>
<br>- Mas os senhores cavaleiros não percebem que fomos humilhados?
<br>
<br>- Na verdade, minha rainha, se enfrentarmos os vikings pereceremos todos.
<br>
<br>- Antes a morte do que a humilhação, Lukank.
<br>
<br>- Mas a nossa vida é tão gostosa, não é, minha rainha?
<br>
<br>- É, Lukank, mas ser derrotado sem lutar é degradante.
<br>
<br>E nessa conversa foram até que alguns cavaleiros começaram a bocejar.
<br>Então Lukank, ao pé do ouvido da rainha, a chamou para dormir.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Na manhã do dia seguinte, Lukank abriu a janela do quarto da rainha e
<br>olhando para o horizonte, ele disse:
<br>
<br>- Minha rainha, os barcos vikings se foram.
<br>
<br>De um salto ela levantou da cama, chegou até a janela e ao ver as
<br>velas quadradas quase no horizonte, exclamou:
<br>
<br>- Covardes! Preferiram a fuga ao combate!
<br>
<br>Lukank, respirando aliviado, respondeu:
<br>
<br>- Eles sabiam que não poderiam conosco, minha rainha.
<br>
<br>
<br> - FIM -
<br>Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 6 de dezembro de 2019.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-79286644263773091152020-04-23T22:20:00.001-03:002020-04-23T22:20:13.631-03:00A caçada realNuma manhã de céu azulado e sol forte, o pintor real passeava pelo
<br>bosque que ladeava o castelo do seu rei em busca de inspiração para
<br>novos quadros reais.
<br>A cada ideia, sentava-se num tronco ou numa pedra à beira do caminho e
<br>fazia um esboço em seu caderno de notas.
<br>Já adentrara bastante aquele bosque, contemplando árvores, flores,
<br>arbustos, borboletas e ouvindo o canto de diversos pássaros.
<br>Ao ouvir o rumor de águas, sentiu sede e decidiu saciá-la, saindo da
<br>trilha dirigindo-se à margem de um rio. Colocou seus papéis sobre uma
<br>pedra e, com as mãos em concha, bebeu até saciar-se.
<br>Enquanto bebia, viu alguma coisa brilhar no leito do rio e, curioso,
<br>entrou na água, abaixou-se e pegou o que lhe pareceu um baú.
<br>Era mesmo um baú, não tão pequeno nem tão grande.
<br>Saiu da água, sentou-se à margem e forçou os fechos do baú.
<br>Ele conseguiu abri-lo e ficou abismado com seu conteúdo.
<br>Deixando o baú aberto, deitou-se na relva afim de secar suas roupas.
<br>Por cerca de duas horas ficou ali deitado, admirando o que encontrará.
<br>
<br>Já com as roupas secas, fechou o baú, o colocou sob um dos braços,
<br>pegou os rascunhos e voltou ao seu atelier, que ficava numa das
<br>torres do castelo do seu rei.
<br>
<br> _ _ _
<br>
<br>Colocou o baú sobre uma mesa e começou a retirar o que havia ali.
<br>Encontrou uma paleta, pincéis e tubos de tinta.
<br>
<br>Decidido a testar a qualidade das tintas, iniciou a pintura de uma
<br>natureza morta com maçãs, flores e uma taça de vinho.
<br>O quadro ficou esplêndido.
<br>
<br> _ _ _
<br>
<br>Lá um dia, durante seu almoço, o rei olhou para as paredes e pensou que
<br>a sala de refeições precisava de mais um quadro.
<br>Então o rei mandou chamar o pintor real para pintar-lhe algo que
<br>tivesse ação, pois estava cansado das naturezas mortas e dos retratos
<br>da família real que cobriam as paredes.
<br>O pintor sugeriu-lhe uma tela mostrando uma caçada real, tendo ele à
<br>frente de seus cavaleiros e parceiros de caça.
<br>O rei achou a ideia supimpa e disse ao pintor que pusesse pincéis à
<br>obra. De volta ao atelier, colocando uma tela de um metro por um metro
<br>e meio no cavalete, tendo ao lado aquele baú que encontrara no rio,
<br>o pintor deu início à encomenda do seu rei.
<br>
<br> _ _ _
<br>
<br>Seu atelier cheirava a maçãs, flores e vinho, coisas que sempre havia
<br>por lá.
<br>O pintor real trabalhou mais de um mês para acabar o quadro, mas a obra
<br>ficou linda e ficaria magnífica na sala de refeições do rei.
<br>
<br>Quando o quadro secou, o pintor real a apresentou ao seu rei.
<br>
<br>O rei quase chorou de emoção ao ver-se retratado diante de alguns dos
<br>seus cavaleiros com seu arco real na mão e um pouco adiante dos cavalos
<br>uma corça abatida pela flechada que dera em seu pescoço, enquanto um
<br>filhote corria por entre as árvores.
<br>
<br>A tela foi imediatamente colocada na parede, defronte da cadeira que
<br>o rei sentava para fazer suas refeições reais.
<br>
<br>Tudo corria normalmente naquele reino, mas, três dias depois a sala de
<br>refeições começou a exalar um mau cheiro terrível.
<br>O rei ralhou severamente com seus criados reais quanto à limpeza do
<br>ambiente.
<br>Por mais que se esforçassem no asseio da sala, a cada dia o odor fétido
<br>piorava.
<br>Apesar do rei ameaçá-los com a masmorra, não houve jeito de resolver o
<br>problema e o rei passou a fazer suas refeições na sala do trono real.
<br>
<br>Uma semana depois, uma das camareiras passou diante do quadro e sentiu o
<br>mau cheiro. Ela percebeu que ao afastar-se do quadro, o fedor diminuía.
<br>Então ela procurou seu rei e relatou o fato.
<br>O rei, chocado com o inusitado da coisa, mandou chamar o pintor real e
<br>foram juntos até a sala de refeições.
<br>Ao chegarem diante do quadro, ficaram estupefatos ao notarem que o corpo
<br>da corça que fora alvejada pela flecha real é que exalava o nauseabundo
<br>cheiro, como se sua carne estivesse apodrecendo.
<br>
<br>Sem titubear, o rei mandou que o pintor real levasse o quadro para seu
<br>atelier e desse um jeito naquilo ou pintasse qualquer outra paisagem
<br>sobre aquela.
<br>
<br> _ _ _
<br>
<br>O pintor real, seguindo as ordens do seu rei, tapando o nariz, colocou
<br>a tela sobre o cavalete e iniciou a apagar a imagem da corça flechada.
<br>Depois que apagou a imagem do animal, o mau cheiro desapareceu, então
<br>ele modificou a tela. Primeiro pintou a corça viva, fugindo com seu
<br>filhote por entre as árvores e a flecha disparada pelo arco real ele
<br>pintou cravada numa árvore.
<br>
<br> _ _ _
<br>
<br>E o quadro foi novamente pendurado na sala de refeições reais.
<br>
<br>Foi assim que o pintor real descobriu o segredo das tintas que
<br>encontrara no baú e porque seu atelier continuou a exalar cheiro de
<br>maçãs, flores e vinho, mesmo depois que já não tinha nada disso no
<br>local. E ele passou a pintar naturezas mortas com cheiro de natureza
<br>viva.
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 15 de novembro de 2019.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-52313201756732188692020-04-23T21:41:00.001-03:002020-04-23T21:41:59.661-03:00O tesouro do Barba RuivaApesar da boa casa que residia com seus dois filhos e da pensão deixada
<br>pelo marido, Hermínia fazia alguns trabalhos para melhorar a manutenção
<br>da casa, afinal, Tim e seu irmão Jim ainda estudavam, mesmo que, quando
<br>ela precisava, eles a ajudavam. Hermi, como a conheciam naquele povoado
<br>à beira-mar, fazia faxina, unhas e cabelo, lavava roupa, vendia
<br>cosméticos e até algumas frutas colhidas no seu pequeno pomar nos
<br>fundos da casa.
<br>Certo dia foi chamada por um rico negociante para um grande trabalho:
<br>- Senhora Hermi, quero jogar fora todos os livros que tenho nessa
<br>biblioteca. Depois quero que arrume um marcineiro para retirar todas
<br>as prateleiras e um pintor para fazer daqui um quarto de dormir.
<br>A senhora ficará responsável pelo serviço. Eu pagarei muito bem.
<br>Após jogar os livros fora, contrate os homens para executarem a obra.
<br>Amanhã viajo a negócios, mas espero que tudo esteja terminado em três
<br>meses, quando retorno de viagem. Aqui estão as chaves da casa e algum
<br>dinheiro para as despesas iniciais.
<br>- Senhor Brandley, eu posso ficar com os livros? - perguntou Hermi
<br>pegando as chaves e o maço de dinheiro das mãos do homem.
<br>- Faça como quiser, desde que os leve todos!
<br>- Obrigada, Senhor. Quando o Senhor retornar, tudo estará a seu gosto.
<br>- Senhora Hermi, quero tudo pintado de branco e o piso encerado. -
<br>disse o velho estendendo a mão em despedida.
<br>- Assim será, Senhor Brandley! - respondeu ela, retribuindo o gesto.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Ao chegar em casa mostrou a grana que recebera como adiantamento e
<br>disse aos filhos:
<br>- Rapazes, temos muito trabalho pela frente.
<br>- E que trabalho é esse, mãe? - perguntou Jim.
<br>- Primeiro temos que esvaziar e limpar o quartinho do quintal para
<br>colocarmos lá muitos livros que ganhei do Senhor Brandley.
<br>- É como a Senhora sempre nos falou, que livros não se jogam fora.-
<br>disse Tim, sorrindo.
<br>- Pois é... então vamos ao trabalho!
<br>Quando a noite chegou eles já haviam limpado e lavado o quartinho que
<br>passaria a ser a biblioteca da família.
<br>No dia seguinte, juntamente com os filhos e um vizinho marcineiro, foi
<br>até a mansão. Eles retiraram os livros das prateleiras e os colocaram
<br>no centro do grande quarto. Logo Julian, com cuidado, começou a retirar
<br>as prateleiras, pois seriam colocadas na futura biblioteca dos Valis,
<br>conforme acertado com o vizinho.
<br>Enquanto o marcineiro fazia seu trabalho, Hermi mandou o filho chamar o
<br>carroceiro para levar os livros para sua casa. Ela teve que pagar ao
<br>homem por duas viagens, pois eram muitos livros.
<br>Como trabalhava rápido, no dia seguinte Julian já colocara as
<br>prateleiras no quartinho e os rapazes começaram a colocar os livros
<br>por ordem de assunto. Isso ainda durou uns três dias, mas ficou como
<br>obrigação dos meninos, enquanto Dona Hermi orientava o pintor lá na
<br>mansão.
<br>Em menos de quinze dias o quarto estava como pedira o Senhor Brandley,
<br>Dona Hermi aproveitou para fazer uma faxina completa na enorme casa,
<br>visto que o proprietário só contava com a diarista uma vez por semana.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Três meses depois o Senhor Brandley entrava em sua casa. Ele gostou
<br>tanto do serviço que Dona Hermi fez que lhe pagou o combinado e ainda
<br>lhe deu um dinheirinho extra e combinou com ela a faxina semanal da
<br>propriedade e acabou lhe confessando o porque daquela mudança:
<br>- Senhora Hermi, estou muito feliz porque finalmente minha filha, meu
<br>genro e meu netinho virão morar comigo. Já não viverei aqui sozinho.
<br>- Fico muito feliz pelo Senhor. Se precisar de mais alguma coisa, é só
<br>mandar chamar.
<br>- Peço-lhe apenas um favorzinho. Por favor, passe na marcenaria do
<br>Julian e diga-lhe para vir aqui, Tenho que encomendar os móveis do
<br>quarto o quanto antes.
<br>- Assim farei, Senhor Brandley. Até mais!
<br>- Até mais, Senhora Hermi e muitíssimo grato.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Uma noite, dois meses depois, estavam os três na biblioteca folheando
<br>os livros. Tim pegou um destes na prateleira das obras de aventuras
<br>e leu:
<br>- Piratas famosos, seus tesouros e suas histórias... parece bom!
<br>- Interessante! Quem é o autor? - perguntou Jim.
<br>- Foi escrito em 1751 por Suli Pamcos. - respondeu Tim.
<br>Quando o rapaz folheava a obra, seu irmão Jim, curioso, aproximou-se
<br>e sem querer deu um tombo no Tim derrubando o livro.
<br>Ao cair no chão, um papel amarelado, dobrado em quatro e com aspecto de
<br>muito antigo, caiu sobre o pé do rapaz.
<br>- Que será isto, Jim? - disse Tim pegando o papel e o abrindo.
<br>- Mano, é um mapa! - exclamou Jim.
<br>Dona Hermi, ao ouvir a palavra mapa ficou curiosa também.
<br>- Mapa? Mapa do quê?
<br>Tim estava com o mapa aberto sobre as coxas e tentava decifrar o que
<br>dizia, já que o papel estava quase apagado, indicando que era realmente
<br>muito antigo.
<br>- Aqui diz que é o mapa do tesouro do pirata Barba Ruiva, que foi o
<br>terror dos sete mares por volta de 1717.
<br>- Será verdadeiro, Tim? - perguntou Dona Hermi, interessada.
<br>- Mãe, parece que sim... inclusive há algumas datas entre 1714 e 1726,
<br>considerada a era de ouro da pirataria.
<br>- Mas Tim, você acha que poderíamos encontrar esse tesouro?
<br>- Bem, mãe... se não tentarmos, nunca saberemos.
<br>- Esse mapa despertou meu lado aventureiros, rapazes.
<br>- Sim, mãe... podemos sair atrás desse tesouro até mesmo como um
<br>passatempo. Se encontrarmos o tesouro, ótimo; se não encontrarmos, valeu
<br>a aventura.
<br>- Então está combinado. Vamos deixar a casa arrumada e limpa e vamos
<br>viver esta aventura.
<br>Dois dias depois os três estavam na Praia das Gaivotas procurando um
<br>pescador que topasse a aventura e alugasse o barco para eles.
<br>Indagando aqui e ali, alguém disse que procurassem Drake, na última
<br>casinha da praia e eles foram lá.
<br>Sentado no chão da sala, Drake costurava uma rede de pesca. Ao ouvir as
<br>batidas na porta, gritou:
<br>- Entre!
<br>Dona Hermi e seus filhos entraram. Ao vê-los, Drake mandou que sentassem
<br>nuns bancos que havia perto da mesa. Eles sentaram e Drake falou:
<br>- Em que posso servi-los, gente?
<br>- Bem, Senhor Drake. Precisamos alugar um barco e nos indicaram o seu.
<br>- E para que a senhora quer um barco? Deseja fazer uma pescaria?
<br>- De certa forma, sim. - disse Jim.
<br>- Como assim, meu rapaz?
<br>- Decidimos viver uma aventura e precisamos de um barco e alguém que
<br>saiba manejá-lo.
<br>- A depender, essa aventura pode sair cara para vocês!
<br>- Acreditamos que, ao final da viagem, possamos recompensá-lo muito bem.
<br>- Quer dizer que vocês não têm dinheiro agora?
<br>- Claro que temos e cremos que dê para lhe pagar a empreitada, mas o
<br>que acontecerá ao final, a Deus pertence. - disse Dona Hermi.
<br>- Vocês me pegaram num dia bom. Também curto uma aventurazinha. E isso
<br>aqui tá ficando muito chato. - disse Drake largando a rede de lado.
<br>- Quer dizer que o Senhor irá conosco? - perguntou Tim.
<br>- O que estamos esperando para partir? - disse Drake sorrindo.
<br>- Muito bem. Então cuidaremos dos mantimentos e o Senhor vai cuidar do
<br>barco. Vê se coloca uma lona para nos proteger do sol e da chuva.
<br>- Não se preocupe, Senhora. O barco estará pronto amanhã pela manhã.
<br>Partiremos às nove horas sem destino por esse marzão de meu Deus.
<br>Dona Hermi e os rapazes retornaram ao centro do povoado para comprarem
<br>tudo que poderiam precisar, como ferramentas e mantimentos para mais de
<br>um mês.
<br>No dia seguinte pela manhã, no horário combinado, eles partiram. Tim
<br>disse a Drake que navegasse para Leste e ele seguiu esse rumo. O barco
<br>tinha cerca de 12 metros e um único mastro bem alto com uma vela
<br>retangular. Ele colocara um toldo na popa da embarcação que os
<br>protegeria do sol e da chuva. Com o leme amarrado, Drake ficava livre
<br>para outras atividades de manutenção, se preciso fosse. No momento ele
<br>verificava o cordame da vela.
<br>Dona Hermi e seus filhos estavam sentados sob o toldo, protegendo-se do
<br>sol que estava tinindo e conversavam banalidades para passarem o tempo.
<br>Perto do leme havia um rádio de pilhas tocando música clássica.
<br>Após navegarem umas três horas, comeram algum coisa e deitaram-se para
<br>descansar. O barco avançava na direção indicada por Tim e Drake agora,
<br>sentado na proa, vigiava o horizonte. Ele já prepara as lanternas que
<br>iluminariam a embarcação pela noite, para evitar colisão com outros
<br>barcos ou navios.
<br>Pela noite, Dona Hermi cochichou ao ouvido de Tim, seu filho mais
<br>velho:
<br>- Tim, você acha que devemos contar ao Drake nossa intenção?
<br>- Bem, mãe, uma hora ele terá que saber, senão como poderei indicar-lhe
<br>o caminho que pretendo fazer?
<br>Jim que ouvira a conversa, concordou em se contar ao pescador em que
<br>tipo de aventura ele estava se metendo. Então na manhã seguinte eles
<br>chamaram Drake e lhes contaram a história e até mostraram o mapa ao
<br>homem. Drake ficou entusiasmado com a aventura que viveria e deu muita
<br>risada, dizendo:
<br>- Vocês são loucos, mas embarcarei nessa loucura também!
<br>Drake, Tim e Jim passaram a estudar o mapa. Como havia uma rosa dos
<br>ventos desenhada no mapa, seria muito mais fácil a localização do
<br>destino deles. Drake foi pegar sua bússola para estudar a posição do
<br>barco para acertar o leme.
<br>Nas conversas diárias eles ficaram sabendo que Drake fora Capitão da
<br>Marinha Real e pedira sua reforma após sofrer um naufrágio no qual
<br>morrera quase toda sua tripulação. Como amava o mar, decidiu ser
<br>pescador. Comprou aquela casinha e morava ali há sete anos. Vivia, na
<br>verdade, do seu soldo, mas pescava para distrair-se e passar os dias.
<br>Aparentava ter trinta e poucos anos, mas tinha 46, ainda com todos os
<br>músculos rígidos de quando estava na Marinha. Era alto e forte.
<br>Após navegarem seis dias e seis noites, Jim que espiava o mar, avistou
<br>no horizonte uma pequena montanha, que foi crescendo com o passar das
<br>horas. Assim que ele alertou os demais, todos vieram para a proa do
<br>barco. Por volta das três horas da tarde eles já divisavam toda a
<br>montanha e o contorno da ilha de que fazia parte. Quando o sol morria
<br>no horizonte, eles aportaram numa pequena enseada. Como logo a noite
<br>chegaria, resolveram pernoitar no barco e só na manhã seguinte descerem
<br>à terra. Com os primeiros raios do sol eles acordaram, de tão ansiosos
<br>que estavam. Drake e os rapazes consultaram o mapa e tinha certeza de
<br>que ali estaria o tesouro que buscavam.
<br>Após levarem o barco até encalhá-lo na areia, desceram com algumas
<br>ferramentas decididos a explorar o local. Drake jogou a âncora na areia
<br>para que o barco não fosse levado pela maré quando esta enchesse.
<br>Mochila nas costas eles partiram em direção ao cume da montanha que
<br>era alta e muito grande. Descobriram uma trilha que ladeava a encosta,
<br>embora obstruída pela vegetação. Cipós, galhos de pequenas árvores,
<br>arbustos e plantas rasteira praticamente fechavam a trilha, mas com
<br>seus facões, devagar, eles foram abrindo caminho e conseguiram chegar
<br>ao topo, descobrindo que, na verdade, era um vulcão extinto.
<br>Começaram a descer e numa plataforma da encosta decidiram acampar, pois
<br>a noite se aproximava. Os rapazes desceram mais um pouco e pegaram
<br>alguns galhos para acenderem uma fogueira para aquecê-los e protegê-los
<br>de animais, embora eles não tenham visto nenhum até aquele momento.
<br>Por precaução, Drake trouxera uma das lanternas que usava no barco
<br>durante a noite e que poderia ser útil. Quando escureceu, eles acenderam
<br>a fogueira e a lanterna e dormiram muito bem, apesar de estarem
<br>deitados no chão. Pela manhã continuaram a descida e chegaram numa
<br>pequena vereda coberta de arbustos cheios de espinhos. Segundo o mapa,
<br>eles deveriam atravessar esses arbustos para encontrarem uma caverna.
<br>Então meteram seus facões nas plantas espinhosas e em algumas horas
<br>encontraram a tal caverna. Drake acendeu a lanterna e eles, sempre de
<br>sobreaviso, adentraram a caverna. Desceram muitos metros por um caminho
<br>pedregoso e estreito até que, quando menos esperavam, eles estavam num
<br>grande salão cujo mar entrava por uma enorme caverna, mas que daria
<br>apenas para que um barco como o seu entrasse pelo mar.
<br>Nesse salão eles descobriram quatro pequenas cavernas e decidiram
<br>explorá-las, afinal, o "X" marcado no mapa indicava aquele local.
<br>Assim que entraram na terceira caverna, descobriram duas enormes arcas,
<br>cercadas por alguns esqueletos. Abriram os baús e ficaram extasiados
<br>com a fortuna que guardavam: moedas de ouro e prata, muitas joias,
<br>coroas, espadas, adagas e muitos vasilhames de prata, como talheres,
<br>pratos, bandejas e taças. Visitaram a quarta caverna e também não
<br>encontraram nada. Então combinaram que Dona Hermi e Jim ficariam ali
<br>colocando as peças espalhadas pelo chão nos sacos de linhagem que eles
<br>trouxeram, enquanto Drake e Tim iriam buscar o barco, contornar a ilha
<br>e entrariam na caverna para recolherem o tesouro.
<br>Uma hora depois o barco estava dentro da caverna e eles já haviam
<br>embarcado o tesouro. Então saíram da caverna e empreenderam a viagem de
<br>volta, que lhes pareceu mais rápida do que a ida. Quando eles se
<br>encontravam a um dia de distância da ilha, o vulcão entrou em erupção
<br>despejando lava em todas as direções, fazendo desaparecer até mesmo a
<br>caverna que se abria para o mar.
<br>Cinco dias e cinco noites depois eles chegavam á Praia das Gaivotas.
<br>Deixaram para desembarcar o tesouro aos poucos e sempre à noite, para
<br>não despertarem a curiosidade e a cobiça dos pescadores.
<br>
<br> ___
<br>
<br>Eles venderam suas casas e compraram outra maior na capital.
<br>Os rapazes haviam concluído o ensino médio e ingressaram na faculdade.
<br>Seis meses depois Hermir e Drake se casaram e a família foi feliz para
<br>sempre. Este conto é uma prova que devemos acreditar em mapas de
<br>tesouro... desde que não sejam fotocópias!
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 29 de janeiro de 2020.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-3398177012076324312020-04-23T05:19:00.001-03:002020-04-23T05:19:12.171-03:00Uma pandemia pode trazer felicidadeQuando se descobriu três casos de infectados pelo coronaVírus, os 10
<br>apartamentos do Edifício Vigor, no bairro da Saúde, foram colocados em
<br>quarentena. Os 43 moradores, entre idosos, adultos, adolescentes e
<br>crianças foram obrigados ao confinamento social conforme determina
<br>a lei em todo o País.
<br>Um casal de vizinhos, moradores do pavimento térreo, com idade acima
<br>dos 70 anos e o zelador, que também era porteiro e faz tudo por ali,
<br>que tinha 60, apresentaram indícios de infecção pelo covid-19, foram
<br>levados ao Hospital de Pesquisas Bacteriológicas e ficaram internados.
<br>
<br>A Doutora e cientista Valda Cruz, da equipe médica que cuidava da ala
<br>dos infectados pelo novo coronavírus resolveu adotar um tratamento
<br>inédito e que estava dando resultados positivos, vencendo a doença e
<br>trazendo melhoras aos doentes sob sua responsabilidade.
<br>Os três infectados do Edifício Vigor estavam sob seus cuidados, então
<br>ela resolveu aplicar-lhes seu método de tratamento.
<br>Chegou ao edifício com uma equipe do setor de hemograma, convocou
<br>todos os moradores com idade acima dos 18 anos e colheu amostras para
<br>um exame de sangue. No hospital fez o mesmo com seus três pacientes,
<br>enviou as amostras ao laboratório e aguardou, impaciente, o resultado.
<br>
<br>Ao receber os resultados dos exames de sangue, colocou-os diante de si,
<br>analisando e comparando os dados apresentados naquelas folhas de papel.
<br>Como sabia que um hemograma pode mostrar o estado de saúde de uma
<br>pessoa e sabendo que o laboratório do hospital aplicava técnicas
<br>sofisticadas, solicitou também um criterioso exame de DNA em todas as
<br>amostras. No dia seguinte mandou aplicar nos doentes um pouco do
<br>sangue colhido no prédio cujos doadores estavam com a saúde perfeita.
<br>Três dias após receberem o sangue sadio, os pacientes apresentaram uma
<br>melhora tão boa que Doutora Valda deu-lhes alta e os mandou levar em
<br>casa. Ela provará sua teoria e fora parabenizada pelos colegas.
<br>
<br> Doutora Valda Cruz, por precaução, determinou que os moradores do
<br>Edifício Vigor permanecessem em confinamento social até que o Covid-19
<br>estivesse sob controle e os casos já não apresentassem risco de morte.
<br>Na semana seguinte ela convocou ao seu consultório três moradores
<br>daquele prédio. Um foi o zelador, o outro Meire e o terceiro seu
<br>filho, Nino. Quando eles chegaram ela pediu que Osni, o zelador e
<br>Meire entrassem no gabinete enquanto Nino ficava na sala de espera
<br>lendo uma daquelas revistas mais velhas do que o próprio rapaz.
<br>Eles entraram e sentaram-se diante da mesa da doutora que já estava
<br>sentada em sua cadeira.
<br>
<br> - Certamente vocês estão curiosos para saberem porque os chamei aqui.
<br>- Pois é, Doutora... não sei porque a Senhora me chamou e mandou que eu
<br>trouxesse meu filho.
<br>- Eu também não sei o que estou fazendo aqui, Doutora. Meu tratamento
<br>falhou? Eu continuo com o vírus, Doutora?
<br>- Não é nada disso, Seu Osni. Está tudo bem com o Senhor. O Senhor e os
<br>outros dois moradores estão livres do Covid-19, mas convém não abusar.
<br>- E eu, Doutora, porque estou aqui?
<br>- Bem, Meire... ao pedir o exame de sangue ao laboratório, solicitei
<br>que fossem rigorosos e também fizessem testes de DNA, pois disso
<br>dependeria o tratamento que criei e que, graças a Deus, deu certo.
<br>- E daí, Doutora?
<br>- Daí, Meire, que o mapeamento do DNA de vocês três apresentou
<br>sequências que determinam um vínculo biológico.
<br>- E aí, Doutora?
<br>- Aí, Seu Osni, os testes provam que o Senhor é pai do Nino.
<br>- Como? Não entendo. - disse Osni, surpreso.
<br>- Acho que só Meire pode explicar, Seu Osni.
<br>Meire, que ficara calada, mas não tão surpresa quanto o Osni, entre
<br>lágrimas, começou a falar:
<br>- Osni, eu sempre fui apaixonada por você, mas você era o zelador do
<br>prédio e meus pais nunca iriam admitir que eu o namorasse, mesmo tendo
<br>35 anos...
<br>- Eu também sempre a amei, Meire, mas, assim como você, tinha medo da
<br>reação de seus pais se eu me declarasse...
<br>- Deixe-me concluir, Osni, por favor.
<br>- Está bem, Meire, conclua.
<br>- Uma noite fui pra um embalo com alguns ex-colegas da faculdade, bebi
<br>demais e acabei dormindo na casa de um amigo e transamos. Liguei pra
<br>casa e disse que estava na casa de uma amiga e que dormiria lá
<br>novamente, mas no dia seguinte, à noite, bebi um pouco para criar
<br>coragem, voltei ao prédio e fui bater em sua porta...
<br>- Eu lembro dessa noite... foi a noite mais maravilhosa da minha vida.
<br>- Deixe eu continuar, Osni. Você não queria que eu entrasse, mas eu
<br> entrei e me joguei em seus braços e acabamos transando toda a noite.
<br>No outro dia fui pra casa, mas não estava arrependida de haver transado
<br>com você. Quando minha menstruação não veio, fiquei assustada, mas me
<br>contive e não contei nada a ninguém. Fui na farmácia e comprei um teste
<br>de gravidez e deu positivo. Eu estava grávida, mas não sabia de quem.
<br>- Foi por isto que você nunca me contou, Meire?
<br>- Foi, Osni. Como minha barriga começou a crescer, inventei aquele
<br>intercâmbio, passei quatro anos fora e tive meu filho na Itália.
<br>- Quer dizer que o Nino é italiano, Meire?
<br>- Ele tem duas nacionalidades, Osni.
<br>- Lembro quando você voltou. O Nino, desde os dois anos que é muito
<br>meu amigo. Até hoje, com 25 anos, continua apegado a mim.
<br>- É o sangue, Seu Osni. Apesar de vocês não saberem, havia uma afinidade
<br>entre vocês de pai e filho.
<br>- É verdade, Doutora, sempre tratei o Nino como um filho que gostaria
<br>de ter.
<br>- Bem, Seu Osni, agora que sabe a verdade, o que pretende fazer?
<br>- Bem, Doutora. Se o Nino quiser, passarei a tratá-lo como filho. Se
<br>não quiser, não muda o amor e o carinho que lhe tenho.
<br>- Osni, o Nino sempre gostou de você, pois desde os dois anos que você
<br>o trata com carinho e atenção. Creio que ele vai gostar de saber que
<br>você é o pai dele, embora ele nunca tenha me cobrado quem era seu pai.
<br>- Espero que assim seja, se Deus permitir.
<br>- Que tal chamarmos o Nino? - perguntou a doutora.
<br>
<br> Doutora Valda interfonou para a atendente mandar o Nino entrar.
<br>Dois minutos depois Nino entrou no gabinete da doutora e encontrou sua
<br>mãe e Seu Osni chorando baixinho. Surpreso, perguntou:
<br>- Que houve aqui, Doutora? Porque minha mãe e Seu Osni estão chorando?
<br>- Será melhor que eles lhe contem. Sente-se aí, Nino.
<br>Nino sentou-se numa cadeira que estava entre Osni e sua mãe. Olhou pra
<br>um, olhou pro outro sem entender nada. Foi sua mãe quem falou:
<br>- Bem, meu amor, há muitos anos que lhe devo essa explicação, mas nem
<br>eu mesma tinha certeza...
<br>- Que explicação, Mãe? - interrompeu o rapaz.
<br>- Quem era seu pai...
<br>- Não me diga que meu pai é Seu Osni! - Exclamou Nino., adivinhando.
<br>- É sim, meu filho... acabamos de descobrir esta verdade, graças à
<br>Doutora Valda.
<br>- E o que você acha disso, Nino? - perguntou Seu Osni.
<br>- O que eu acho? Ora, Seu Osni, eu sempre gostei do Senhor como pai
<br>porque o Senhor sempre me tratou como filho... o que posso achar?
<br>Por Deus, isto é maravilhoso,... meu pai!
<br>Agora poderemos morar os três juntos!
<br>Nesse momento até a doutora chorou!
<br>
<br> - FIM -
<br>
<br> Luís Campos (Blind Joker)
<br> Salvador, 15 de abril de 2020.LUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-36281828697219596582012-09-06T09:22:00.003-03:002012-09-06T09:22:05.944-03:00O Naufrágio do Karina IIA tarde estava morna. Soprava uma leve brisa, refrescando aqueles que
<br>se achavam por ali.
<br>A natureza, pródiga neste início de primavera, deixava as margens do
<br>lago, floridas. Ouvia-se, vindo da mata que ladeava o lago, o canto
<br>de alguns pássaros vespertinos e os ruídos dos pequenos animais
<br>silvestres que habitavam árvores e tocas na pequena floresta.
<br>
<br>Numa das margens, alguns homens aproveitavam para jogar conversa
<br>fora, outros jogavam vôlei, futebol, dominó ou damas e os demais apenas
<br>aproveitavam a grama para, deitados ou sentados, descansarem.
<br>Algumas mulheres, assim como fazem os homens, formavam grupinhos e
<br>entre risos e gargalhadas, trocavam confidências e intimidades,
<br>possivelmente rindo dos próprios maridos e namorados.
<br>
<br>As crianças aproveitavam da melhor forma a liberdade que seus pais lhes
<br>davam, brincando. Umas corriam pelo campo gramado soltando gritos de
<br>alegria, inventando novas brincadeiras ou relembrando aquelas que
<br>conhecemos bem. Outras empinavam pipas e arraias ou simplesmente
<br>ficavam deitadas tentando adivinhar os desenhos que as nuvens formavam
<br>antes de se desfazerem. Algumas mais acomodadas brincavam com jogos
<br>de cartas, de tabuleiros ou apenas apreciavam as demais crianças no seu
<br>corre-corre alegre e descompromissado.
<br>
<br>O alarido das conversas era intenso, mas não incomodava a ninguém,
<br>afinal, durante toda a primavera e o verão, aquele povo estava sempre
<br>por ali, nos finais de semana.
<br>
<br>Raramente alguém se aventurava a banhar-se, pois todos sabiam que,
<br>embora a temperatura estivesse agradável, a água estava quase gelada.
<br>
<br> Um pouco mais adiante, sentados próximos da água, alguns homens
<br>discutiam sobre navegação, assunto preferido deste grupo, enquanto
<br>apreciavam alguns barcos que navegavam ao largo.
<br>
<br>De repente o céu cobriu-se de grossas nuvens, oriundas do litoral e
<br>escureceu completamente. O vento passou a soprar com mais força,
<br>aumentando a cada minuto sua velocidade e uma chuva fina e fria começou
<br>a cair.
<br>O povo correu para o bosque, procurando abrigar-se melhor, embora isso
<br>fosse impossível. A tempestade não tardou.
<br>O vento sibilava aos ouvidos que não aceitaria desafios e a chuva
<br>tornou-se torrencial. O lago parecia querer subir pelas margens.
<br>
<br>As ondas avolumavam-se, ameaçando as embarcações que insistiam em
<br>permanecer ao largo. Quase todas foram trazidas ao pequeno ancoradouro,
<br>restando apenas ao "Karina II", um bonito veleiro de três mastros,
<br>retornar. Mas pareceu aos homens que apreciavam a luta do barco para
<br>vencer as ondas, que não iria conseguir.
<br>O veleiro era manobrado para tentar transpô-las, mas estas batiam nas
<br>suas laterais, fazendo-o adernar, ora para um lado, ora para outro.
<br>As ondas lavavam o convés, levando tudo que estava solto ou mal
<br>amarrado. O barco embicava nas vagas e saía adiante. As velas já não
<br>tinham nenhuma serventia. Encharcadas, eram apenas empecilho para que
<br>o veleiro permanecesse à tona.
<br>Alguns dos homens que apreciavam essa luta desigual apostavam entre
<br>si que o barco logo soçobraria. Era como a batalha da formiga contra
<br>o elefante que teimava em pisar, diariamente, o formigueiro.
<br>
<br>Uma onda mais forte e maior que as demais, por fim, fez o barco virar
<br>e encher-se de água, iniciando seu naufrágio conforme previsto por
<br>aqueles que apostaram neste resultado.
<br>
<br>Um dos homens atirou-se ao lago e nadou em direção ao Karina II.
<br>
<br>Após algumas braçadas, alcançou a embarcação. A pegou por um dos
<br>mastros e ao verificar que ali não era tão fundo, ficou de pé e,
<br>levantando o barco pelo casco, o emborcou para retirar toda a água do
<br>seu interior e, com ele numa das mãos, retornou andando para a margem,
<br>onde os amigos o esperavam. Ouviram-se gritos de vivas, aplausos e o
<br>recém-chegado, sorrindo, exclamou:
<br>
<br>- Levei quatro meses para fazer esta réplica e não iria perdê-la
<br>assim tão fácil!
<br>
<br>FIMLUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-18215869045946187692012-09-06T09:22:00.001-03:002012-09-06T09:22:04.604-03:00Pegadas de SangueEram quase onze horas da manhã quando o telefone da delegacia tocou.
<br>Ao atendê-lo, Dick desejou que fosse a comunicação de um crime para
<br>colocar um pouco de movimento naquele dia monótono.
<br>Era sua esposa. Ele desligou o telefone, avisou aos colegas que
<br>precisava ir em casa e saiu apressadamente.
<br>
<br>Quando o policial chego à cozinha de sua casa, a cena que viu não era
<br>a que esperava ver no dia do seu aniversário.
<br>Havia sangue pelo chão que ia até a porta dos fundos, bem como nas
<br>paredes e no azulejo da pia, sobre a qual repousava uma peixeira ainda
<br>com a lâmina suja de sangue.
<br>O fogão estava quente, comprovando que fora usado há pouco e havia uma
<br>panela sobre uma das grelhas com cerca de um litro de sangue dentro.
<br>
<br>Dick, acostumado com cenas semelhantes, apenas pegou o celular e ligou
<br>para a delegacia, enquanto observava que as pegadas no sangue tinham o
<br>tamanho do pé de sua esposa.
<br>Em questão de minutos uma viatura parou diante de sua casa e dela
<br>desceram o delegado, o perito, o escrivão e um policial.
<br>
<br>- Dick, Dick - gritou o delegado -, onde você está?
<br>
<br>- No quintal, Doutor Baretta! Entrem! - gritou Dick em resposta.
<br>
<br>Os policiais entraram na casa e passaram pela cozinha, deixando no chão
<br>mais algumas pegadas de sangue e saíram no quintal, sem demonstrarem
<br>em seus semblantes os sentimentos que iam em seus corações, afinal,
<br>cenas com sangue são comuns na rotina de um policial.
<br>
<br>Os quatro policiais aproximaram-se do regato que cortava o quintal da
<br>casa do amigo e, surpresos, o viram agachado junto à esposa, com uma
<br>faca na mão, ajudando-a a depenar três galinhas que seriam o almoço
<br>daquele dia e para o qual Dick os convidara.
<br>
<br>- Oba! Hoje tem galinha ao molho pardo no almoço! - exclamou o perito.
<br>
<br>FIMLUÍS CAMPOShttp://www.blogger.com/profile/14862675149917883457noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-12609763079179832482009-12-04T11:03:00.001-03:002009-12-04T11:03:55.642-03:00Canto a um adeusLuís Campos (Blind Joker), <br /><br /> A gente conhece alguém<br /> pensa que é especial<br /> entrega-lhe a chave da porta<br /> e dá-lhe nossa liberdade!<br /><br /> Ela invade nosso quarto<br /> come nossa comida<br /> usa nosso sabonete<br /> mistura suas roupas às nossas<br /> e deixa seu cheiro em nosso corpo!<br /><br /> Um dia ela se vai...<br /><br /> Deixa nossa chave<br /> deixa seu cheiro<br /> sua voz, seu canto...<br /><br /> Mas não leva a saudade!<br /><br /> Nunca mais há de voltar<br /> pois a volta é dolorida<br /> os erros não serão esquecidos<br /> embora a mágoa seja contida!<br /><br /> Mas não percamos o calor<br /> a ternura da amizade<br /> a pureza no olhar<br /> a meiguice no tocar<br /> uma palavra de carinho<br /> desejando-lhe felicidade!<br /><br /> E a lágrima não contida<br /> desce até nossos lábios<br /> e alimenta nossa dor!<br /><br /><br /> FIMLuís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-6437750123396040352009-10-14T15:21:00.002-03:002009-10-14T15:27:25.314-03:00Super Blind, em... Como tudo começou! (Série)
<br />Luís Campos (Blind Joker)
<br />
<br />Super Blind, O Herói de Bengala.
<br />
<br />Mais inteligente que uma loura... mais ranzinza que uma sogra... mais veloz que o Rubinho... mais forte que o Maguila e mais cego que o Mister Magoo!
<br />
<br />
<br />Em um ano qualquer de um século idem, andando pelas ruas e ladeiras da Cidade de São Salvador da Bahia, acompanhado do seu fiel cão Morcego, um rapaz cego chamado Lui Macpos, percebeu que seu cão e escudeiro farejava algo em uma das esquinas do Pelourinho com a Baixa dos Sapateiros. Pelos latidos do seu cachorro, deveria ser algo muito estranho.
<br />
<br />O rapaz decidiu então abaixar-se para averiguar o que teria chamado a atenção de Morcego. Ao apalpar o chão,tocou numa terrina de barro com algumas coisas dentro. Levou a mão ao interior desta e foi descobrindo as coisas que haviam ali: charutos, farofa de dendê, uma garrafa de cachaça, velas, moedas e uma galinha (Que mais tarde soube que era preta, como manda a tradição dos ebós!). Não se espantou por encontrar um bozó naquela esquina, pois isso é coisa comum nesta terra de tantos Deuses e Santos! Percebeu, ao ouvir um fraco "có-có-có-có" que a galinha agonizava. O ceguinho apalpou a ave galinácea e notou que, no pescoço desta havia um corte, do qual corria um fio de sangue que em breve lhe tiraria a vida.
<br />
<br />Condoído com a situação da pobre ave, meteu uma das mãos sujas de sangue e azeite de dendê em um dos seus bolsos traseiros e, pegando seu lenço quadriculado, fez um torniquete logo abaixo do corte e assim o sangue imediatamente parou de correr. Pegou a galinha e a colocou debaixo do braço, levando-a para casa. No ônibus
<br />ouvia os cochichos e sabia que era sobre ele que comentavam, mas pouco se importou com isso... quem tem boca é pra falar!
<br />
<br />Ao passar pela rua em que morava, alguns gaiatos tiraram sarro com sua cara, entre risos dos demais:
<br />
<br />Gaiato 1 - Hoje vai ter canja, hein ceguinho! Hahhahahhahahha
<br />
<br />Gaiato 2 - Olha lá! O cego vai levar uma "galinha" pra comer em casa! Hahhahahhahahhah hahhahahhaha
<br />
<br />Gaiato 3 - Na certa, um dos dois está doente! Hahhahahhahahhahah
<br />
<br />Gaiato 4 - É que ele é goleiro do seu time e pegou este frango hoje! Hahhahahahhahahha hhahahahha
<br />
<br />Todos - Hahahaha hihihihihi kkk rê rê rê rê woo woo woo quá quá quá!
<br />
<br />Como Lui era um "boa praça" e levava a vida na esportiva, apenas sorriu com a brincadeira dos amigos e vizinhos. Assim que conseguiu encontrar a fechadura, meteu-lhe a chave e entrou em casa. Tirou a roupa e apenas de cueca (Para não constranger a galinha!) entrou no banheiro e deu um banho frio na ave, lavando cuidadosamente o ferimento no pescoço dela. Enxugou com carinho a bichinha e a colocou sobre a pia. Pôs água numa panela para ferver e foi até seu quarto.
<br />
<br />Quando a água ferveu, fez um café e bebeu!
<br />
<br />Pegou duas camisas velhas e preparou um ninho em um pequeno caixote, colocando neste a galinha. Voltou ao quarto e pegou a caixa de sapatos que serve de "farmacinha" para procurar um frasco que havia ali e ele sabia tratar-se de um poderoso ungüento que a Vovó Janaína lhe deixara como herança, dizendo-lhe ser uma poção milagrosa que a bisavó dela trouxera da África, ao ser capturada pelos guerreiros bantos e vendida a uns portugueses que vinham para as terras do Brasil.
<br />
<br />Por sete dias Lui tratou do ferimento e alimentou a ave no bico, dando-lhe, inclusive, papa de milho,"mingau de cachorro", rapadura ralada, mel e até água de coco. No décimo terceiro dia o corte do pescoço era apenas um sinal, pois cicatrizara completamente e ela já ousava sair do ninho.
<br />
<br />A ave recuperara a cor e andava pela casa atrás do seu benfeitor e a brincar com o Morcego, entre um cacarejo e outro.
<br />
<br />Uma noite de sexta-feira, num dia treze de agosto, lua cheia, céu estrelado, Lui acordou com uma voz feminina que chamava por ele:
<br />
<br />Voz - Acorde, Lui! Preciso falar contigo! Acorde!
<br />
<br />Apesar de nascer cego, naquele momento Lui tem certeza que enxergou muito bem as feições e o corpo daquela que o acordara.
<br />
<br />Era uma lindíssima mulher. Cabelos longos e lisos, olhos azuis, pele negra e um sorriso encantador! Ela lhe disse, pedindo que prestasse bastante atenção ao que ouviria, pois esta noite seria especial para ele e muito importante para a humanidade:
<br />
<br />Voz - Meu nome é Akilah Zhenga e sou uma deusa africana. Fui Rainha do meu povo e por causar inveja à Rainha de uma tribo inimiga, fui raptada por seus guerreiros e, enfeitiçada, fui transformada na galinha preta que você salvou a vida. Seguindo meu destino, fui trazida para a Bahia num navio negreiro e acabaria imolada naquele ebó se o destino não o colocasse em meu caminho! Agora, graças ao seu enorme coração, terei a oportunidade de continuar vivendo. Embora seja uma Deusa, só posso voltar a ter forma humana quando invocada por você!
<br />
<br />Lui - E se a invocar, poderemos conversar como agora?
<br />
<br />Akilah - Claro! Mas apenas você me verá, ninguém mais!
<br />
<br />Lui - Mas eu sou cego!
<br />
<br />Akilah - Nos momentos em que me invocar, enxergará não só a mim como tudo que esteja à sua volta, enquanto eu permanecer ao seu lado!
<br />
<br />Lui - Se tiver gente por perto, como vou falar com você?
<br />
<br />Akilah - Nós conversaremos e ninguém nos escutará... também não perceberão que você fala com alguém!
<br />
<br />Lui - Isso é maravilhoso, Akilah!
<br />
<br />Akilah - Prepare-se para o mais importante!
<br />
<br />Lui - Mais importante do que conversar contigo?
<br />
<br />Akilah - Sim, Lui! Mais importante pois você foi o escolhido para defender a Terra e os homens das suas mazelas e desgraças!
<br />
<br />Lui - E-eu? E como farei isso, Akilah?
<br />
<br />Akilah - Ao pronunciar a palavra mágica, "OEOXI" ( Pronuncia-se Oeochi), você se transformará em um superherói...
<br />
<br />Lui - Um Superherói cego? Hahhahahhahahahhaha!
<br />
<br />Akilah - Você nunca leu histórias em quadrinhos, meu rei?
<br />
<br />Lui - Não, amiga... eu nasci cego! Hahahhahahahhahahahhaha!
<br />
<br />Akilah - Bem, há o Demolidor, Doutor Meia-Noite, Doutora Meia-Noite e até o Takion, que já foi cego e recuperou a visão. Se procurarmos é possível que encontremos mais alguns superheróis cegos!
<br />
<br />Lui - Bem interessante!
<br />
<br />Akilah - E tem mais... eu o transportarei para viver suas aventuras, em nome da lei, da ordem e da justiça!
<br />
<br />Lui - É? E como fará isso?
<br />
<br />Akilah - Transformando-me numa galinha voadora gigante e você viajará montado sobre meu dorso!
<br />
<br />Lui - Tá ficando interessante! Hahhahhahahahhahahhha!
<br />
<br />Akilah - Quando você pronunciar a palavra mágica, eu me transformarei numa galinha gigante e você ganhará os poderes de alguns deuses africanos!
<br />
<br />Lui - Deuses africanos? Não sei nada sobre esses Deuses!
<br />
<br />Akilah - "OEOXI" são as iniciais desses Deuses: Oxalá, o Senhor da Criação e que defende a paz e a ordem;
<br />Exu, Senhor do Bem e do Mal. Está em todos os locais e fala todas as línguas. É a própria comunicação. É o Orixá da inteligência, do bom humor, dos amantes da vida e da boa mesa, das cores e odores...
<br />
<br />Lui - Esse aí tem muito a ver comigo! Hahhahahhahahahhah!
<br />
<br />Akilah - É mesmo, mas deixe-me continuar! O outro "O" é de Ogum, o Orixá da guerra, divindade que forja o ferro e o transforma em instrumento de luta. Protege os filhos das demandas e dos perigos do dia-a-dia;
<br />Xangô, o Orixá da justiça, corrige injustiças e protege contra as catástrofes. É autoritário, severo, líder, mandão, político e sempre se dá bem nos negócios. Nunca acha que está errado. O "I" é de Iansã, Senhora da Alegria e dos Ancestrais. Transporta os mortos do Ayê (Terra) e Orum (Céu), fazendo-os nascer numa outra
<br />vida. É o Orixá que protege contra os desastres e acidentes. Dá coragem e impulsividade a seu filho. Tem mais algumas coisas sobre esses Deuses, mas não interessam no momento!
<br />
<br />Lui - Como é que pode ser isto, Akilah?
<br />
<br />Akilah - Nunca duvide das forças do Universo, Lui!
<br />
<br />Lui - Mas eu não sei se quero isso, Akilah!
<br />
<br />Akilah - Você não pode fugir do seu destino, Lui! Você foi escolhido para ser o mais novo defensor dos fracos e oprimidos! Esta é sua missão a partir de hoje, Lui!
<br />
<br />Lui - Eu terei um uniforme como o daqueles superheróis dos Quadrinhos?
<br />
<br />Akilah - Claro! Ao pronunciar a palavra mágica, suas roupas se transformarão num uniforme de superherói!
<br />
<br />Lui - E como voltarei a ser eu mesmo?
<br />
<br />Akilah - Acabada a missão, você novamente pronuncia a palavra mágica e reaparecerá no lugar onde estava antes, vestido com suas roupas!
<br />
<br />Lui - Caramba!
<br />
<br />Akilah - Só falta uma coisa para que eu possa, desta vez, ir embora!
<br />
<br />Lui - Que coisa é essa?
<br />
<br />Akilah - Escolher o nome desse superherói! Alguma sugestão?
<br />
<br />Lui - Que tal, "Capitão Braille"?
<br />
<br />Akilah - Já tem "Capitão" demais nas Histórias em Quadrinhos!
<br />
<br />Lui - Humm! Super... super Braille?
<br />
<br />Akilah - Não gostei, embora fosse uma linda homenagem ao Louis Braille, né?
<br />
<br />Lui - É... tá ficando difícil!
<br />
<br />Akilah - Posso dar um pitaco?
<br />
<br />Lui - Claro, minha Deusa!
<br />
<br />Akilah - Que tal... Super Blind?
<br />
<br />Lui - "Super Blind"? Que diabos é "Blind"?
<br />
<br />Akilah - Ora, ora, Lui! Blind quer dizer, "cego", em inglês!
<br />
<br />Lui - Ah, é? Acho que fica porreta!
<br />
<br />Akilah - Porreta? Que é isso?
<br />
<br />Lui - Porreta quer dizer bacana, legal, ótimo, perfeito... aqui na Bahia, Akilah!
<br />
<br />Akilah - Ah! Bem, Lui... tenho que ir!
<br />
<br />Lui - Não se vá! Ainda é cedo! Fique mais um pouco!
<br />
<br />Akilah - Hoje não posso, mas sempre que chamar por mim, eu aparecerei! Basta chamar meu nome completo, "Akilah Zhenga"!
<br />
<br />Lui - Está bem! Até mais, Akilah!
<br />
<br />Akilah - Até mais, Lui... e não esqueça... você agora é o Super Blind e deve atender a todo grito de socorro!
<br />
<br />Lui - Se esse é meu dever e missão, estou pronto!
<br />
<br />Akilah - Fui!
<br />
<br />Da mesma forma que apareceu, Akilah sumiu na noite! Lui ficou ainda um tempo acordado, mas foi vencido pelo sono.
<br />
<br />E assim nasceu o Super Blind, o herói de bengala!
<br />
<br />FIMLuís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-13328837749371500842009-10-14T15:16:00.001-03:002009-10-14T15:27:25.319-03:00Super Blind, em... De cego e de louco, todos nós temos um pouco! (Série)
<br />Luís Campos (Blind Joker)
<br />Super Blind, O Herói de Bengala.
<br />
<br />Mais inteligente que uma loura... mais ranzinza que uma sogra... mais veloz que o Rubinho... mais forte que o Maguila e mais cego que o Mister Magoo!
<br />
<br />
<br />Narrador - Ao sol do meio-dia, numa praça qualquer de uma dessas lindas cidades deste maravilhoso País, uma multidão de curiosos cerca um poste de iluminação pública cujas luzes estão acesas, olhando para um cara que, sentado na parte superior do poste, ameaça:
<br />
<br />Maluco - Vou me jogar! Eu sou um passarinho! Quero voar!
<br />
<br />Narrador - A turba enfurecida grita:
<br />
<br />Turba Enfurecida - Se joga!... Se joga!... Se joga!...
<br />
<br />Narrador - No entanto, a voz fraca de uma alma bondosa, fã daqueles programas do "Chaves", sobrepõe-se às demais:
<br />
<br />Alma Bondosa - Quem poderá nos ajudar?
<br />
<br />Narrador - Neste momento, uma grande sombra projeta-se sobre a praça. Os curiosos, que não ouviram a televisão falar em eclipse para aquele dia, amedrontados, olham para cima e alguns exclamam:
<br />
<br />Curioso Bobo 1 - Será um avião?
<br />
<br />Curioso Bobo 2 - Será um cometa?
<br />
<br />Curioso Bobo 3 - Será um urubu gigante?
<br />
<br />Curioso Bobo 4 - Será o Benedito?
<br />
<br />Curioso Atento - Não! É uma grande galinha preta voadora!
<br />
<br />Curioso mais Atento Ainda - E tem um cara de óculos escuros montado no dorso da bicha!
<br />
<br />Narrador - Ao perceberem que a ave com seu ilustre passageiro sobre o dorso irá pousar, afastam-se deixando um espaço numa das áreas gramadas da praça que acabaram de pisotear, apesar da pequena placa que dizia, "Não pise na grama, imbecil!". Assim que a ave pousou, os curiosos exclamaram em coro:
<br />
<br />Coro dos Curiosos - Ooooh! Quem diabos são vocês?
<br />
<br />Narrador - A grande galinha preta soltou um "có-có-ri-có" compatível com seu tamanho e seu ilustre passageiro, até agora desconhecido por estas paragens, disse-lhes sorrindo:
<br />
<br />Super Blind - Eu sou o Super Blind e, a partir de hoje, estarei sempre alerta contra as desigualdades sociais, estradas esburacadas, jogos bancados pelo governo, mensalões, companhias telefônicas, seguradoras e de saúde privada, senhas e filas do INSS, o péssimo atendimento do SUS, convocações extraordinárias imorais
<br />do Congresso, marmeladas e falcatruas políticas e a bandidagem em geral!
<br />
<br />Coro dos Curiosos - Fiuiiiiii uuuuuuuuuuuuu fiuiiiiiiiiii uuuuuuuuu plac plac plac plac plac plac
<br />
<br />Super Blind - Obrigado, obrigado! Em caso de perigo é só me chamar!
<br />
<br />Narrador - Neste momento, uma voz feminina (Só podia ser!) eleva-se, exclamando:
<br />
<br />Curiosa - E como faremos isso, Seu Super Blind?
<br />
<br />Super Blind - Apenas gritem meu nome e onde eu estiver, ouvirei o chamado!
<br />
<br />A Mesma Curiosa - Por falar nisso, Seu Super Blind... E o cara que está ali no poste?
<br />
<br />Coro de Curiosos - Oooooh!
<br />
<br />Super Blind - É mesmo! Havia esquecido do sujeito! Vou até lá!
<br />
<br />Narrador - O Super Blind pegou sua "BU" (Bengala de Utilidades), armou e, batendo com ela no chão, dirigiu-se ao local que pensava estar o carinha em perigo.
<br />
<br />Coro de Curiosos - Ooooh! Ele é cego!
<br />
<br />Um Curioso Politicamente Correto - Cego não... Deficiente visual!
<br />
<br />Um Curioso Caridoso - Oh! Super Blind, você está indo para o lado errado! Deixe-me ajudá-lo!
<br />
<br />Super Blind - Obrigado meu caro curioso... Ainda não aprendi a lidar com meus superpoderes! Deixe-me segurar em seu braço!
<br />
<br />Curioso, Curioso - Assim você se sente mais seguro, Super Blind?
<br />
<br />Super Blind - Todo Deficiente Visual se sente mais seguro pegando no braço ou no ombro de quem o guia. Nada de tentar segurar o cego!
<br />
<br />Curioso - É... Tem lógica!
<br />
<br />Narrador - O Curioso então conduziu o Super Blind até o poste sobre o qual estava o louco. Assim que o Super Blind soube que estava junto ao citado poste, olhou para cima (Pra ver o quê?!) e, tirando uma gilete da sua "Bengala de Utilidades", mostrou-a ao doido e gritou-lhe com sua voz potente, porém ameaçadora:
<br />
<br />Super Blind - Se você não descer imediatamente, eu corto esse poste!
<br />
<br />Narrador - O maluco ao ver a gilete na mão do Super Blind, gritou de volta:
<br />
<br />Maluco - Nãooooo! E - eu só estava querendo voar, seu moço! Por favor, não corte o poste... Já estou descendo!
<br />
<br />Narrador - Assim que o cara pisou no chão, a multidão de curiosos explodiu em apupos, palmas e gritos de alegria:
<br />
<br />Coro de Curiosos - Fiuiiiiii uuuuuuuu fiuiiiiiii uuuuuu fiuiiiiii uuuuuu plac plac plac plac plac viva viva viva Salve o Super Blind! Salve! Salve! Salve!
<br />
<br />Um Curioso Desatento - M-mas ele está em perigo?
<br />
<br />Um Curioso que estava ao Lado desse Aí - Deixa de ser besta, homem!
<br />
<br />Narrador - Assim que o maluco desceu, uma viatura policial parou e desta desceram três "meganhas" que foram distribuindo borrachadas entre a multidão de curiosos e, com algumas bicudas e sopapos, pegaram o maluco pelo pescoço e o jogaram na mala da viatura. Com a sirene gritando "uôn uôn uôn uôn", saíram em disparada.
<br />Alguns curiosos espertos, evadiram-se do local assim que viram a viatura parar na praça... Quem ficou, apanhou! Mas, entre mortos e feridos, salvaram-se todos! Nosso Super herói, que, apesar de super não é bobo, escondeu-se atrás do poste até que acabasse a confusão e agora, despedia-se da multidão:
<br />
<br />Super Blind - Missão cumprida! Vou em busca de novas aventuras! Alguém, em algum lugar, poderá precisar dos meus préstimos!
<br />
<br />Curiosa Loura - Préstimos? O que será isso?
<br />
<br />Coro da Multidão - Valeu meu rei! Fiuiiiiii uuuuuuuu fiuiiiiiii plac plac plac plac plac
<br />
<br />Narrador - Então, guiado pelo mesmo cara de antes, Super Blind foi levado até onde estava Akilah, sua companheira de aventuras e, montando em seu dorso, saudou a todos:
<br />
<br />Super Blind - Eu vou, mas deixo um aviso à rapaziada que gosta de mutreta: Super Blind está de olho em vocês... Cuidado comigo!
<br />
<br />Narrador - Dizendo isso, Super Blind falou para Akilah:
<br />
<br />Super Blind - Aiôôôô, Akilah... Para cima!
<br />Narrador - Então Akilah levantou vôo e logo ambos desapareceram no céu!
<br />
<br />FIM
<br />Luís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-36935238769511200052009-10-14T15:14:00.001-03:002009-10-14T15:27:25.323-03:00Super Blind em... Eta Vidinha Difícil! (Série)
<br />Luís Campos (Blind Joker)
<br />
<br />Super Blind, O Herói de Bengala.
<br />
<br />Mais inteligente que uma loura... mais ranzinza que uma sogra... mais veloz que o Rubinho... mais forte que o Maguila e mais cego que o Mister Magoo!
<br />
<br />
<br />Narrador - Lui Macpos, após seu desjejum, como habitual, fazia seu "pumpuzinho" lendo uma revistinha do "Blind Kid, o herói do Agreste", seu cowboy predileto, com o short arriado até o pé. Assim que o "barro" caiu, o fedor impregnou o ar, causando prejuízo à camada de ozônio. Nem o Lui agüentou:
<br />
<br />Lui - Zorra! Tô podre!
<br />
<br />Narrador - De repente, seu ouvido ultra-sônico captou uma voz feminina pedindo socorro. Como todo super-herói que se preza, disse a palavra mágica:
<br />
<br />Lui - Oeoxi!
<br />
<br />Narrador - Imediatamente transformou-se no audaz Super Blind e, saindo ao quintal de casa, montou em Akilah que já o esperava, também transformada numa imensa galinha voadora. Morcego, o cachorro de Lui, nestas horas, esconde-se sob a cama e fica uivando!
<br />
<br />Super Blind - Aiôôôô, Akilah... Para cima!
<br />
<br />Narrador - Akilah, com nosso super-herói sobre seu dorso, alçou vôo e ganhou as alturas. Voaram com a velocidade do Schumaker, pois se voassem com a do Rubinho, quando chegassem ao seu destino, certamente não salvariam ninguém... Como nas histórias em quadrinhos, no quadro seguinte, digo, no segundo seguinte, estavam no local de onde vira o chamado. Akilah pousou num grande pomar e o Super Blind desceu das suas costas perguntando:
<br />
<br />Super Blind - Quem precisa dos meus préstimos?
<br />
<br />Narrador - Uma voz meiga e dengosa respondeu-lhe:
<br />
<br />Voz Meiga e Dengosa - Fui eu quem o chamou, Super Blind!
<br />
<br />Super Blind - Em que posso ajudá-la, doce pequena?
<br />
<br />Doce Pequena - M-meu gatinho, Super Blind!
<br />
<br />Super Blind - Seu gatinho? O que houve com seu gatinho, donzela?
<br />
<br />Donzela - Ele subiu naquela árvore e não sabe como descer!
<br />
<br />Super Blind - E por que você não subiu na árvore para tirá-lo de lá, belezura?
<br />
<br />Belezura - É que papai diz que pode ser perigoso!
<br />
<br />Super Blind - Hum! Tudo bem! Deixe comigo, boneca!
<br />
<br />Boneca - Você vai salvá-lo, não vai, Super Blind?
<br />
<br />Super Blind - Claro! Mas preciso de sua ajuda, minha linda!
<br />
<br />Linda do Super Blind - É só dizer o que tenho que fazer, Super Blind!
<br />
<br />Super Blind - Leve-me até a árvore onde está o gatinho, fofa!
<br />
<br />Narrador - Fofa, segurando o Super Blind pelo braço, venha!
<br />
<br />Super Blind - Por favor, deixe que eu seguro em seu ombro, garota!
<br />
<br />Garota - Está bem, Super Blind!
<br />
<br />Narrador - O Super Blind foi conduzido até o tronco da árvore que o gatinho havia subido. Durante o trajeto percebeu que a moça tinha o ombro "forrado", isto é, não era daqueles que são "osso-puro", o que lhe dava a certeza que a menina era gordinha. Assim que chegou, subiu pelo tronco e, guiando-se pelos miados do
<br />bichano, alcançou o galho no qual estava o animalzinho. Segurou-o delicadamente, mas não tanto, pois super-herói não pode se dar a esses luxos, o enrolou em sua capa e desceu da árvore. Ao chegar embaixo, a moça o abraçou, deu-lhe um beijinho no rosto e suspirou:
<br />
<br />Moça - Obrigado, meu herói!
<br />
<br />Super Blind - De nada, mocinha... Super-herói é pra essas coisas mesmo!
<br />
<br />Narrador - Nosso herói desembrulhou o gato da sua capa vermelha e o entregou à mocinha.
<br />
<br />Mocinha - Oh, meu gatinho! Como posso retribuir-lhe o favorzinho, Super Blind?
<br />
<br />Super Blind - Deixando-me usar o sanitário, dona!
<br />
<br />Dona - Tá assim precisado?
<br />
<br />Super Blind - É que ontem comi um caruru na barraca da Filó e ela abusou da castanha, querida!
<br />
<br />Querida - Eu entendo! Venha, pegue em meu ombro que vou guiá-lo até o banheiro!
<br />
<br />Narrador - Super Blind novamente segurou naquele ombro de seda. Ao chegarem ao WC, a moça abriu a porta,
<br />acendeu a luz e disse ao nosso herói:
<br />
<br />Moça - À esquerda está a pia e após esta o vaso! Fique à vontade! Vou fazer um chá de banana verde pra você!
<br />
<br />Narrador - Super Blind trancou a porta e disse a palavra mágica, voltando a ser o Lui Macpos e encontrar-se
<br />na mesma situação em que estava antes de atender ao pedido de socorro da garota... Até a revistinha do Blind Kid reapareceu em sua mão. Procurou onde ficava o papel higiênico e descobriu que este estava à direita do vaso... de quem senta! Meia hora depois, aliviado, Lui pronunciou a palavra mágica e voltou a ser o Super Blind e foi cuidar da higiene pós-pumpum! Achou a torneira, lavou as mãos, procurou a toalha, enxugou as mãos no traje, ajeitou os óculos escuros, abriu a porta e... o fedor tomou conta da casa! Seu superolfato não o enganara... Estava podre mesmo! Deu um tempo e chamou a menina:
<br />
<br />Super Blind - Menina! Menina!
<br />
<br />Narrador - A moça chegou ao seu lado, prendeu a respiração, apagou a luz do banheiro e disse-lhe:
<br />
<br />Menina - Venha, Super Blind! O chá já está pronto e vai segurar seu intestino!
<br />
<br />Super Blind - Que bom! Dor de barriga em super-herói não está em nenhum gibi! Ahahahahahahahahah!
<br />
<br />Menina - É verdade!... Nem nos desenhos animados! Hahahahhahahah!
<br />
<br />Narrador - E assim, sorrindo, a mocinha o conduziu até uma mesa e colocou a mão do Super Blind no espaldar de uma cadeira. Ele sentou, puxando a cadeira mais para frente e tateou com cuidado a mesa até encontrar a xícara. O chá cheirava a cravo e banana e tinha um sabor agradável! Super Blind, espertamente curioso, disse:
<br />
<br />Super Blind - Muito obrigado, Senhorita...
<br />
<br />Senhorita - Lara Mara!
<br />
<br />Super Blind - Que interessante!
<br />
<br />Lara Mara - O que achou interessante em meu nome?
<br />
<br />Super Blind - A coincidência!
<br />
<br />Lara - Que coincidência? Não entendi!
<br />
<br />Super Blind - É que tenho um amigo chamado Lui Macpos, entendeu agora?
<br />
<br />Lara - Claro! A coincidência das iniciais do meu nome e do dele, né?
<br />
<br />Super Blind - Já vi que você não é loura! Ahahahahah!
<br />
<br />Lara - Pior é que sou... E legítima! Hahahhahahhaha!
<br />
<br />Super Blind - Eu estou só brincando... nada contra as louras... nem morenas... nem negras!
<br />
<br />Lara - Eu sei! Eu também, só de sacanagem, brinco com as louras! Hahhahahhahahha!
<br />
<br />Super Blind - Ahahahahhahahhahah! Lara, o papo está ótimo, mas tenho que ir... O dever me chama!
<br />
<br />Lara - É cedo! Tome mais uma xícara de chá! Vai lhe fazer bem!
<br />
<br />Super Blind - Já que você insiste e a companhia é agradável, tomarei mais uma xícara!
<br />
<br />Lara - Que bom, quero dizer, obrigada!
<br />
<br />Super Blind - Assim que acabar irei embora!
<br />
<br />Lara - E quando o verei de novo?
<br />
<br />Super Blind - Quando precisar de mim é só chamar!
<br />
<br />Lara - Farei isto! Tomara que o Pipo suba novamente numa árvore! Hahahhahahhahah!
<br />
<br />Super Blind - Ahahahahahah! Você esqueceu uma coisinha!
<br />
<br />Lara - Que coisinha?
<br />
<br />Super Blind - "Gato escaldado tem medo de água fria!" Ahahahahaha!
<br />
<br />Lara - É mesmo! Hahhahahhahhaha!
<br />
<br />Super Blind - Bem, vamos lá!
<br />
<br />Narrador - Lara Mara colocou-se diante do Super Blind que segurou em seu ombro e foi levado ao quintal aonde AKilah o esperava. Akilah abaixou-se e nosso herói subiu em suas costas.
<br />
<br />Super Blind - Que bairro é este, Lara Mara?
<br />
<br />Lara - Nós estamos em Itapuan... Perto da Lagoa do Abaeté!
<br />
<br />Super Blind - Certo! Até mais ver, Lara... Foi um prazer conhecê-la!
<br />
<br />Lara - O prazer foi meu, Super Blind... Espero revê-lo breve! Até outro dia e grata pela força!
<br />
<br />Super Blind - Aiôôôô, Akilah... Para cima!
<br />
<br />Narrador - Lara Mara ficou olhando o Super Blind e sua galinha gigante voadora sobrevoar os coqueiros de
<br />Itapuan, até que desaparecessem na linha do horizonte!
<br />
<br />FIM
<br />Luís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-72524070264047848522009-10-13T20:50:00.001-03:002009-10-13T20:56:45.361-03:00Minhas Férias em Nazaré - Parte I (Crônica)Luís Campos (Blind Joker)
<br />
<br />As reminiscências da Odetinha e do seu irmão me fizeram lembrar as férias que passava em Nazaré das Farinhas, cidade do recôncavo baiano, na qual nasci, mas morei apenas uns dois anos, pois vim ainda pequeno com meus familiares residir em Salvador.
<br />
<br />As viagens, das quais lembro claramente, já eram uma "viagem". Elascomeçaram, salvo engano, quando eu tinha uns cinco anos. Como meu pai era funcionário público, alguns dos meus irmãos mais velhos nasceram em cidades do interior da Bahia. Nesta época, embora toda a família residisse em Salvador, meu pai viajava semanalmente a Nazaré, onde além de trabalhar, era vereador. Lembro que ele ia para lá na segunda ou terça, retornando na sexta ou no sábado e isso até 1965, quando aposentou-se e ficou definitivamente em casa.
<br />
<br />Em Nazaré eu ficava na casa de Vanda, minha madrinha, ou na casa de Leonor, uma afilhada dos meus pais. As duas disputavam quem iria me hospedar: eu devia ser umagraça, né? (Risos)
<br />
<br />Das gratas recordações que tenho destes dias em Nazaré das Farinhas, estão as fériaspassadas na casa de Leonor. Nós dormíamos no sótão. Era muito legal ficar lá de cima olhando para a cidade cortada pelo Rio Jaguaripe, tanto de dia, quanto pela noite. Lá de cima eu via a Ponte da Conceição e a da Muritiba que ligavam os dois lados da cidade. Eu ficava fascinado com a passagem dos poucos carros, das carroças, dos aguadeiros, dos cavaleiros e amazonas, dos burros e jegues com seus "panacuns ou caçuás" cheios de cargas diversas, de gente andando pra lá e pra cá e, o mais gostoso, a chegada e a partida do trem, com seu apito estridente e inesquecível.
<br />
<br />Lembro de haver presenciado uma das enchentes do Rio Jaguaripe e de ter gostado de ver a agitação que tomou conta dos habitantes locais. Naquela idade não tinhanoção dos prejuízos causados por uma cheia, tudo é festa. As águas revoltas traziam galhos, pequenas árvores, animais mortos, móveis e outras tralhas que não lembro. Quando o rio baixava os moradores faziam a limpeza da lama que o rio deixara nas casas, ruas e calçadas às margens deste. Para mim, sendo criança, era um espetáculo.
<br />
<br />Além dessa "diversão", quase todas as tardes subia um morro de barro que ficava numa rua atrás da casa de Leonor para descê-lo sentado sobre uma pequena tábua. Eu chegava em casa com o short da cor de barro. Outra maravilha eram os pirulitos de caramelo que a mãe de Leonor fazia, chamados de "chorêtes".Quando a calda do caramelo estava "no ponto", era despejada em duas formas de chumbo que eram prensadas para dar os formatos que se queria: boneco, porco, chupeta, elefante, flor, corneta, coelho, cachimbo, rinoceronte... e outros que não lembro. Os sabores também variavam: laranja, morango, goiaba e jenipapo.Depois de "duros", eram passados no açúcar cristal. Lembro das deliciosas cocadas de goiaba e coco; das balas de jenipapo e goiaba; das rapaduras com coco e das bolachinhas de goma. Haja apetite... e olho grande.Quase toda a "produção" ia para as "vendas" (denominação dada aos pequenos armazéns nesta época).
<br />
<br />Tinha também as brincadeiras noturnas: tubarão (dono do passeio); roda (ciranda); pega-pega; chicotinho queimado; batalhão... entre tantas cuja idade faz esquecer.
<br />
<br />Vez por outra me armava de uma vara fininha e dizia que ia pescar no Jaguaripe que passava defronte da casa de Leonor e, nesta parte, era bem raso. Nunca pesquei nada,apenas alimentava os peixes com as minhocas. Mas lembro que eu mesmo fazia o anzol com um alfinete que Dona Lourdes me dava. Nestas ocasiões eu aproveitava para, "sem querer", molhar-me bastante, sendo "obrigado" a tomar um banho nas águas mornas do rio. Mas a culpa era dos peixinhos que, "ao pularem na água", me molhavam. Leonor apenas sorria e me levava pro banho.
<br />
<br />Também gostava de ir à feira com ela: comia um monte de guloseimas que ela comprava pra mim. Perto da casa dela havia uma quadra com algumas "vendas" e eu ia pracomprar besteiras com as moedas que ela me dava. Um dos seus irmãos fazia pequenos caminhões de madeira que eram muito bacanas de brincar, pois tinham um varão que saía da carroceria, logo atrás da cabine e tinha um pequeno volante que comandava o eixo dianteiro permitindo as manobras e curvas. Eu sempre estava "viajando"pelas estradas deste nosso rincão, carregado de pedras que "eram" mercadorias diversas, isto é, açúcar, farinha, fumo, café, dendê e "algodão".
<br />
<br />Minha madrinha Vanda residia do outro lado do rio, no bairro do Batatan.Ela era solteira e morava com a mãe, Dona Zozó, uma tia, Dedé, e duas irmãs, Alaíde e Zozó. Quando estava em sua casa, as brincadeiras eram um pouco diferentes daquelas que brincava quando ficava com Leonor.
<br />
<br />O quintal era grande e comprido e tinha muitas árvores, principalmente o fruta-pão. Como o tronco deste dividia-se em vários outros, deixando um espaço entre estes, eu brincava ali de maquinista e no meu "trem" imaginava longas viagens pelo interior daBahia. Algumas vezes virava padeiro, fazendo do fruta-pão ainda por formar-se (é comprido, fino e amarelo, antes de virar aquela "bola") de pão. Abria este "pão" e colocava "manteiga" (polpa de fruta-pão podre) e colocava à venda para meus fregueses imaginários, pois sempre brincava sozinho. Suas grandes folhasverde-escuro serviam como dinheiro. Areia era farinha ou açúcar, tijolo em pó virava coloral, pequenos galhos faziam às vezes de carne, outras de aipim. Eu era "dono do negócio" e freguês, ao mesmo tempo. Tudo era mágico para minha fértil e infantil criatividade.
<br />
<br />Também pescava camarão num pequeno rio que desaguava no Jaguaripe e passava nos fundos da casa de Zozó, uma das irmãs de minha madrinha que havia casado. Metendo a mão por baixo das pedras conseguia pegar uma meia dúzia de pequenos camarões e levava pra minha madrinha fazer uma "moqueca"... e ela fazia! (Risos)
<br />
<br />Este mesmo rio , ali perto, mas onde não havia casas, era largo e tinha um local chamado de "Louro", onde os homens tomavam banho nus.Um pouco mais adiante era o "poço das moças"... e eu e alguns amiguinhos sempre íamos, escondidos pela folhagem, dar uma espiadinha. Infelizmente a maioria das mulheres banhavam-se de calcinhas.
<br />
<br />De vez em quando passava uma boiada na frente da casa de minha madrinha. Era um tal de correr gente pra dentro das vendas. Eu ficava na alta janela da casa pra ver osbois passarem, nem sempre obedecendo o aboio dos vaqueiros e ameaçando entrar nas vendas, sendo enxotados pelos fregueses.
<br />
<br />Os trilhos da ferrovia passavam bem no meio da rua que ela morava e todos os dias o trem vinha de Jequié pela madrugada e retornava ao meio-dia.Era curioso ver o trem passar na frente da casa, todos os dias, puxado por uma locomotiva e uma outra atrás ajudando a empurrar os vagões. Dizem que era porque uma só não agüentaria puxá-los ao subir uma ladeira que havia no Onha, um dos distritos de Nazaré.
<br />
<br />Em Nazaré ficava uma das oficinas de manutenção dos trens e eu gostava de olhar aquele monte de rodas, locomotivas e vagões "aposentados", pedaços de trilho,dormentes e os troles (um retângulo de madeira montado sobre rodas de trem e que era movido pelos homens que iam neles e serviam para realizar pequenos consertos na ferrovia). Perto da dali ficavam a fábrica de dendê e a de tecido. Mais uma festa para meus olhos.
<br />
<br />Ao lado da casa de minha madrinha havia uma grande igreja, a qual, para mim, tinha aspecto fantasmagórico. Eu ficava com medo dos "imensos" morcegos que toda noite saíam e entravam em suas torres.
<br />Quando eu urinava na cama e ela me perguntava se fizera isto,dizia-lhe que fora a chuva... como chovia em Nazaré! (Risos)
<br />
<br />A tia dela, Dona Dedé, fazia bolachinhas de goma para vender. Eram assadas num enorme fogão a lenha, em grandes bandejas quadradas. Antes mesmo que asbolachinhas fossem ao forno, eu "roubava" algumas e fugia para comer no quintal. Dona Dedé nunca reclamou comigo e ainda me dava algumas já assadas. Doces lembranças!
<br />
<br />Alaíde me levava pra escola que ela ensinava e que distava uma légua de sua casa. Lá, enquanto ela dava aula, eu brincava nos arredores da escola, subindo em árvores e comendo ingá. Mas, vez por outra "assistia" às aulas... nunca obrigado.
<br />
<br />Muitas vezes, com alguns amigos, acompanhava os aguadeiros até afonte de "água de beber" e os ajudávamos a encher os barris para ganharmos uma "voltinha" no jegue. Além desta folia, a gente subia nos pés de cajus para pegarmos alguns. Na volta eu passava numa espécie de garagem e o senhor que guardava enormes vasilhames de bronze com garapa de cana para fazer cachaça e rapadura, me dava um pouco para levar pra casa e que eu comia com farinha. Uma delícia!
<br />
<br />Outro divertimento era andar equilibrando-se sobre um dos trilhos ou então pulando de dormente em dormente. Ver carros de boi, carroças, burros de carga, gente grande e pequena, os aguadeiros e o trem passar, era uma alegria para meus olhos de criança. Ainda lembro os nomes de alguns bairros de minha cidade natal: Cortume, Muritiba, Morugus,Apaga-Fogo, camamu, Cidade Palha, Batatan, Conceição, Pasto da Serra, Volta do Tanque, Caminho dos Remédios, Catiara, Alto do São José, Ladeira Grande e Centro. Algumas vezes ia com minha madrinha ao "Remédio" para tomar banho no rio Jaguaripe. O local era cheio de pedras, o que contribuía para que a diversão fosse mais gostosa e lúdica.
<br />
<br />Lembro de haver participado de umas duas procissões de São Roque e Nossa Senhora da Purificação de Nazaré, nas quais, para acompanhar os cânticos e louvores do povo, contava-se com os músicos da Filarmônica Erato Nazarena.
<br />Também comprava muitas miniaturas na famosa Feira de Caxixis que acontece durante a Semana Santa, sendo a maior atração turística da Cidade nesta época e é "armada" na frente do tradicional Mercado dos Arcos (onde se vendia todo tipo de farinha ede tapioca) e na margem do Rio, próximo da Ponte da Muritiba.
<br />
<br />Logo em seguida vem a Micareta (espécie de carnaval fora de época) que começa no Sábado de Aleluia e dura três dias.
<br />
<br />Não poderia terminar esta crônica sem convidá-los a visitar esta cidade histórica para conhecer seus casarões coloniais, suas igrejas centenárias e suas travessas e becos de casas desalinhadas como se fazia no século XIX. Não esqueça de visitar o monumento "Jesus de Nazaré" e o santuário que fica abaixo deste com suas esculturas feitas em barro, lembrando a via sacra e ornando o caminho que conduz ao Cristo. Também é em Nazaré que está o Cinema Rio Branco, um dos mais antigos cinemas da América Latina, ainda em funcionamento, que foi comprado e reformado pelo jogador nazareno, Vampeta.
<br />
<br />Nazaré também é pródiga nas artes e na literatura, mas isto é tema para uma futura crônica.
<br />Continua...
<br />
<br />Luís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-76401511262307545292009-10-13T20:44:00.005-03:002009-10-13T21:12:28.957-03:00Minhas Férias em Nazaré - Parte II (Crônica)Luís Campos (Blind Joker)<br /><br />Hoje falarei da viagem a Nazaré que, além de lúdica, era deslumbrante para os meus cinco anos.<br /><br />Sempre fazia esta viagem com meu pai. De marinete (jardineira, em alguns lugares), apelido aqui na Bahia e talvez no Brasil, entre as décadas de 50 e a de 60, daqueles ônibus com a frente de caminhão e íamos até a Baiana (como era chamada a estação marítima da Companhia Baiana de Navegação). Ali, embarcávamos num navio a vapor (lembro dos pequenos "João das Botas e do Mascote, depois substituídos pelos navios Itaparica e Maragojipe, maiores e mais modernos), hoje sucateados. Nem sei se ainda resta alguma coisa deles.<br /><br />Diariamente um destes fazia o trajeto entre Salvador e o porto de São Roque, indo pela manhã bem cedo e retornando com o povo que o trem trazia desde Jequié. São Roque era o porto final para quem, indo de Salvador, tinha como destino as cidades cortadas pelos trilhos da "Estrada de Ferro de Nazaré", cujo ponto final era Jequié. Esta ferrovia teve seu primeiro trecho inaugurado em 1871 e estendida de Nazaré a São<br />Roque em 1875, sendo o principal meio de transporte da produção daqueles municípios, bem como de sua gente.<br /><br />Durante a travessia o navio parava no meio do mar, em um lugar do qual não recordo o nome, para que algumas pessoas saltassem e outras embarcassem. Deste povoado à beira-mar, vinha uma canoa, encostava no navio e estas operações eram realizadas. Quando esta estava a uma distância segura, o navio continuava sua viagem.<br />Muitos passageiros postavam-se na balaustrada do convés para verem essa curiosa operação. Creio que este povoado era na Ilha de Itaparica, bem como um local que era chamado de "Loca da Sereia", do qual se dizia haver sereias que encantavam os marinheiros e os levava para o fundo do mar. Eu ficava apavorado cada vez que o navio passava por ali.<br /><br />Acho que a viagem durava umas duas horas. Quando o navio atracava em São Roque, antes mesmo de serem colocadas as pranchas de desembarque, alguns homens, afoitos, pulavam do navio para o cais, desafiando o perigo (vez por outra algum caía no mar morrendo afogado ou esmagado pela embarcação), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria aos nossos destinos e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas".<br /><br />Neste porto havia diversos montes de manganês que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem, em navios ou barcos. De caminhão é que não era, pois ainda não havia qualquer rodovia naqueles lados.<br /><br />São Roque era o paraíso dos glutões. Era a maior festa, não só para os olhos como para o estômago, a "Feira de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea. Do trem podia admirar-se o colorido das roupas, das comidas e o festival gastronômico de São Roque, capaz de dar inveja aos atuais. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontravam-se ali: amendoim cozido e assado;siris e caranguejos; feijoada; macarronada; churrasco (de gato); peixe frito, assado ou de muqueca; mocotó; assado de boi; farofa; arroz branco; acarajé, abará e acaçá; verduras; legumes;saladas; sucos diversos; frutas da época; "gasosas e sodas"; cachaça e as infusões chamadas "fôia-pôde".<br />Bolachas; biscoitos de goma; sucrilhos; queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo de laranja e chocolate; pamonha de milho e puba; arroz-doce; batata-doce; aipim cozido; mungunzá; lelê e canjica (curau); doces em calda e secos; cocadas; rapadura; caldo de cana; pães doces e "de sal"; queijo e requeijão; leite e o famoso e tradicional "cafezinho"... isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira" havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer ser vivente.<br /><br />O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, o latido dos cães, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio, do outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à fértil imaginação.<br /><br />Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho. Meu pai sorria ao me ver, como ele dizia, "encher a pança", embora ele comesse tanto quanto eu. Após ele tomar um cafezinho, subíamos no trem. Lá dentro nos abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão que ficava logo atrás do "tênder" (carro que vem logo atrás da locomotiva e carrega água, lenha ou carvão) Neste vagão viajavam os políticos, funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem" e autoridades dos municípios nos quais este passava.<br /><br />A viagem até Nazaré durava cerca de uma hora, eu acho. Lembro também de algumas mulheres que usavam "torsos" (espécie de turbante, feitos com toalha), acho que para protegerem o cabelo da fuligem que era expelida pela chaminé da locomotiva, mas que só penetrava nos vagões da "segunda classe" em diante, isto é, os últimos vagões do comboio.<br /><br />A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes, pastos, cavalos, bois, vacas, bodes, cabras, Cães, gatos, aves e pequenos animais silvestres enfeitavam o festivo panorama. Casas, cobertas de palhas ou de telhas, pequenas, grandes, rústicas ou bem acabadas, de "sopapo"ou de tijolos, cercas. Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera. E nos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao trajeto do comboio. Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos a Nazaré, cobertos de poeira e, às vezes, também de fuligem. Se não me engano, além da "Maria-Fumaça" e do tênder, o trem era composto de sete vagões. Acho que tinha um ou dois vagões de carga.<br /><br />Em Nazaré o trem ficava cerca de meia hora. Alguns passageiros desciam, outros embarcavam e logo a locomotiva saía bufando, rangendo as rodas, expelindo uma negra e grossa nuvem de fumaça e fuligem, arrastando vagarosamente seus vagões e sendo "ajudada" por uma outra locomotiva que era chamada de "Xereta",para que conseguisse subir a ladeira que havia entre Nazaré e Muniz Ferreira. Não sei se a "Xereta" acompanhava o comboio até Jequié, mas creio que sim, pois acho que tinham outras ladeiras nesta ferrovia.<br /><br />Embora tenha falado na crônica anterior, não custa repetir algumas coisinhas: Nazaré é uma cidade histórica situada no Recôncavo baiano às margens do Rio Jaguaripe. Foi fundada em 1572 e aniversaria a 10 de novembro. É uma das mais antigas cidades do Brasil.<br /><br />Sua tradicional festa é a secular "Feira de Caxixis", que ocorre na Semana Santa e é instalada na Praça dos Arcos.<br /><br />Nesta época Nazaré se enche de turistas de todo o País, bem como de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias de Maragojipinho, Aratuípe e regiões próximas, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. Muita gente leva as "miniaturas" como souvenir, para amigos, filhos e netos.<br /><br />Tem aqueles que vão apenas "olhar" e os que vão comprar as "utilidades para o lar", como, por exemplo, as moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos, com qualidade e beleza.<br /><br />Muitos dos visitantes permanecem na Cidade após o término da Feira dos Caxixis, pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta".<br /><br />A Micareta é um carnaval "fora-de-época" que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho. As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a folia.<br />Também há blocos, batucadas, caretas, folião "pipoca", além de muita bebida e comida... num clima de alegria e "descompromissos".<br /><br />Qualquer dia conto mais!ou esmagado pela embarcação), com o intuito de garantir um assento no trem que nos levaria aos nossos destinos e que já estava à espera, com a "Maria-Fumaça" resfoguelando e soltando suas "bufas". <br /><br />Neste porto havia diversos montes de manganês que era extraído nas redondezas e eu nunca soube para onde eram levados, nem se de trem, em navios ou barcos. De caminhão é que não era, pois ainda não havia qualquer rodovia naqueles lados. <br /><br />São Roque era o paraíso dos glutões. Era a maior festa, não só para os olhos como para o estômago, a "Feira <br />de comilanças". Dezenas de mesas, em sua maioria, senão todas, cobertas com alvas toalhas, sobre as quais se via de quase tudo e que ficavam espalhadas ao longo dos trilhos, diante da estação férrea. <br /><br />Do trem podia admirar-se o colorido das roupas, das comidas e o festival gastronômico de São Roque, capaz de dar inveja aos atuais. Das mais tradicionais às mais exóticas iguarias, encontravam-se ali: amendoim cozido e assado; siris e caranguejos; feijoada; macarronada; churrasco (de gato); peixe frito, assado ou de muqueca; mocotó; assado de boi; farofa; arroz branco; acarajé, abará e acaçá; verduras; legumes; <br />saladas; sucos diversos; frutas da época; "gasosas e sodas"; cachaça e as infusões chamadas "fôia-pôde". <br />Bolachas; biscoitos de goma; sucrilhos; queijadinhas; cuscuz, mingau e bolo de milho, tapioca e puba; bolo <br />de laranja e chocolate; pamonha de milho e puba; arroz-doce; batata-doce; aipim cozido; mungunzá; lelê e <br />canjica (curau); doces em calda e secos; cocadas; rapadura; caldo de cana; pães doces e "de sal"; queijo e <br />requeijão; leite e o famoso e tradicional "cafezinho"... isso é o que ficava às vistas, pois nessa "feira" <br />havia muito mais guloseimas para abrir o apetite de qualquer ser vivente. <br /><br />O burburinho, o pregão dos vendedores, os falares com sotaque daquela gente, os apitos do trem e do navio, o canto dos pássaros, o latido dos cães, entre outros sons, eram música para meus ouvidos. O ir e vir de tanta gente em seus trajes de cores e modelos variados, seus andares e trejeitos, a visão do trem de um lado e do navio, do outro, excitavam meus olhinhos de criança e davam corda à fértil imaginação. <br /><br />Antes de embarcarmos no trem, eu e meu pai bebíamos mingau de puba e de tapioca, comíamos pamonha de puba e cuscuz de milho. Meu pai sorria ao me ver, como ele dizia, "encher a pança", embora ele comesse tanto quanto eu. Após ele tomar um cafezinho, subíamos no trem. Lá dentro nos abancávamos no "carro-chefe", como era chamado o vagão que ficava logo atrás do "tênder" (carro que vem logo atrás da locomotiva e carrega água, lenha ou carvão) Neste vagão viajavam os políticos, funcionários da ferrovia, amigos do "chefe-do-trem" e autoridades dos municípios nos quais este passava. <br /><br />A viagem até Nazaré durava cerca de uma hora, eu acho. Lembro também de algumas mulheres que usavam "torsos" (espécie de turbante, feitos com toalha), acho que para protegerem o cabelo da fuligem que era expelida pela chaminé da locomotiva, mas que só penetrava nos vagões da "segunda classe" em diante, isto é, os últimos vagões do comboio. <br /><br />A paisagem era agradável às vistas. Campos floridos, árvores de copas frondosas, colinas verdejantes, <br />pastos, cavalos, bois, vacas, bodes, cabras, Cães, gatos, aves e pequenos animais silvestres enfeitavam o <br />festivo panorama. Casas, cobertas de palhas ou de telhas, pequenas, grandes, rústicas ou bem acabadas, de <br />"sopapo"ou de tijolos, cercas. Homens, mulheres e crianças, ora trabalhando, ora sem nada fazer, sorriam <br />sorrisos de bocas desdentadas, mas de alegria sincera. E nos acenos de braços cansados e mãos calejadas do rude trabalho na terra, saudavam os passageiros, como a desejar-lhes uma viagem tranqüila. Alguns rios e lagoas completavam o colorido quadro que, através das janelas, corriam em direção contrária ao trajeto do comboio. Após serpentear por planícies, atravessar um túnel aberto nas rochas e transpor algumas pequenas pontes, finalmente chegávamos a Nazaré, cobertos de poeira e, às vezes, também de fuligem. Se não me engano, além da "Maria-Fumaça" e do tênder, o trem era composto de sete vagões. Acho que tinha um ou dois vagões de carga. <br /><br />Em Nazaré o trem ficava cerca de meia hora. Alguns passageiros desciam, outros embarcavam e logo a <br />locomotiva saía bufando, rangendo as rodas, expelindo uma negra e grossa nuvem de fumaça e fuligem, <br />arrastando vagarosamente seus vagões e sendo "ajudada" por uma outra locomotiva que era chamada de "Xereta", para que conseguisse subir a ladeira que havia entre Nazaré e Muniz Ferreira. Não sei se a "Xereta" <br />acompanhava o comboio até Jequié, mas creio que sim, pois acho que tinham outras ladeiras nesta ferrovia. <br /><br />Embora tenha falado na crônica anterior, não custa repetir algumas coisinhas: Nazaré é uma cidade histórica situada no Recôncavo baiano às margens do Rio Jaguaripe. Foi fundada em 1572 e aniversaria a 10 de novembro. É uma das mais antigas cidades do Brasil. <br /><br />Sua tradicional festa é a secular "Feira de Caxixis", que ocorre na Semana Santa e é instalada na Praça dos <br />Arcos. <br /><br />Nesta época Nazaré se enche de turistas de todo o País, bem como de muitos estrangeiros que, sabedores da qualidade dos objetos cerâmicos feitos nas olarias de Maragojipinho, Aratuípe e regiões próximas, vêm para comprá-las, uns com o intuito de revendê-las, ganhando um bom dinheiro, outros apenas buscando uma figura exótica para suas salas. Muita gente leva as "miniaturas" como souvenir, para amigos, filhos e netos. <br /><br />Tem aqueles que vão apenas "olhar" e os que vão comprar as "utilidades para o lar", como, por exemplo, as <br />moringas, porrões, pratos, potes, panelas, frigideiras, bacias, canecas e até mesmo penicos, com qualidade e beleza. <br /><br />Muitos dos visitantes permanecem na Cidade após o término da Feira dos Caxixis, pois tem início mais uma das festas tradicionais dessa nossa "festiva" Bahia, a "Micareta". <br /><br />A Micareta é um carnaval "fora-de-época" que acontece em quase todos os municípios do Estado, entre março e junho. As prefeituras locais contratam "Trios-Elétricos" e cantores famosos de Salvador para animar a folia. <br />Também há blocos, batucadas, caretas, folião "pipoca", além de muita bebida e comida... num clima de alegria e "descompromissos". <br /><br />Qualquer dia conto mais! <br /><br />FIMLuís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-13067215672794648982009-10-13T15:45:00.000-03:002009-10-13T15:47:58.393-03:00Meu Pai, Meu Herói - CrônicaAutor: Vinícius Campos<br /><br />Nota: Este texto meu filho fez sobre mim, aos dezessete anos,<br />para um concurso na TV Bandeirantes em 2000 e que ficou em<br />segundo lugar.<br /><br />Quantas vezes o vi cuidando do seu carro, lavando-o ou<br />mexendo no motor;<br />Quantas vezes o vi reparando canos, pias e ralos;<br />Quantas vezes o vi consertando eletrodomésticos;<br />Quantas vezes o vi entre fios, tomadas e disjuntores;<br />Quantas vezes o vi pregando e colando mesas, armários e<br />cadeiras;<br />Quantas vezes o vi cimentando pisos ou lixando e pintando<br />paredes;<br />Quantas vezes contou-me histórias nas quais, sempre, eu fazia<br />parte da trama ou era o protagonista;<br />Quantas vezes me fez sorrir com suas piadas e brincadeiras;<br />Quantas vezes foi cavalo,cachorro, entre outros bichos, para<br />me divertir;<br />Quantas vezes levou-me a cinemas, praias, parques, circos<br />e shoppings;<br />Quantas vezes ajudou-me nos deveres escolares, nunca os<br />fazendo por mim;<br />Quantas vezes zelou por minha saúde, levando-me a dentistas,<br />médicos e oculistas;<br />Quantas vezes acalentou-me, com canções de ninar, até eu<br />dormir;<br />Quantas vezes falou-me de Deus, do respeito aos meus<br />semelhantes, de como deveria tratar bem aos animais;<br />Quantas vezes cuidou dos meus machucados, do corpo ou da<br />alma, com remédios e palavras de carinho;<br />Quantas vezes explicou-me como era a vida, do bem e do mal,<br />da natureza, do meio-ambiente;<br />Quantas vezes ouviu minhas histórias, meus sonhos, minhas<br />bobagens, com toda atenção, sorrindo e aconselhando-me;<br />Quantas vezes me disse o quanto eu era amado...<br /><br />Perdi a conta!<br /><br />Quando eu fiz sete anos ele ficou cego. Eu não sabia o<br />quanto era importante a visão. Minha mãe conversou bastante<br />comigo sobre as dificuldades que ele teria, dali por diante.<br /><br />Fiquei muito triste por ele. Pensei: coitadinho!<br /><br />Quem agora iria me levar e pegar na escola todos os dias ?<br />Quem iria brincar comigo de programas de tevê, jogar xadrez,<br />dominó e baralho ?<br />Quem iria ser cavalo, montar Hering-Rasti, autorama e<br />trenzinho elétrico para mim ?<br />Quem iria fazer barcos, aviões e bonecos de papel nos dias<br />chuvosos?<br />Quem iria empinar arraia e bater uma bolinha comigo ?<br />Quem iria desenhar, pintar e fazer a decoração nos meus<br />aniversários ?<br /><br />Como eu estava enganado! Pouca coisa mudou.<br /><br />Quase tudo que ele fazia antes, continua fazendo. Como ele<br />mesmo diz: "Eu sou o técnico. Só preciso de um ajudante, com<br />pelo menos, um olho!"<br /><br />Hoje tenho dezessete anos. Nestes dez anos de sua cegueira,<br />ele não deixou de ser palhaço, humorista, poeta, pedreiro,<br />artista, encanador, mecânico, pintor, eletricista, cantor,<br />marceneiro, professor, parceiro e amigo... um paizão!<br /><br />Um exemplo de força e coragem!<br /><br />Por tudo isso e por sua lição de vida, eu digo com muito<br />orgulho:<br /><br />- Meu pai, meu herói!<br /><br /><br />Vinícius Campos<br />( Em 05.08.2000)blockquote>Luís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4334020116799017872.post-83172344063202301352009-10-04T21:10:00.003-03:002009-10-13T15:42:38.572-03:00A História da Minha CegueiraLuís Campos (Blind Joker)<br /><br />Fiquei totalmente cego em janeiro de 1990, após ter sofrido quatro intervenções cirúrgicas para reverter um "descolamento da retina".<br />Antes que você me pergunte, só existe transplante de córnea.<br /><br />Eu era míope desde criança e os óculos sempre fizeram parte da minha fisionomia (e por isso era metido a intelectual, lendo sobre tudo!).<br />Em 1986 perdi a visão do olho direito após uma infecção (uveíte) quando tomei muito remédio, coisa da qual nunca gostei (tomar remédios).<br /><br />Na verdade, estava sofrendo um descolamento da retina. Havia visitado sete oftalmologistas (ô palavrinha, sô!). Falando nisto, lembrei de otorrinolaringologista e o nome daquele ácido, ADN - que não sei escrever (isso pode dar uma crônica). Voltando aos oftalm... ah, vocês já sabem, profissionais que, no meu tempo de menino eram chamados apenas de "oculistas". <br />Só após visitar o oitavo oftal... ah, Dr.Luís (tinha que ser meu xará, né?), foi que soube estar sofrendo um descolamento da retina.<br />Ele me disse para ir a Campinas, São Paulo, no Instituto Penido Burnier que, para ele, era o melhor da época nestes tratamentos. Por ainda enxergar com o olho esquerdo, fui sozinho até lá, na esperança de fazer a cirurgia e recuperar a visão do olho direito. Já na consulta fui desenganado. O oftalm... vocês ainda não decoraram esta coisa?<br />Não vou repeti-la mais! O dito cujo aí, disse que não havia nada a fazer: eu já havia perdido aquela vista de vista!<br />Voltei a Salvador e continuei levando minha vidinha: agora que nem Camões... caolho, mas sem a verve do poeta!<br /><br />Pela lógica, deveria fazer as coisas pela metade, né? Mas não foi bem assim. Pouca coisa mudou! Dirigia, viajava, bebia, escrevia, jogava (palitinho)... continuei a fazer tudo que fazia antes (até repetir palavras no texto). Fiquei três anos afastado do TRT. Que vidão, né? Tá com inveja? Se quiser eu furo seus olhos!<br />Brincadeirinha... é só um pouquinho de humor negro!<br /><br />Em julho de 89, comecei a sentir os mesmos sintomas na vista esquerda! Pondo meu bigode de molho (Na época usava um bigodão que me dava um ar de homem sério!), voltei a visitar alguns daqueles - já disse que não iria repetir a tal palavrinha - daqui. Fui aconselhado a ir a Belo Horizonte (Instituto Hilton Rocha). Lá o oft - isto mesmo - indicado, após o exame, disse que havia um princípio de descolamento da retina (Grande novidade!); que ele iria operar minha vista e que eu ficaria aos cuidados do seu assistente, pois ele iria a um congresso no Rio de Janeiro. Disse também que não garantia a recuperação da retina, isto é, mesmo operando, eu poderia ficar cego!<br /><br />Achei que era muito descaso dele, além disso, sua frieza me assustou. Pensei: Se eu operar com esse cara, estarei obtendo um atestado de burro, afinal, iria pagar cerca de seis mil dólares (na época) para, possivelmente, ficar cego! Com muita dificuldade, peguei um avião (vocês já tentaram pegar um? O bicho corre que nem cabrito! É melhor esperar ele ficar quietinho e abrir aquela portinha em riba da escada.<br />Aí você faz como o pessoal fazia à época: sai correndo e entra antes que ele arribe e vá embora!) e voltei ao Penido Burnier, em Campinas.<br /><br />Na consulta ao... (não repito!), não relatei o sucedido em Belô. Após um exame, o... (ele mesmo!), disse que logo eu estaria bom; que a cirurgia seria tranqüila e que dentro de um mês eu estaria vendo tudo, completamente recuperado. <br />Havia uma esperança - pensei!<br />Na cirurgia colocaram um aro de silicone para segurar a retina.<br />Ao pagar a fatura, me cobraram cerca de três mil dólares (à época!), mas não me ressarciram o valor de um par de sapatos que eu nunca havia usado e que um enfermeiro gay roubara! Deixei isso pra lá, afinal, vão-se os sapatos e ficam as meias, né?<br /><br />Voltei para casa, mas, com menos de trinta dias o olho amanhecia fechado, com umas pequenas placas cristalizadas, talvez devido ao uso dos colírios... e deixei de enxergar com o olho que operara! Até aqui eu viajara sozinho, sem acompanhante, visto ainda enxergar, mesmo com o olho sofrendo o descolamento da retina.<br />Com a ajuda de um irmão que reside em São Paulo, voltei ao Penido Burnier para "desfazer" a cirurgia e retirar o tal "aro de silicone", já que, além de não resolver, passara a causar muita dor!<br />Voltei para casa definitivamente cego... e de bolso quase vazio!<br /><br />Viram como sou inteligente? Fiquei cego pela metade do preço!<br /><br />Um mês depois fui convencido a ir a Goiânia, pois lá havia um cara que estudara em Boston (EUA) e que estava fazendo miséria (no bom sentido) na área de retina... e eu acreditei!<br />Esperançoso e graças ao dinheiro, ao trabalho e ao amor da minha esposa à época, Sulamita, mãe do Vinícius, que ficou gerenciando nossa Empresa, fui pra lá... e haja dólares!<br /><br />Na primeira cirurgia recuperei, parcialmente, a visão e estava feliz da vida! No trajeto de Goiânia para Brasília, onde ficaria hospedado, conseguia ler os outdoor da beira da estrada, coisa que não faria sem os óculos, pois, como já disse, desde criança era míope e, na época, antes da cegueira, usava lentes com 8,50 graus.<br />Fiquei cerca de cinqüenta dias na casa de um casal amigo, Raimundo e Neusa, hoje meus irmãos por amor e gratidão, pois teria que retornar a Goiânia para duas aplicações de laser e mais uma cirurgia para inserção de um "óleo de silicone" que, segundo o "cobra", seria para "empurrar" a retina para trás e que ele estava experimentando em algumas pessoas com algum sucesso... e, mais uma vez, eu acreditei!<br /><br />No hospital conheci Nelita, cuja prima sofrera um acidente de carro e tinha vidro nos olhos (hoje ela está sem problemas) e ficamos amigos. Devo muito a esta menina e nunca houve nada entre nós (não que eu não quisesse, mas ela não queria, pois eu era casado). Apesar dos ciúmes da minha mulher, o que era compreensível, éramos apenas amigos.<br />Nas vezes que retornei a Goiânia, esta amiga me deu suporte, pois eu ficava hospedado num hotel próximo ao hospital e quando ela saía do trabalho, ao meio dia, me levava para almoçar e depois íamos "bater pernas" no centro da cidade, que era pertinho de onde eu estava. Ela ficava comigo até as oito horas da noite, quando retornava para sua casa e eu passava as noites e as manhãs sozinhas.<br />Após minha separação ficamos juntos algumas vezes: eu ia a Goiânia ou ela vinha a Salvador! Há oito anos que ela mora nos Estados Unidos e ainda somos amigos. Fui e sou seu "conselheiro" e sempre conversamos através do Skype. <br /><br />Em Brasília fiquei amigo dos amigos da Neusa e do Raimundo e eles me levavam para tudo que era festa e passeio. Suas meninas, Fabiana e Carina me consideram um tio e isto é muito gratificante. Eles estavam sempre por aqui e adoram tanto nossa Terrinha que, assim que foi possível, compraram um apartamento por cá. Estamos sempre em contato e mesmo depois que separei, a amizade conosco continuou. São pessoas excelentes, de bom coração e amigos sinceros! Sou separado de Sulamita desde 2000, mas o respeito e a amizade entre nós continua, afinal, temos um filho maravilhoso!<br />Como falei anteriormente, fiz as duas aplicações de laser (Como dói!), a cirurgia... e com o bolso mais vazio! <br />Voltei para Salvador com aquele óleo de silicone dentro do olho e que seria retirado no final de janeiro de 1990. Mesmo enxergando um pouco, e agora, por causa do óleo, nublado (como estivesse usando óculos escuros). Sentia fortes dores neste olho, sendo obrigado a ingerir quatro analgésicos, um a cada seis horas, pois não suportava a dor.<br />Falei com o... é isso mesmo, e ele insistiu em só retirar o tal óleo na data prevista... não doía nele, né?<br />Para ele, "Silicone nos olhos do paciente é colírio"! No reveillon de 1989/1990, já não enxergava mais nada e, antes da data marcada pelo offtal... vocês sabem, voltei a Goiânia para retirar o óleo!<br /><br />Mais uma vez estava cego!<br /><br />Após a retirada do óleo de silicone, ele disse que não poderia fazer mais nada... só Deus! (Quase que lhe sugiro devolver-me os dólares que paguei!). É engraçada essa vida... a gente faz as coisas e depois entrega nas mãos de Deus! Isto é que é ter fé!<br />Nesta noite, se não me engano, 13 de janeiro de 1990, sozinho no quarto do hotel, entre lágrimas, escrevi aquele poema, "Senhor"!<br />Mas, na tarde seguinte estava dançando com Nelita no interior da "Lojas Americanas"!<br /><br />Voltei para casa, conformado com a minha realidade, mesmo que, neste período de viagens e cirurgias, não tenha deixado de brincar e sorrir!<br />Creio que minha mulher, meus filhos, irmãos, amigos e as pessoas que me cercavam e gostavam de mim sofreram mais do que eu! Como sempre fui um cara dinâmico e nunca gostei de pedir a ninguém que fizesse as coisas por mim, senti um pouco ter que depender, mesmo que em parte,<br />dos outros... mas nunca pensei que minha vida se acabara!<br />Sempre fui um cara forte e dera tanta força às pessoas, então como não ser forte comigo? Agradeci a Deus por "apenas" ter ficado cego!<br /><br />Assim, continuei fazendo quase tudo que fazia antes. Voltei a trabalhar em nossa Empresa, contratei uma secretária exclusivamente para ler e escrever algumas coisas, embora em casa meus familiares fizessem isso.<br />Depois de ficar cego descobri que escrevia que nem Deus: certo por linhas tortas!<br />Também contratei um motorista para levar-me ao escritório e o Vinícius à escola, ao curso de inglês e à natação... coisas que eu fazia antes!<br />Em 1992 Sulamita passa a ser juíza do trabalho e eu retomei a direção da nossa Empresa. Como está no texto do Vinícius, "Meu pai, meu herói", pouca coisa mudou. Continuei viajando, dançando, brincando, cantando e... namorando!<br /><br />Aborrece-me, hoje, quando alguém reclama da própria vida, tendo todos os sentidos perfeitos, andando sobre seus próprios pés e sem qualquer deficiência física, mesmo que sofra de alguma doença, quero dizer, alguma insuficiência de qualquer dos seus órgãos e que possa ser controlada com remédios ou de uma outra maneira qualquer. Embora reconheça que as pessoas não são iguais e que devemos respeitar esta desigualdade, digo-lhes que, quando estiverem com qualquer problema, seja de que monta for, pensem que poderia ser pior... olhem à sua volta!<br />Aquele ali está paraplégico, o outro é tetraplégico, um outro é surdo-mudo, acolá um cego, um outro não tem as pernas ou os braços, aquele lá anda se arrastando, aquela faz hemodiálise... quer mais?<br />Agradeça todos os dias por sua "doença" ser apenas "uma" doença!<br />Sorria, o mais que puder... as "forças negativas" têm medo do sorriso!<br />E para que você possa sorrir um pouquinho, deixe eu lhe dizer a que conclusão cheguei depois destas cirurgias: Como sou alérgico ao silicone, não posso nem ser travesti, né?<br />E tem mais: ser cego tem algumas vantagens! Quais? Eu digo:<br />Não vê mais homem; toda mulher é linda, não precisa escolher; não paga buzu (ônibus); não entra em fila; nunca fica em pé. Alguém sempre diz: "Senta aqui, ceguinho"! E a última e mais importante: antes cego do que brocha, né?<br /><br />Não me considero "lição de vida", apenas encaro minha realidade!Luís Camposhttp://www.blogger.com/profile/12923664899149428473noreply@blogger.com2