quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O Naufrágio do Karina II

A tarde estava morna. Soprava uma leve brisa, refrescando aqueles que
se achavam por ali.
A natureza, pródiga neste início de primavera, deixava as margens do
lago, floridas. Ouvia-se, vindo da mata que ladeava o lago, o canto
de alguns pássaros vespertinos e os ruídos dos pequenos animais
silvestres que habitavam árvores e tocas na pequena floresta.

Numa das margens, alguns homens aproveitavam para jogar conversa
fora, outros jogavam vôlei, futebol, dominó ou damas e os demais apenas
aproveitavam a grama para, deitados ou sentados, descansarem.
Algumas mulheres, assim como fazem os homens, formavam grupinhos e
entre risos e gargalhadas, trocavam confidências e intimidades,
possivelmente rindo dos próprios maridos e namorados.

As crianças aproveitavam da melhor forma a liberdade que seus pais lhes
davam, brincando. Umas corriam pelo campo gramado soltando gritos de
alegria, inventando novas brincadeiras ou relembrando aquelas que
conhecemos bem. Outras empinavam pipas e arraias ou simplesmente
ficavam deitadas tentando adivinhar os desenhos que as nuvens formavam
antes de se desfazerem. Algumas mais acomodadas brincavam com jogos
de cartas, de tabuleiros ou apenas apreciavam as demais crianças no seu
corre-corre alegre e descompromissado.

O alarido das conversas era intenso, mas não incomodava a ninguém,
afinal, durante toda a primavera e o verão, aquele povo estava sempre
por ali, nos finais de semana.

Raramente alguém se aventurava a banhar-se, pois todos sabiam que,
embora a temperatura estivesse agradável, a água estava quase gelada.

Um pouco mais adiante, sentados próximos da água, alguns homens
discutiam sobre navegação, assunto preferido deste grupo, enquanto
apreciavam alguns barcos que navegavam ao largo.

De repente o céu cobriu-se de grossas nuvens, oriundas do litoral e
escureceu completamente. O vento passou a soprar com mais força,
aumentando a cada minuto sua velocidade e uma chuva fina e fria começou
a cair.
O povo correu para o bosque, procurando abrigar-se melhor, embora isso
fosse impossível. A tempestade não tardou.
O vento sibilava aos ouvidos que não aceitaria desafios e a chuva
tornou-se torrencial. O lago parecia querer subir pelas margens.

As ondas avolumavam-se, ameaçando as embarcações que insistiam em
permanecer ao largo. Quase todas foram trazidas ao pequeno ancoradouro,
restando apenas ao "Karina II", um bonito veleiro de três mastros,
retornar. Mas pareceu aos homens que apreciavam a luta do barco para
vencer as ondas, que não iria conseguir.
O veleiro era manobrado para tentar transpô-las, mas estas batiam nas
suas laterais, fazendo-o adernar, ora para um lado, ora para outro.
As ondas lavavam o convés, levando tudo que estava solto ou mal
amarrado. O barco embicava nas vagas e saía adiante. As velas já não
tinham nenhuma serventia. Encharcadas, eram apenas empecilho para que
o veleiro permanecesse à tona.
Alguns dos homens que apreciavam essa luta desigual apostavam entre
si que o barco logo soçobraria. Era como a batalha da formiga contra
o elefante que teimava em pisar, diariamente, o formigueiro.

Uma onda mais forte e maior que as demais, por fim, fez o barco virar
e encher-se de água, iniciando seu naufrágio conforme previsto por
aqueles que apostaram neste resultado.

Um dos homens atirou-se ao lago e nadou em direção ao Karina II.

Após algumas braçadas, alcançou a embarcação. A pegou por um dos
mastros e ao verificar que ali não era tão fundo, ficou de pé e,
levantando o barco pelo casco, o emborcou para retirar toda a água do
seu interior e, com ele numa das mãos, retornou andando para a margem,
onde os amigos o esperavam. Ouviram-se gritos de vivas, aplausos e o
recém-chegado, sorrindo, exclamou:

- Levei quatro meses para fazer esta réplica e não iria perdê-la
assim tão fácil!

FIM

Pegadas de Sangue

Eram quase onze horas da manhã quando o telefone da delegacia tocou.
Ao atendê-lo, Dick desejou que fosse a comunicação de um crime para
colocar um pouco de movimento naquele dia monótono.
Era sua esposa. Ele desligou o telefone, avisou aos colegas que
precisava ir em casa e saiu apressadamente.

Quando o policial chego à cozinha de sua casa, a cena que viu não era
a que esperava ver no dia do seu aniversário.
Havia sangue pelo chão que ia até a porta dos fundos, bem como nas
paredes e no azulejo da pia, sobre a qual repousava uma peixeira ainda
com a lâmina suja de sangue.
O fogão estava quente, comprovando que fora usado há pouco e havia uma
panela sobre uma das grelhas com cerca de um litro de sangue dentro.

Dick, acostumado com cenas semelhantes, apenas pegou o celular e ligou
para a delegacia, enquanto observava que as pegadas no sangue tinham o
tamanho do pé de sua esposa.
Em questão de minutos uma viatura parou diante de sua casa e dela
desceram o delegado, o perito, o escrivão e um policial.

- Dick, Dick - gritou o delegado -, onde você está?

- No quintal, Doutor Baretta! Entrem! - gritou Dick em resposta.

Os policiais entraram na casa e passaram pela cozinha, deixando no chão
mais algumas pegadas de sangue e saíram no quintal, sem demonstrarem
em seus semblantes os sentimentos que iam em seus corações, afinal,
cenas com sangue são comuns na rotina de um policial.

Os quatro policiais aproximaram-se do regato que cortava o quintal da
casa do amigo e, surpresos, o viram agachado junto à esposa, com uma
faca na mão, ajudando-a a depenar três galinhas que seriam o almoço
daquele dia e para o qual Dick os convidara.

- Oba! Hoje tem galinha ao molho pardo no almoço! - exclamou o perito.

FIM